quarta-feira, 27 de março de 2013

O problema da logística de grãos não é nos portos

http://agenciat1.com.br/o-problema-da-logistica-de-graos-nao-e-nos-portos-jose-augusto-valente/


José Augusto Valente (Diretor Executivo dos portais Agência T1 e TVT1)
Desde 2003, ano da gigantesca fila de caminhões em Paranaguá/PR, que ouvimos que o problema do escoamento das safras de grãos se dá nos portos. Nada mais equivocado.
A Agência T1 entrevistou Roberto Queiroga, especialista na área de cereais (Superintendente da Cebra), que nos mostrou que o grande problema da logística dos grãos, especialmente soja e milho, se dá antes de chegar ao porto e não nele.
A matéria do Estadão do último domingo (17/3) mostra alguns desses problemas, mas um dos títulos “Caos nos portos não tem prazo para acabar”, dá a entender que esse é o problema, quando não é.
O principal problema, que não será resolvido pela MP-595 (nova lei dos portos), diz respeito à insuficiência de silos para armazenagem dos grãos, nas regiões produtoras e nos terminais portuários. Ocorre que os embarcadores – aqueles que compram a produção de grãos e a exportam – não constroem silos suficientes porque as linhas de crédito existentes são caras. Assim, quando chega à época da safra, o caminhão se transforma num silo ambulante e vai para Santos – os maiores portos exportadores de grãos – ainda que não estejam agendados. Acontecia o mesmo em Paranaguá, mas o então governador Roberto Requião determinou que o porto passasse a fazer agendamento para a chegada dos caminhões, o que eliminou as filas desnecessárias que se formavam nessa ocasião. A regra, que deve ser seguida por Santos, é: caminhão não agendado, nem chega perto do porto.
O segundo problema crucial, bem mostrado pela matéria, diz respeito à insuficiência de ferrovias e de hidrovias para escoamento da produção de Mato Grosso, em direção ao rios Madeira, Tapajós e Amazonas, bem como em direção aos portos do Nordeste. Devido à essa insuficiência, o caminhão tornou-se o meio de transporte mais utilizado para escoamento dos grãos. Às custas de ineficiências como aviltamento do frete, excesso de peso por eixo, de longas jornadas de direção e consequentes acidentes com graves ferimentos, mortes e perdas de veículos.
O governo federal precisa acelerar a construção da FICO – Ferrovia de Integração Centro-Oeste –, da Ferronorte, da Norte-Sul e as interligações entre esses troncos ferroviários. Além disso, precisa concluir a pavimentação da BR-163/PA/MT (hoje, 55% dos 978 km estão concluídos), que permitirá escoar mais de cinco milhões de toneladas de grãos do Mato Grosso pelos portos graneleiros de Miritituba e Santarém.
O governo federal também precisa viabilizar linhas de financiamento baratas para construção de silos de grãos, nas regiões produtoras e nos portos. Mas esse dinheiro barato tem que ter como contrapartida ganhos para os produtores e para os consumidores internos.
Finalmente, outro problema que precisa ser resolvido é o de acesso terrestre, especialmente, ao porto de Santos. Mas somente para os caminhões que estiverem agendados e não para todos os caminhões que tentam uma “janela” para descarregar o seu grão.
Lembrar que a produção de grãos tem sazonalidade e que não faz sentido construir muitos terminais que funcionem bem nos momentos de pico, mas que permaneçam ociosos nos demais períodos. A função dos silos é exatamente o de regular o fluxo do escoamento das safras.
Entretanto, se o agronegócio quiser construir mais terminais, inclusive de uso privado, para grãos, tanto a lei anterior (Lei 8.630/93), como a atual (MP-595/13) permite que se faça. Mas, como vimos, o problema dos grãos não está nos portos.

sábado, 23 de março de 2013

Serra: lider absoluto na última pesquisa IBOPE no índice de rejeição.


A pesquisa IBOPE com os presidenciaveis


Pesquisa nacional do Ibope em parceria com o Estado mostra que a presidente Dilma Rousseff (PT) tem 76% de potencial de voto, quase o dobro do de sua adversária mais próxima, a ex-senadora Marina Silva (sem partido), que chegou a 40%. O potencial de Dilma é três vezes maior do que o de Aécio Neves (PSDB) e sete vezes maior do que o de Eduardo Campos (PSB).
Segundo o Ibope, 76% dizem que votariam na presidente. Destes, 52% dizem que votariam com certeza, e outros 24% dizem que poderiam votar. Ao mesmo tempo, 20% dos eleitores afirmam que não votariam nela de jeito nenhum. O saldo presidencial é, portanto, de 56%. Dilma é a única entre os presidenciáveis que tem saldo positivo. Outros 4% dos eleitores não responderam. Ninguém afirmou desconhecer a presidente.
Marina fica zerada no saldo de potencial de voto: enquanto 40% dizem que votariam nela com certeza (10%) ou poderiam votar (30%), outros 40% afirmam que não votariam na ex-senadora de jeito nenhum. Ela é desconhecida por 19% do eleitorado. Todos os outros cinco presidenciáveis testados estão, por ora, com saldo negativo.
Aécio tem 25% de eleitores que votariam ou poderiam votar nele hoje, contra 36% que rejeitam seu nome: saldo negativo de 11 pontos. Já Eduardo Campos tem saldo negativo de 25 pontos: 10% admitem votar nele contra 35% que não votariam de jeito nenhum. Em favor de ambos, uma grande parte dos eleitores não os conhece o suficiente para opinar: 39% desconhecem Aécio; 54%, Campos.
José Serra (PSDB) é o caso oposto. Duas vezes derrotado na eleição presidencial, o tucano só é desconhecido por 14% dos eleitores brasileiros. Apesar de reconhecido, seu saldo é negativo em 15 pontos: 35% admitem poder votar nele, contra 50% que afirmam que não votariam de jeito nenhum. Ao contrário dos outros nomes da oposição, Serra tem pouco espaço para crescer.
O Ibope testou ainda os potenciais de voto do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, e de Fernando Gabeira (PV). O magistrado atingiu um potencial de 17%: 4% dos eleitores dizem que votariam nele com certeza, e 13% afirmam que poderiam votar. Gabeira chegou a 7% de potencial (1% com certeza, mas 6% que poderiam votar).
A um ano e meio da eleição, a pesquisa de potencial de voto é mais reveladora sobre a viabilidade eleitoral dos candidatos do que os cenários hipotéticos. A pesquisa do Ibope/Estado mediu as chances dos presidenciáveis das duas maneiras. Leia a mais completa pesquisa sobre a sucessão presidencial na edição deste sábado do Estado.
O Ibope entrevistou face a face 2.002 eleitores em 142 municípios de todas as regiões do Brasil entre os dias 14 e 18 de março. A margem de erro é de dois pontos porcentuais, para mais ou para menos. 

quarta-feira, 20 de março de 2013

Projeção da importação brasileira de gasolina: cenários e impactos

11/03/2013 às 00:15
luciano032013Nos últimos dois anos, a importação de gasolina se tornou uma forte preocupação de política energética e econômica no Brasil. Em 2012, foram importados 3,7 bilhões de litros de gasolina A. O dispêndio com importação foi de US$ 2,9 bilhões e 12% da gasolina A utilizada no Brasil foi importada em 2012. Esses valores não eram observados no país desde a década de 1970, quando o país era fortemente dependente de suprimento externo de energia.
A postagem “Oferta apertada de etanol e perspectivas de importação de gasolina” apontou que a importação de gasolina será muito significativa nos próximos anos se a oferta de etanol continuar restringida. Nessa postagem, serão apresentadas as projeções de importação de gasolina em diferentes cenários de oferta de etanol e de mistura de etanol anidro na gasolina.  Além disso, serão estimados o dispêndio com importações e o prejuízo que pode gerar ao importador, a Petrobras, em contexto que os preços internacionais e domésticos estão descolados.
A restrição de oferta de etanol se reflete em seu preço relativo pouco competitivo com a gasolina. Consideramos três possibilidades de preço relativo de etanol: 0,70, 0,75 e 0,80, e duas possibilidades de mistura de etanol anidro, 20% e 25% (E20 e E25).
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Somente se a oferta de etanol se recuperar e o preço relativo for inferior a 0,70, o Brasil não importará gasolina nos próximos dez anos. Esse patamar de preços corresponde à média brasileira até 2008. Nos demais cenários, as importações de gasolina são bastante significativas. No cenário mais crítico, que corresponde à manutenção da situação atual – preço relativo de 0,80 e mistura de 20% de etanol anidro, as importações alcançam 13,5 bilhões de litros em 2022.
Considerando o custo médio de importação de gasolina observado em 2012, US$ 0,788 por litro (ANP, 2013), pode-se estimar o impacto desses cenários sobre a balança comercial brasileira. O cenário de gasolina C E25 e preço relativo médio de 0,70 é o único a apresentar resultado positivo. No cenário mais crítico (E20 e preço relativo de 0,80), o déficit com a importação de gasolina supera US$ 10 bilhões em 2022.
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Como o preço da gasolina no mercado internacional é superior ao preço praticado domesticamente, a compra de derivados no mercado internacional implica em prejuízo para o importador (Petrobras). No caso, o preço de importação foi estimado em US$ 0,788/litro e acrescido do custo de internação médio US$ 0,027/litro (MME, 2012).  O preço médio de venda do produtor no mercado interno foi US$ 0,618 litro, segundo MME (2012). Assim, para cada litro de gasolina importado pelo Brasil em 2012, a Petrobras teve um prejuízo de US$ 0,197. Em 2012, o prejuízo total com importação foi estimado em US$ 0,7 bilhão. No cenário mais crítico, o prejuízo com importação de gasolina alcançaria US$ 2,7 bilhões.
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Essa postagem aponta que a recuperação da oferta de etanol é fundamental para evitar os impactos de importação excessiva de gasolina. Se o etanol não for competitivo, mantendo a situação dos últimos dois anos, a balança comercial brasileira vai ser fortemente impactada, gerando prejuízo para a Petrobras que importa o combustível a preços superiores aos praticados no mercado doméstico.

terça-feira, 19 de março de 2013

Sobre regulação da mídia e liberdade de imprensa



Do Diário do Centro do Mundo
Paulo Nogueira
Regular a mídia é vital para torná-la melhor, e falar em ‘censura’ é cinismo paralisador.
E eis que o mundo  todo discute os limites da mídia.
A discussão mais rica se dá no Reino Unido. O juiz Brian Leveson fez recomendações depois de ficar mais de um ano ouvindo pessoas de alguma forma envolvidas com a mídia. Políticos, jornalistas, donos de empresas de jornalismo, celebridades cuja privacidade desapareceu, cidadãos comuns cuja vida a imprensa transformou num inferno – Leveson teve material para publicar um relatório de 2 000 páginas.
A recomendação principal: a formação de um órgão regulamentador independente. A auto-regulamentação foi um fracasso, e as provas disso estão no comportamento da própria mídia britânica.
Para ficar num só caso. A ex-rainha dos tabloides, Rebekah Brooks, a queridinha de Rupert Murdoch, está escrencadíssima na justiça britânica. Rebekah está sendo processada sob duas acusações: a) esconder provas no caso de invasão de caixas postais; b) subornar policiais.
Fiscais não se auto-fiscalizam. Exclamação.
Dias depois de divulgado o relatório, o premiê David Cameron se reuniu com editores de jornais.
Cameron, basicamente, disse a eles que se mexam. Se têm alguma proposta a fazer, eis a hora, porque “o relógio está correndo”.
Cameron deixou claro seu apoio à essência das recomendações de Leveson.
1) A independência do  novo órgão regulador em relação às empresas de jornalismo. A independência deve ser estendida, naturalmente, a outros centros de poder. O órgão não pode estar sob a tutela nem do Parlamento e nem do governo. Mas de novo: também não pode estar sob o controle das empresas de mídia.
2)  Multas na “casa do milhão de libras”, quando for o caso.
3)  Retificações rápidas e em lugar de grande destaque.
É mais ou menos o que se tem na Dinamarca, conforme já escrevi neste Diário. As reparações são feitas na primeira página dos jornais.
A opinião pública britânica apoia maciçamente o Relatório Leveson. Os ingleses já estavam enojados dos excessos da mídia. Cameron esboçou fazer reparos a Leveson e a voz rouca das ruas se levantou: o senhor tem que defender o povo da mídia, e não a mídia do povo. Cameron então deixou claro que está com Leveson.
No Brasil, vigora a auto-regulamentação.
Funciona?
As próprias empresas colocam freios? Discutem, debatem, prestam contas para a sociedade? Num caso particularmente rumoroso, um repórter tentou invadir o quarto de um político em Brasília. Pode? Não pode? O assunto foi ao menos discutido pela mídia, ainda que fosse para aprovar a conduta do repórter e da publicação?
Liberdade de expressão não é algo que possa ser invocado para garantir que a mídia esteja acima da sociedade – e da lei.
Um juiz americano, numa comparação que ficaria célebre, escreveu que alguém que gritasse fogo num ambiente lotado e fechado não poderia depois invocar a liberdade de expressão para escapar das consequências da tragédia que possivelmente provocaria.
Depois de ver o debate britânico, é lastimável ouvir platitudes como as pronunciadas – sob ampla cobertura – dias atrás pelo juiz Ayres Britto.
Britto, que acaba de se aposentar do STF aos 70 anos, fez a defesa da liberdade de imprensa, mas com uma superficialidade que é chocante, primária, infantil quando contrastada com a mesma defesa da liberdade de imprensa feita pelo seu colega britânico Brian Leveson. “É um direito pleno”, afirmou ele.
Sob Pinochet, ou mesmo sob Geisel, Britto mereceria aplausos. Mas, numa democracia em que uma imprensa livre é um fato da vida, eis uma frase superiormente tola, e que esconde a real pergunta: qual o padrão ético da mídia tradicional brasileira, se é que existe algum?
No Reino Unido, Leveson não caiu na falácia de que liberdade de imprensa significa licença para matar. A sociedade tem que ser protegida dos excessos da mídia. Ou então a mídia presta um formidável desserviço ao interesse público.
O que leva Britto a fugir do real debate – não a liberdade de imprensa, a favor da qual somos todos, vertebrados e invertebrados, mas a melhor maneira de evitar seus excessos?
Britto tem uma história complicada na família.
Em 2009, um genro seu foi flagrado numa conversa comprometedora com um político corrupto. Britto seria um dos juízes no julgamento do político, e o genro usou seu nome.
O caso virou manchete, justificadamente. E Britto, também justificadamente, disse que não podia responder pelo genro.
Britto teria ficado intimidado?
É uma possibilidade. Ele foi o principal responsável pelo fim da Lei da Imprensa, editada na era militar, e diz que aquela é sua maior contribuição ao país. Um instante: ao país? Que Leveson diga mais ou menos o mesmo na Inglaterra — não fará por modéstia e decoro — se compreenderia. Ele enfrentou a ira e o poder de Murdoch, por exemplo.
Britto não é Leveson.
Com o fim da ditadura, a Lei da Imprensa já não causava cócegas a nenhuma empresa jornalística, e também a nenhum jornalista, Era um cadáver jurídico.
Para lembrar: a Lei da Imprensa vigorava quando Paulo Francis caluniou diretores da Petrobras. Mas estes, sabendo o quanto ela era inoperante, foram processar Francis na justiça americana, uma vez que ele fizera as acusações em solo dos Estados Unidos. Francis ficou desesperado ao lidar com uma justiça que exigia provas para assassinato de caráter, e que cobrava pesado pela ausência delas. Morreu disso, segundo os amigos.
A morte de uma lei já morta trouxe um efeito colateral nocivo à sociedade. Sumiu, com a Lei da Imprensa, o direito de resposta. O que significa que a sociedade ficou desprotegida.
Britto se despediu da ativa com esse passivo enorme no currículo, e repetindo lugares-comuns que não reforçam a imagem da justiça brasileira e de seus mais elevados expoentes – a despeito do espaço generoso que os jornais dedicam a seu palavrório oco.

Orquestra-se subida dos juros a partir de fictícias pressões inflacionárias


GUILHERME C. DELGADO
A última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central manteve a taxa básica de juros em 7,25% ao ano, mas a orquestração do setor financeiro pela sua elevação continuou, em nome de presumidas pressões inflacionárias que a economia enfrentaria por todo o ano de 2013. Essas pressões para elevar juros se apresentam com base em dois argumentos distintos: 1) de que há tensões inflacionárias reais em perspectiva; 2) de que essas tensões devem ser combatidas pela elevação dos juros internos.
A primeira proposição tem certa dose de realidade, mas não se deduza daí que esta corrobora a segunda, como se verá pela argumentação subsequente.
Os preços das “commodities”, componentes de um filão importante dos alimentos da “cesta básica” – milho, soja, carnes (bovina, suína e de aves), açúcar e trigo –, experimentam pressões conjunturais externas. Como estes produtos são mercadorias importantes na pauta brasileira de exportáveis (milho, soja, carnes e açúcar) e de importação (trigo), pode-se prever um certo choque de preços por esta via, suscetível de impactar os Índices de Preços ao Consumidor em no máximo um ou dois pontos percentuais no ano, acima do patamar da inflação acumulada em 12 meses – ao redor dos 6,2%. Mas essa pressão externa conjuntural, se ocorrer na magnitude indicada, não poderia ser revertida pela elevação da taxa de juros determinada pelo Banco Central (a SELIC), cuja eficácia no corte da demanda interna de bens de alimentação é limitada; e praticamente não é eficaz para conter a demanda externa – das exportações de “commodities”.
Outras políticas podem ser acionadas, que não a elevação dos juros. O governo anunciou mais um pacote de desonerações, de alimentos da cesta básica, remédio de caráter estrutural, que aparentemente também estaria sendo aviado para conter as pressões das “commodities”.
Por sua vez, há na área dos estoques públicos de alimentos alguns arranjos em cogitação, tendo em vista recompor certas funções de coordenação de intercâmbio dos preços internos, que a política agrícola perdeu desde meados dos anos 90, com a desmontagem do sistema dos Preços de Intervenção no mercado atacadista. O fim da inflação elevada depois do Plano Real deixou a política antiinflacionária estritamente sob controle do Banco Central, mas não dos fatores estruturais que ainda provocam inflação.
Em síntese, tensões inflacionárias potenciais sobre os preços da cesta básica existem de fato. A nossa inserção externa, com forte “primarização” do comércio exterior, força-nos a importar as pressões externas dos preços das “commodities” sobre componentes relevantes da cesta básica oriundos da agricultura. Isto se dá independentemente da escassez interna desses produtos. Nem sempre essas tensões são altistas. Quando for o caso, certamente não será com política de juros altos que tais pressões serão neutralizadas.
Por outro lado, mantido o ritmo de crescimento da demanda interna em razão da evolução de massa salarial e dos rendimentos vinculados à política social, que é o que se espera com crescimento na faixa dos 4% a 5% ao ano, haverá certamente pressões para uma oferta diversificada e policultural de produtos agropecuários, cuja melhor política seria de fomento econômico aos setores mais vocacionados para tal resposta – a produção familiar e da pequena propriedade.
A orquestração pela subida dos juros e as pautas de política agrícola totalmente voltadas à economia do agronegócio não resolvem as pressões inflacionárias oriundas do setor primário, até porque são parte de um problema maior e não de sua solução.
Guilherme Costa Delgado é doutor em economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz

terça-feira, 12 de março de 2013

TelexFree: o golpe do século


Nos próximos dias, provavelmente, o esquema de pirâmide da TelexFree será desbaratado e seus mentores detidos. É possível que seus bens (visíveis) sejam bloqueados. Mas terá sido em vão para mais de um milhão de pessoas que caíram no mais abrangente golpe financeiro da história do país. Apenas em 2012, o esquema movimentou R$ 300 milhões.
Durante semanas o Ministério Público ficou discutindo se o tema era da alçada federal ou estadual. A Polícia imersa em indagações se era crime contra a economia popular, portanto afeita à Polícia Civil, ou crime mais abrangente, de responsabilidade da Polícia Federal. 
Enquanto pipocavam notícias de todo o país, de famílias vendendo até casa própria para aplicar no golpe, o Banco Central indagava-se se deveria entrar na parada, já que a TelexFree mexe com poupança popular mas não é uma instituição financeira. E a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) dizia que, só após provocada, faria alguma manifestação. Desde janeiro a Secretaria Nacional de Direito do Consumidor está perdida, analisando um produto que é auto-definível: basta analisar o modelo de vendas para saber se é golpe.
Na era da Internet, há necessidade de se montar procedimentos rápidos para evitar a explosão dos prejuízos populares. Para tal, é importante entender como foi montado o golpe
Os golpes clássicos com pirâmide
Os golpes com pirâmides são antigos e obedecem, quase sempre, à mesma lógica.
1. Escolhe-se um produto qualquer . E monta-se uma primeira lista de supostos vendedores com 10 nomes. Como o trapaceiro está iniciando o processo, provavelmente os 9 primeiros nomes da lista são clientes fantasmas, criados por ele.
2. As dez pessoas que receberam a lista, pagam o bônus para o primeiro da lista. Depois, montam uma nova lista, na qual o primeiro nome é excluído e a pessoa coloca o seu próprio nome no 10o lugar.
3. A nova lista é vendida para novas dez pessoas que pagam o primeiro da lista e montam novas listas, incluindo seu nome no 10o lugar. E o nome de quem vendeu para elas no 9o lugar.
4. Portanto, a primeira pessoa a quem a lista foi vendida terá que esperar nove rodadas, antes de começar a receber o retorno.
5. Quando chega sua vez, os primeiros compradores conseguem ganhar bom dinheiro, à custa dos que entraram depois. Cria-se a fantasia de que todos ficarão ricos. Ocorre que o crescimento da pirâmide é insustentável. Chegará uma hora em que não haverá mais incautos para adquirir a pirâmide e ela quebrará, deixando grande parte dos usuários no prejuízo bravo. Estudos estatísticos estimam que, em cada pirâmide, 88% dos participantes perderão dinheiro.
Confira na tabela.
Uma corrente na qual o membro do grupo precise vender para 10 pessoas, na 5a rodada exigirá 100 mil pessoas para não quebrar. Na 7a rodada, 10 milhões de pessoas. Na 10a rodada, 10 bilhões de pessoas.
Os golpes da pirâmide, ou corrente da felicidade, são antigos no Brasil. No caso de golpes, o produto ofertado pouco importava. A receita da corrente consistia no pagamento efetuado pelos novos aderentes aos que entraram primeiro.
Nos anos 60, houve uma corrente famosa com LPs de Johnny Mathis. E outra com sapatos Samello. Em 2006, a Irlanda foi vítima do golpe da pirâmide.
O esquema Ponzi
O mais famoso golpe da pirâmide do século passado foi o "esquema Ponzi", criado pelo criminoso norte-americano Charles Ponzi. Imigrante italiano, Ponzi chegou aos Estados Unidos em 1910. Descobriu que selos de carta de outros países poderiam ser utilizados nos Estados Unidos – e eram mais baratos. Montou uma pirâmide, então, para vender selos estrangeiros nos Estados Unidos.
Em fevereiro de 1920, o esquema tinha lhe rendido US$ 5 mil; em março, US$ 30 mil; em maio US$ 420 mil; em julho US$ 1 milhão. Foi uma febre que se espalhou por todos os Estados Unidos, levando famílias a venderem suas casas para entrar no jogo.
A corrente quebrou, Ponzi foi detido, pagou fiança e fugiu para o Rio de Janeiro, onde terminou seus dias como representante de linhas aéreas. Morreu em 1949, em um hotel para indigentes no Rio.

O esquema Madoff
O esquema Bernard Madoff foi mais sofisticado, pegando apenas milionários. Sua empresa oferecia oportunidade de investimentos que rendiam 1% ao mês - alto para os padrões internacionais, não tão alto que pudesse despertar suspeitas de golpe. Os fundos de Madoff não pagavam rendimentos todo mês. Os investidores acoampanhavam o saldo através de extratos. Só obteriam o saldo completo se resgatassem o dinheiro e saíssem do fundo.
Com os recursos que ia recebendo de novos clientes, Madoff ia pagando clientes que saíam da corrente.
Esses recursos eram administrados por um fundo não ligado diretamente ao banco de Madoff, para ficar ao largo da fiscalização das autoridades.
Estourou em 2009, levando prejuízo a muitos investidores, inclusive a brasileiros. No Brasil, seu fundo eram vendido pelo Banco Safra e pelo Santander.
O esquema Boi Gordo
O último grande golpe de pirâmide no Brasil foi o das Fazendas Reunidas Boi Gordo. Foi montada por Paulo Roberto de Andrade, de Santa Cruz do Rio Pardo.
Historicamente, a engorda de bois rende 10% em 18 meses. A Boi Gordo oferecia aos investidores a possibilidade de ganhos de 38% ao ano.
Era o velho esquema da pirâmide, na qual o dinheiro dos que entravam bancava os investimentos dos primeiros que entraram no jogo.
A diferença da TelexFree é que, no caso da Boi Gordo, havia alguns ativos - fazendas e rebanhos - de garantia, embora insignificantes perto do rombo que deixou no mercado. O prejuízo atingiu 30 mil clientes. Até abril de 2004, chegava a R$ 2,5 bilhões
O esquema TelexFree
O golpe da TelexFree só no ano passado pode  ter movimentado R$ 300 milhões. Se a Polícia Federal não atuar rapidamente, o golpe poderá ser de US$ 1 bilhão.
Esse golpe foi montado inicialmente no Brasil, com características próprias da era da Internet. Depois, conseguiu-se um parceiro norte-americano. O cabeça da operação foi o empresário capixaba Carlos Wanzeler.
O golpe se valeu de um modelo de marketing denominado de "multinível" - que é legítimo e adotado por empresas respeitáveis.
Trata-se de um modelo de vendas porta-a-porta, na qual há espaço para dois tipos de vendedores: o vendedor comum, que recebe um percentual sobre o que vende; e o chefe de equipe, o vendedor que logrou montar uma equipe trabalhando por ele, que recebe pelo que vende e pelo que vendem seus seguidores.
O que diferencia uma empresa séria da golpista é a receita auferida com a venda final do produto. Quando a remuneração de todos é função direta da venda de produtos, o modelo é auto-sustentável. Quando a forma de remuneração é o pagamento de quem entra, e a manutenção da rede depende do crescimento exponencial dos participantes, é golpe.
No caso da TelexFree, o golpe - óbvio, evidente - fundou-se em duas características da Internet.
A primeira, a de oferecer um produto que não existe fisicamente: a possibilidade de fazer ligações de VOIP (telefone através da Internet) pela empresa TelexFree.
A corrente consiste em colocar anúncios na Internet vendendo os serviços da TelexFree. Cada anúncio acarretaria um ganho de US$ 20,00 para o vendedor.
De cara, há dois furos evidentes. O fato de que anúncios em Internet custam muito menos do que US$ 20,00 e o total descasamento entre o faturamento da empresa de VOIP e o volume de vendas de anúncios.
Teoricamente, o faturamento das novas assinaturas de VOIP deveria bancar o lucro dos vendedores. Hoje em dia, o VOIP é oferecido por gigantes, como o Skype (da Microsoft), Google e Facebook. Uma conta Premium do Skype não sai por mais que US$ 5 dólares mês. Já a assinatura da TelexFree é de US$ 50. Ou seja, a empresa tem um produto que jamais competirá no mercado.
No entanto, a quadrilha valeu-se da segunda característica da Internet - a rápida propagação de informações -, para montar esquemas em várias partes do mundo. Acabou tornando-se uma franquia para trapaceiros de várias nacionalidades, a maior parte dos quais do Brasil.
Como o norte-americano James Merril entrou na história
O modelo da pirâmide TelexFree foi inteiramente desenvolvido por Wanzeler, através do site Disk à Vontade, já vendendo as ligações VOIP em 2009.
A dificuldade maior dos golpistas era passar credibilidade em relação ao negócio.
Quando percebeu a potencialidade do golpe, Wanzeler resolveu sofisticar. Localizou uma empresa norte-americana especializada em VOIP, a Commons Cents Communications, aproximou-se do dono James Merril, e entrou como sócio da companhia.
No site da empresa (www.telexfree.com) informa-se que ele entendeu a potencialidade do negócio quando conheceu brasileiros. No Brasil, Merril passou a ser apresentado como o gênio do marketing multinível e da VOIP.
O blog "Meu Dinheiro em Casa" fez um belo levantamento sobre o registro da empresa nos Estados Unidos.
Descobriu que, no registro da TelexFree nos Estados Unidos, pela Secretary Commonwealth Corporations Division (SEC), 1) a empresa se chamava Commons Cents Communications e foi alterada para Telexfree em 15/02/2012. 2) A empresa original não era de marketing multinivel (a especialização das empresas de marketing que trabalham com sistemas semelhantes, mas em cima de produtos reais). 3) No registro, Merril aparece como presidente. Mas o golpista brasileiro, Wanzeler, dono da Disk à Vontade e da Ympactus, é tesoureiro e diretor.
As conclusões do blog foram taxativas:
  • A Telexfree jamais existiu como marketing multinível nos Estados Unidos
  • O contrato é claramente celebrado entre o divulgador e a Ympactus Comercial LTDA e não com a Telexfree INC.
  • Se a Ympactus pertence a Carlos Wanzeler e ele é um dos proprietários da Telexfree INC e da Disk a Vontade, ele é o principal mentor do negócio.
  • Disk a Vontade, Ympactus e Telexfree são a mesma coisa, apesar de não o ser juridicamente.
No entanto, a parceria com o norte-americano acabou fornecendo a capa de credibilidade de que o esquema necessitava no Brasil.
No site, a TelexFree é apresentada como uma multinacional norte-americana.
Os esquemas de vendas
Todas as pirâmides tradicionais das últimas décadas - venda de ouro, Boi Gordo, Avestruz Master - contaram com a mesma estrutura de vendedores, em geral pequenos picaretas de mercado, dispostos a vender qualquer coisa.
Nos últimos anos, a Internet abriu espaço para aventureiros mais atrevidos, em geral ligados a esquemas de bingos ou de olho em novos negócios obscuros que aparecem de quando em quando.
Em cima da suposta parceria com uma "multinacional, a empresa montou seu esquema de divulgação na Internet, com vídeos, por si só, demonstrativos da baixa qualidade dos golpistas.
Para iludir os incautos, a empresa colocou na Internet alguns documentos banais, passando a impressão de ser uma atividade legalizada, como uma Certidão Negativa de débitos contra a União da empresa Ympactus, titular do golpe no país.
Em seguida, graças à Internet, foram se acoplando ao golpe diversos grupos espalhados pelo Brasil inteiro, constituindo, provavelmente, a mais extensa rede de golpistas que o mundo já viu. Picaretas de toda sorte, junto com incautos, abriram sites na Internet, usando o nome TelexFree na URL, entrando nos mais distantes rincões do país, espalhando vídeos e sites pela Internet. Surgiram www.suportetelexfree.com.br,www.brasiltelexfree.com.br e outras.
A guerrilha na Internet
Para impedir as denúncias pelo Google, a quadrilha recorre a dois tipos de ação.
A primeira foi bombardear os blogs que denunciavam o esquema através de ataques DoS. Os ataques tomavam como base os links no Google. Os dois primeiros links, aliás, eram do meu Blog e do Acerto de Contas, do Pierre Lucena, denunciando o golpe - no meu caso, republicando o artigo do Lucena.
A segunda ação consistiu em inundar o Google e o Youtube com conteúdos utilizando a palavra "denúncia", mas levando a vídeos enaltecendo o trabalho da quadrilha.
Graças ao esquema de franquia, diversas subquadrilhas entraram no jogo, misturadas a incautos, dificultando a identificação e o mapeamento dos diversos elos. Com tantos empreendedores associados, a Internet ficou abarrotada de publicidade do grupo.
O trabalho do governo
Informações dos leitores do Blog indicam que o esquema entrou nas mais distantes cidades no país, chegou a Portugal e começa a entrar na Inglaterra.
Há vários elos da quadrilha em todo lugar. Ao mesmo tempo, muitos incautos misturados ao grupo.
O trabalho da Polícia Federal deverá ser mapear os elos da corrente, identificar os cúmplices, separar os incautos e acionar a Polinter, já que o golpe envolve vários países em um sistema em que o dinheiro pode ser transferido para paraísos fiscais em dois tempos.
Mas é evidente a lentidão dos órgãos de controle. Desde janeiro a Secretaria Nacional de Direito do Consumidor está analisando o golpe. Ora, bastaria uma mera análise do modelo de venda para constatar o golpe. O passo seguinte seria interromper imediatamente a corrente. Só então, partir para as investigações e para a responabilização penal dos transgressores.
Mas enquanto a malandragem voa pela Internet, o aparelho regulador anda de máquina de escrever.