domingo, 28 de novembro de 2010

O clube dos amigos da inflação

Por Luis Nassif

Defendida pelos economistas de mercado, o sistema de "metas inflacionarias" precisa ser revisto no país.

Em tese o sistema funciona assim:

Define-se uma meta inflacionária a ser alcançada em determinado período.O Banco Central passa a monitorar um conjunto de variáveis para estimar o desempenho da meta. Mas, principalmente, as expectativas dos agentes do mercado financeiro.Se as expectativas excedem a meta, aumenta os juros. Se estão abaixo da meta, diminui os juros.

O instrumento atua especificamente sobre a demanda. Aumentando os juros, espera desestimular a demanda trazendo os preços de volta ao patamar planejado.

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Os problemas são inúmeros.

O primeiro, é que o sistema emperrada de transmissão das taxas de juros no país. Cartelização no sistema bancário, distorções na tributação, spreads elevadíssimos, faz com que a demanda tenha pouca sensibilidade a movimentos pequenos na taxa Selic. Nos EUA, mudança na casa decimal já interfere nas expectativas dos agentes econômicos. Por aqui, os movimentos precisam ser violentos, para surtirem efeito.

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O segundo ponto é que os agentes econômicos consultados – economistas e operadores de mercado – são beneficiários diretos de elevação de taxas de juros. Por isso mesmo tem uma visão viciada sobre as expectativas dos preços. Sempre tendem a supervalorizar altas pontuais e a minimizar quedas de atividade – como ficou claríssimo na crise econômica de 2008.

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O terceiro ponto é que o sistema de consultas do BC é viciado. Os economistas consultados não estão interessados em fornecer informações objetivas sobre o cenário futuro da inflação, mas em acertar o que o BC pensa. Assim, basta o BC sinalizar que irá aumentar os juros para todo o mercado passar a apostar em uma inflação maior – mesmo que, em suas análises, eles prevejam inflação menor.

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O quarto ponto é que as planilhas do BC não são operadas por economistas capazes de perceber grandes inflexões na economia. Quando ocorrem mudanças expressivas, os indicadores levam de dois a quatro meses para registrar. Em dezembro de 2008 a economia estava se desmanchando mas o BC, baseado em séries históricas que retratavam os meses passados, falava em "atividade econômica robusta".

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O quinto ponto é que os modelitos do BC jamais estabeleceram correlações corretas entre ajuste fiscal e taxas de juros. Seguidamente justifica-se a alta dos juros com o argumento de que a Fazenda não está fazendo sua parte no ajuste fiscal. A imprensa reproduz acriticamente tais afirmações, com a convicção dos crentes, como se tais afirmações fossem dogmas divinos, sem necessidade de comprovação científica.

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Com isso, o combate à inflação passa a ter ganhadores óbvios: os rentistas detentores de títulos públicos. Esses ganhos fazem com que mantenham sempre em alta as expectativas inflacionárias.

O BC poderia combater eventuais excessos de demanda com ferramentas tradicionais – redução de prazo de financiamento, aumento de depósito compulsório, aumento de tributação sobre operações de crédito. Com isso acabaria com o clube dos amigos da inflação.

http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-clube-dos-amigos-da-inflacao

sábado, 20 de novembro de 2010

Em vez de dois, nenhum professor por sala

TALITA BEDINELLI
DE SÃO PAULO
RAPHAEL MARCHIORI
DO "AGORA"

Governo não consegue contratar profissionais para cobrir licenças temporárias

A prova do Saresp (que avalia o aprendizado anual de alunos da rede paulista) teve um gostinho amargo para Lia, 13, nesta semana.

Apesar de boa aluna, ela não soube responder a parte das questões de português.

E não foi por falta de estudo. "Foi por falta de professor", diz Cléo, 33, mãe dela.

A professora de português de Lia na Joaquim Leme do Prado, zona norte da capital, está de licença há três meses e nenhum outro docente a substituiu. Os alunos ficam na sala ou no pátio "sem fazer nada", diz a menina. Mesmo sem aulas, ou avaliação, ela teve nota 8 no bimestre.

Lia é uma das vítimas de um problema que aconteceu em muitas escolas estaduais de SP ao longo do ano.

A Folha escutou relato semelhante em outras 11 escolas, de todas as regiões da cidade e da Grande SP. Em algumas, os estudantes chegaram a ficar até seis meses sem uma determinada disciplina.

Em Araraquara, interior do Estado, alunos do 3º ano fizeram um boicote ao Saresp, pois afirmam que não tiveram aulas regulares de química, história e física desde o começo do ano.

A falta de professores é consequência de uma lei estadual, de 2009, que determina que funcionários contratados sem concurso podem trabalhar por no máximo um ano. Depois, eles devem ficar afastados por 200 dias para evitar vínculo empregatício.

Por isso, poucos professores não estáveis (cerca de 10% da categoria) aceitam cobrir licenças temporárias. Preferem esperar por vagas com mais tempo de trabalho ou até desistem da profissão.

A situação deve piorar no próximo ano, pois os professores que deram aula neste ano terão que se afastar até o início do segundo semestre.

A Secretaria Estadual da Educação reconhece o problema e diz que tentará modificar a legislação neste ano.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Principal desafio: redução da Selic

Autor(es): Amir Khair

O Estado de S. Paulo - 17/11/2010

Há um compromisso explícito do novo governo de reduzir até o final de 2014 a dívida líquida do setor público (DLSP) dos atuais 40% do Produto Interno Bruto (PIB) para 30%. Para isso existem várias opções de política fiscal e monetária. Vamos admitir para cada ano, de 2011 a 2014, o PIB crescendo 4,5% e a inflação em 4,5%, e considerar dois caminhos para atingir esse objetivo: um, pelo resultado primário (receita menos despesas exclusive juros), e outro, pela taxa básica de juros, a Selic.

Primeiro caminho: ajuste pelo resultado primário. Foi o que vigorou nos governos FHC e Lula. O Banco Central fica livre para determinar a Selic conforme seus objetivos. O mercado financeiro prevê que a Selic seja de 11,75% em 2011. Vamos admitir que permaneça nesse patamar até o final de 2014. Nessas condições, para atingir o objetivo da DLSP de 30% ao final de 2014, o resultado primário necessário nos próximos quatro anos deveria ser de 3,1% do PIB.

Segundo caminho: ajuste pela Selic. Seria uma nova política em que se procuraria aproximar a cada ano a Selic do nível internacional dos países emergentes, de 6%. Neste ano a Selic média será de 10%. Ela cairia um ponto a cada ano: 9%, em 2011; 8%, em 2012; 7%, em 2013; e 6%, em 2014. Nessas condições, para atingir o objetivo da DLSP de 30% ao final de 2014, o resultado primário necessário nos próximos quatro anos deveria ser de 1,7% do PIB.

Esse segundo caminho permite, em relação ao primeiro, uma economia anual de 1,4% do PIB (3,1 menos 1,7). Em ambos os casos, em 2014 acabaria o déficit fiscal.

Atualmente, as despesas com juros atingem 5,4% do PIB. Em 2014 seriam de 3,7% do PIB, pelo caminho de não reduzir a Selic, ou de 1,9% do PIB, reduzindo-a em quatro anos para o nível internacional dos países emergentes. A vantagem fiscal é clara quando a política econômica passa a trabalhar com juros civilizados.

Mas pode-se argumentar que os juros só vão cair quando as despesas de custeio caírem. Será? Não creio. O que importa sob o aspecto macroeconômico é reduzir despesas. E juro é uma despesa que nos últimos 12 meses atingiu R$ 184 bilhões! Caso o País tivesse adotado uma política de taxas de juros civilizadas, essa despesa não existiria. O que diferencia o País em relação ao resto do mundo não são as despesas de custeio, mas as taxas de juros.

As despesas de custeio se destinam fundamentalmente para a área social e as despesas com juros só servem para reduzir os investimentos.

É aí que deverá o futuro governo centrar fogo. Pode, se quiser, seguir uma regra de não elevar as despesas de custeio acima do crescimento do PIB, usando o que sobrar para aumentar investimento. Mas o aumento de investimento é despesa do mesmo jeito e cria novas despesas de custeio para poder funcionar esse novo investimento. Exemplo: gasta-se em um ano com custeio o valor do investimento para construir e equipar um hospital.

Num país com má distribuição de renda, que levou a um elevado déficit social, e com gastos desnecessários com juros, que limitaram os investimentos em infraestrutura, parece natural que o próximo governo saberá tirar vantagem dessa lacuna fiscal herdada da péssima qualidade da política monetária que submeteu o País às maiores taxas de juros do mundo por mais de 15 anos. Além disso, apreciou o real mais do que as outras moedas e com isso está contribuindo para criar o rombo nas contas externas e desindustrializar o País.

Para sair dessa posição incômoda, é necessário que a futura presidente traga para sua responsabilidade a articulação das políticas monetária e fiscal. Baixando a Selic, caem rapidamente a despesa pública e o custo de carregamento das reservas e a apreciação do real deixa de ser tão agravada como foi até agora pela atração dos capitais externos especulativos. Está na hora de fechar as portas do cassino financeiro e concentrar recursos para o desenvolvimento econômico e social.