sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

‘Mídia traz uma Venezuela caricata, completamente deslocada da realidade’

‘Mídia traz uma Venezuela caricata, completamente deslocada da realidade’
Enviado por João Sabóia Junior

Do Correio da Cidadania  http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9381%3Asubmanchete250214&catid=34%3Amanchete


Por Valéria Nader

Acompanhar o noticiário internacional é sempre uma experiência que demanda discernimento – afinal, trata-se de notícias que vêm de longe e que, além de obviamente sujeitas ao viés analítico e ideológico do órgão de comunicação que as irradia, são relativas a fatos não vivenciados no dia a dia do público leitor. No Brasil, precisa-se de bem mais que discernimento para passar por esta experiência – muita desconfiança e dois pés pra trás talvez não deem conta da tarefa, especialmente se estão em foco países que tomaram um rumo que fuja minimamente ao que determina o mainstream.

A Venezuela é certamente um desses países. E não se trata aqui de tecer louvores ao país latino-americano, o qual, a exemplo de tantas outras nações de nossa região, tem uma trajetória marcada por uma série de contradições e precariedades sociais e políticas. Trata-se simplesmente de apelar para noções básicas e primárias do jornalismo, de modo que, diante dos fatos, se porte com um mínimo de seriedade e isenção.

Assistir  aos noticiários ou ler matérias dos maiores grupos de mídia sobre os últimos manifestos na Venezuela é se deparar, no entanto, sem exceção, com um bloco monocórdio, parcial e tendencioso. Um dos jornais televisivos de maior repercussão no país, o Jornal Nacional da Rede Globo, em uma de suas edições da semana passada, chegou a trazer os acirrados acontecimentos da Venezuela, com sua população visivelmente dividida (como é de praxe em situações sociais de conflagração ou mais extremadas), a partir das falas, imagens e cenários de somente um dos lados – a oposição ao presidente Maduro e ao chavismo.

Ideias como as refletidas pela frase “Governo que cai? Não. Governo que sustenta grupos paramilitares e uma polícia política, dispostos a aterrorizar atos da oposição, espionar e matar”, seguida de posterior e literal alusão ao nazismo – frase de um editorialista da Folha de S. Paulo, na segunda-feira, 24 de fevereiro -, são quase exclusivamente o que se vê espelhado pela imprensa corporativa. Autênticas caricaturas de direita, ditadas pelos porta-vozes e críticos vorazes dos clichês que saem pela esquerda.

Para avançar o debate, o Correio da Cidadania insere-se na tentativa de outros veículos que procuram dar voz àqueles que não têm entrada na grande mídia e que apresentam fatos e visões que nela são quase proibidos. Na noite de segunda-feira, 24 de fevereiro, conversamos com Pedro Silva Barros. Professor licenciado do Departamento de Economia da PUC-SP e doutor em Integração da América Latina pela USP, é técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e titular da missão deste órgão do governo federal em Caracas, Venezuela, desde setembro de 2010.

Dentre as várias e abrangentes colocações sobre o país no qual vive há quase 4 anos, Barros destaca que “os canais estatais não superam, somados, 10% da audiência”. Ele está se referindo ao mesmo país e à mesma mídia que os meios de comunicação por aqui denunciam como “100% controlados pelo chavismo”.

Abaixo, a entrevista exclusiva.

Correio da Cidadania: A Venezuela está no olho do furacão e, para aqueles que observam de fora os acontecimentos políticos, o cenário é no mínimo confuso. O que você teria a comentar, em primeiro lugar, sobre os últimos e intensos protestos e a composição das forças oposicionistas (protagonizada por Henrique Capriles e Leopoldo López) que estão a mobilizá-los?

Pedro Barros: A oposição na Venezuela tem marchado unida dentro de sua multiplicidade. Depois de uma derrota de mais de 20% dos votos no referendo em que tentava revogar o mandato do presidente Chávez em 2004 e de boicotar as eleições parlamentares de 2005, apoiaram Manuel Rosales nas presidenciais de 2006 e Capriles nas eleições de 2012 contra Chávez e no apertado pleito de 2013 contra Maduro, além dos referendos para mudanças constitucionais de 2007, o único em que foram vitoriosos, e de 2009.

Em 2012, a economia venezuelana cresceu mais de 5% e a inflação havia diminuído, ainda que num patamar alto, próximo a 20%; Chávez venceu as eleições em outubro com mais de 10% de vantagem. No início de 2014, após a vitória governista nas eleições municipais de dezembro passado, houve uma aproximação do governador (de Miranda, o estado com as maiores taxas de homicídio do país) Capriles com o governo federal para tratar de temas específicos, notadamente segurança pública. Esse tema é particularmente importante quando se leva em conta que, em 2012, o presidente Chávez havia lançado o Plano Nacional de Segurança Pública e o governo de Miranda não havia participado desse processo. Talvez isso o tenha afastado dos setores mais radicais da oposição, liderados por Leopoldo López.

Nas últimas semanas, López, o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, e a deputada María Corina lançaram o movimento “A Saída”, abrindo espaço para reivindicações extra-constitucionais. A despeito da condenação de Capriles e outras figuras históricas da oposição, parcela importante do movimento estudantil aderiu à radicalização, que culminou nos episódios violentos de 12 de fevereiro, que deixou três mortes, dezenas de feridos, inclusive das forças de segurança, e destruição de prédios públicos. Hoje as mortes já chegaram a quinze.

A justiça venezuelana expediu uma ordem de detenção de Leopoldo López, acusando-o de mentor intelectual dos protestos (formalmente, as acusações são associação para delinquência, danos ao patrimônio e incitação à violência). Ainda que seja um setor minoritário na oposição, o radicalismo tem ganhado força, particularmente na fronteira com a Colômbia e na região mais rica de Caracas. Alberto Ravell, jornalista muito influente na oposição, escreveu hoje pelo Twitter que “na Ucrânia já foi possível” - avalio que seja uma declaração bastante ilustrativa das intenções dos setores mais radicalizados.

Correio da Cidadania: O Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel disse à imprensa argentina que “há uma intenção de desestabilizar não apenas a economia, como também a ação social e política” na Venezuela, o que seria especialmente patrocinado pelos EUA. Como você encara esta possibilidade, ou seja, a ingerência externa na Venezuela?

Pedro Barros: A história recente da Venezuela é marcada pelo golpe de 2002, que levou o empresário Pedro Carmona ao poder por menos de 48 horas. Apenas os governos dos EUA de George W. Bush e da Espanha de José María Aznar, além do Fundo Monetário Internacional, reconheceram a legitimidade de Pedro, o Breve.  Desde então, foi frequente a tensão entre Venezuela e EUA.

Na semana passada, por exemplo, a deputada cubano-americana Ileana Ros-Lehtinen (Partido Republicano, Florida) afirmou que demandou ao presidente Barack Obama sanções econômicas à Venezuela. No mesmo ato em apoio às manifestações, realizado em Miami, Luigi Boria, prefeito de Doral, cidade com alta concentração de latinos na Florida, expôs que estava “muito entusiasmado porque acredito que agora sim se produzirá uma saída frente ao atropelo, à violação aos direitos humanos que se vive na Venezuela” e que “a experiência da Síria deve levar a uma reflexão do Departamento de Estado sobre as ações que se devem tomar. Acredito que os Estados Unidos e o presidente Obama devem tomar ações sobre a Venezuela”. Seria difícil não considerar natural e legítimo que o governo e os venezuelanos se preocupem com esse tipo de demanda externa.

Nem seria necessário elencar as intervenções norte-americanas na América Latina ou em países exportadores de petróleo, apenas lembrar que a Venezuela está a três horas de voo de Miami e possui reservas de mais de 300 bilhões de barris de petróleo, a maior do mundo. De acordo com a Agência Internacional de Energia e com o principal anuário estatístico do tema, editado pela petrolífera britânica BP, a Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo. Ainda que seja predominantemente um petróleo pesado, cujo custo de refinação de um barril supera US$ 20, ele é vendido a quase US$ 100 por barril.

Talvez valha ainda apontar que, há dez anos, a Venezuela não exportava nenhuma gota de petróleo para a China e hoje vende mais de 400 mil barris diários para seu maior parceiro asiático.

Correio da Cidadania: Em que medida, de todo modo, a tensão está associada às reais condições sociais e econômicas do país, que têm de fato se precarizado, sobrepondo-se ao cenário e visão tão polarizados quando a Venezuela está em foco?

Pedro Barros: Nos quinze anos de chavismo, a Venezuela foi o país do mundo que mais distribuiu renda e combateu a pobreza. Isso foi impulsionado pelo incremento do investimento social, permitido pelo aumento da arrecadação, principalmente devido ao aumento do controle do governo sobre a renda petroleira, que foi particularmente alta nesse período. O mesmo êxito não ocorreu nas tentativas de diversificar a economia e, mais recentemente, no controle de importantes variáveis macroeconômicas, como o câmbio ou a inflação.

Há evidentes problemas na economia venezuelana; ao mesmo tempo, a maioria da população tem a clareza de que a alternativa não é retornar ao passado. A repetição da saída fracassada de 2002 é improvável em um cenário em que as forças armadas, a estatal petroleira e parte dos meios de comunicação estão comprometidas com o processo político em curso. Em 2002, parte considerável da cúpula militar, a maioria da direção da estatal petroleira PDVSA e todos os meios de comunicação relevantes estavam absolutamente comprometidos com o golpe - mesmo assim, o povo na rua, em atitude inédita na região, reverteu as ambições desses setores.

Naquele tempo, por exemplo, não estavam estruturadas as missões sociais, as redes de distribuição de alimentos a preços bastante subsidiados. A pobreza extrema chegava a 13,5% da população, hoje está em 2,5%, um número fantástico para um país latino-americano. Não há grandes mudanças no estoque de riqueza (patrimônio), mas os resultados na distribuição de renda são fabulosos: a CEPAL aponta a Venezuela como a melhor distribuição de renda da América Latina, medida pelo coeficiente de Gini, superando o Uruguai ou a Costa Rica. O governo construiu uma grande rede com 27 mil pontos de distribuição de alimentos entre hipermercados, mercados médios e postos itinerantes. Ainda que haja escassez de alguns itens, o consumo per capita de proteína triplicou em 15 anos, a mendicância praticamente inexiste, ninguém passa fome. As camadas mais pobres da população vivem melhor e têm muito mais conhecimento sobre os seus direitos.

Há também uma economia difícil de ser analisada a partir do exterior. Os subsídios são imensos, particularmente sobre energia, transporte, comunicação, alimentos básicos e itens de primeira necessidade. Uma lata de refrigerante custa quatro vezes mais do que um tanque de 50 litros de gasolina em um mesmo posto de serviço. Uma parcela muito pequena da população tem renda familiar inferior a 5 mil bolívares. Um bilhete do metrô de Caracas custa 1,5 bolívares, o mesmo valor de um minuto de ligação de um celular venezuelano para um celular no Brasil; o custo mensal do gás residencial é de 8 bolívares para mais de 90% dos consumidores; a assinatura da TV a cabo por mês custa aproximadamente 300 bolívares. Isso permite um padrão de consumo para a maioria dos venezuelanos que apenas uma minoria dos latino-americanos consegue ter.

Ao mesmo tempo, há distorções importantes, a escassez e as filas têm aumentado, parece que uma parte importante das classes médias não está disposta a enfrentá-las em seu cotidiano e alguns mercados não querem tê-las, restringindo o acesso e limitando a compra dos produtos subsidiados. Nos últimos anos, esses impasses foram equacionados e legitimados em disputas eleitorais: o governo mostrando as conquistas e a oposição, as limitações do modelo político, social e econômico. Vários organismos internacionais e organizações renomadas, como a Unasul e o Centro Carter, têm reconhecido as eleições e o sistema eleitoral da Venezuela como justo e limpo. Os resultados têm sido ligeiramente favoráveis ao chavismo.  A oposição governa em importantes estados, como Miranda e Lara, e cidades, como Caracas, Maracaibo e Barinas, capital do estado homônimo onde Hugo Chávez nasceu e seu irmão mais velho atualmente governa.

Conheço todos, todos os países da América Latina, todos os estados do Brasil e 21 dos 23 estados venezuelanos; não tenho a menor dúvida em afirmar que a Venezuela é o melhor país da região para alguém que está na metade mais pobre da população viver, se alimentar, ter acesso à educação e a bens de consumo. Não poderia dizer o mesmo na primeira vez que estive aqui, pouco mais de uma década atrás. O fenômeno migratório é ilustrativo. Ao mesmo tempo em que algumas dezenas de milhares venezuelanos das classes altas e médias emigram, principalmente para Estados Unidos, Colômbia e Panamá, a quase totalidade dos aproximadamente três milhões de colombianos, peruanos e equatorianos das classes médias e baixas que imigraram para a Venezuela permanece aqui. Analogicamente, a população universitária do país chega a dois milhões de estudantes, 7% da população está cursando o nível superior hoje na Venezuela (no Brasil, este número é menor que 3,5%, ainda que tenha dobrado nos últimos dez anos), mas a produção científica e a inovação avançaram pouco por aqui.

Correio da Cidadania: Como enxerga, neste sentido, o desempenho do governo, primeiro de Chávez, e agora de Maduro, e sua relação com a degringolada da situação econômica e social do país, visto haver intensos relatos de carestia, inflação galopante, crescente dívida externa, entre outros?

Pedro Barros: A Venezuela oscilou anos de forte crescimento econômico com outros de estagnação ou recessão.

É permanente a tensão entre manter o bolívar valorizado, garantindo subsídios às importações, ou desvalorizá-lo para tentar diversificar a economia, com riscos de carestia no curto prazo. A opção do governo tem sido a primeira. No último ano, a sua principal preocupação foi se legitimar politicamente. No campo econômico, porém, se destacaram a inflação e o desabastecimento de alguns produtos. O presidente Maduro foi eleito em abril, pouco mais de um mês após a morte de Hugo Chávez. Havia pressão inflacionária e certo descontrole do mercado cambial paralelo. Ainda que a dívida externa tenha crescido e as reservas internacionais tenham caído, a balança comercial da Venezuela ainda é superavitária. Mais de 70% das reservas venezuelanas são precificadas em ouro, cujo preço frente ao dólar recuou algo como 30% em 2013, mas já recuperou quase 10% neste ano; as reservas totais, porém, são o dobro do que eram há quinze anos. A dívida externa de curto prazo é estável e menor do que as reservas. A dívida de longo prazo continua um pouco inferior às receitas de doze meses de exportação petroleira. Isso traz algum conforto para uma economia tão questionada. Há trinta anos a Venezuela não consegue ter três anos seguidos de inflação abaixo de 20%; nessas três décadas o período de inflação mais baixa foi o do governo de Hugo Chávez. Os outros dois governos, de Carlos Andrés Pérez e Rafale Caldera, tiveram taxas de inflação média superiores aos 56% nos últimos doze meses.

Talvez a ausência de Chávez tenha anestesiado um pouco o país e o governo. Provavelmente seria imprescindível uma grande estabilidade política para ajustes de longo prazo na política econômica, mas a vitória bastante apertada, a demora da oposição em reconhecer a derrota e as eleições municipais de dezembro impuseram outras prioridades, de curto prazo.

A política de impor redução de preços com coerção estatal (particularmente dos bens de consumo que eram adquiridos com taxas de câmbio preferenciais e revendidos ao preço do mercado cambial paralelo) obteve grande apoio e sustentou um aumento da popularidade do presidente Maduro no último trimestre de 2013. A oposição tinha a leitura de que a situação econômica havia se deteriorado no curso do ano e que isso comprometeria o desempenho eleitoral dos candidatos governistas. O próprio Capriles apresentava a eleição de dezembro como um plebiscito sobre Maduro. As urnas, porém, garantiram a vitória chavista em 75% das cidades do país.

No início do ano, principalmente após o assassinato brutal da modelo Mónica Spear, o tema da segurança pública tomou conta do debate político. Houve uma aproximação entre governantes das mais variadas matrizes políticas para tentar amenizar o problema e concertar políticas públicas conjuntas. Parte mais radical da oposição passou a questionar a liderança de Capriles e a estimular protestos violentos.

Correio da Cidadania: Como você analisa o gesto político de López, que se entregou semana passada à polícia venezuelana, sem deixar de fazer discursos de estímulo a seus seguidores?

Pedro Barros: Há uma disputa interna da oposição entre, ao menos, duas táticas para chegar ao poder. É parte de qualquer processo político que haja divisões dentro das grandes coalizões. Há disputas dentro do chavismo e há embates internos na oposição. Nos últimos anos, porém, os moderados ganharam espaço em ambos os lados.

Muita gente diz que não é fácil ser político sem mandato. Leopoldo López, que havia abandonado a prévia da oposição que definiu Capriles como candidato em 2012, aparentemente apostou no tudo ou nada e parte significativa de seus seguidores defendem a ruptura institucional. Os oposicionistas que têm tido votos, como o governador de Lara Henri Falcón, um ex-chavista, porém, são muito mais moderados. Agora pela noite, em reunião do Conselho Federal de Governo, ele defendeu que é hora de isolar os violentos e diminuir o tom do discurso.

O prefeito oposicionista de Baruta (região de Caracas), Gerardo Blayd, afirmou hoje que os protestos devem ser “racionais e pacíficos”. O mesmo vale para o prefeito de Chacao, Ramón Muchacho. Essa visão encontra pouco apoio entre os manifestantes, mas é música para os ouvidos da imensa maioria da população, fatigada pela polarização e marcada pelo massacre do Caracazo, que completará 25 anos na quinta-feira, pelo golpe de 2002 e pelo locaute do fim de 2002 e início de 2003.

Correio da Cidadania: Qual a sua opinião sobre a cobertura da mídia, interna e externamente à Venezuela, no geral e no que se refere aos acontecimentos aqui narrados?

Pedro Barros: Diferentemente de 2002, hoje há acesso plural às informações na Venezuela. Nesta manhã fui à banca e contei dez jornais diferentes, todos eles impressos com papel subsidiado. Oito eram oposicionistas, com diferentes ênfases.

Sugiro a visita aos sítios do influente eluniversal.com, do tradicional el-nacional.com, do talcualdigital.com, que nasceu para se opor ao chavismo, do econômico elmundo.com.ve, do ultimasnoticias.com.ve, que é o mais vendido, e do governista correodelorinoco.gob.ve. Os dois canais mais vistos da TV aberta, os privados Venevisión e Televen, que foram protagonistas do golpe em 2002, não dão maior destaque às questões políticas. Também a privada Globovisión, que antes só apresentava os pontos de vista da oposição, tem se preocupado em dar espaço ao governo. Os canais estatais não superam, somados, 10% da audiência. Na TV paga, que aqui é muito mais acessível e vista do que no Brasil, há vários canais oposicionistas, inclusive a CNN em espanhol, que tem entrevistado vários oposicionistas venezuelanos, ainda que seja um canal regional. Evidentemente, a TeleSUR é seu maior contraponto. No rádio também há grande diversidade, a maior parte das emissoras privadas são abertamente de oposição, contrapostas pelas emissoras públicas e, principalmente, comunitárias, que têm muito espaço na Venezuela.

A cobertura internacional é majoritariamente contrária ao governo, que parece ter concentrado seus esforços em divulgar internamente suas ideias e ações. Nos últimos anos, outros países da região talvez estejam seguindo esse mesmo caminho introspectivo. Surpreende muito o comportamento da imprensa brasileira, particularmente dos jornais, que antes apresentavam o ponto de vista do governo venezuelano, ainda que se opusessem a ele.

Vou concentrar meus comentários na Folha de S. Paulo, que acompanho diariamente desde que me alfabetizei, o que prossigo fazendo hoje, assinando e lendo a versão eletrônica sistematicamente; e na TV Globo, na qual assisto ao noticiário por meio da Globo Internacional. O conteúdo mais desinforma do que informa e a análise, extremamente caricata, é completamente deslocada da realidade.

Ambos os veículos enviaram jornalistas ao país na última semana, e nenhum deles procurou o governo ou qualquer posicionamento simpático a ele em qualquer de suas reportagens. Quando se cita o governo ou se apresenta alguma declaração, restringe-se a imagens e pequenas frases que são reproduzidas pelas agências de notícias tradicionais. A coletiva do presidente Maduro à imprensa internacional na sexta passada, reportada no mundo todo, não contou com a presença ou a menção desses veículos de comunicação.

No início da semana passada, o Jornal Nacional apresentou duas entrevistas de rua para encerrar a matéria uníssona de que uma ditadura estava em curso; na primeira, ao ser perguntado sobre o que esperava para os próximos dias, o entrevistado afirmou seu desejo de que o governo caia; na segunda, veio uma ressalva: que não tenha derramamento de sangue. Um roteiro para um golpe a la Honduras e Paraguai.

Se eu não acompanhasse a Venezuela e estivesse no Brasil, provavelmente teria essa leitura. Mais para o fim da semana, a mesma repórter foi enfática: “Os protestos continuam proibidos, mas os estudantes não saem das ruas”. As manifestações perdiam intensidade e os governos Chávez e Maduro nunca proibiram protestos na Venezuela, que têm menos restrições e mais proteção para serem realizados do que na grande maioria das democracias, inclusive do que no Brasil. O problema da violência e do excesso de armas na Venezuela vai muito além e independe dos protestos em curso. Os excessos cometidos, que evidentemente existiram, estão sendo investigados.

Os funcionários do serviço de inteligência que descumpriram a ordem de aquartelamento e atiraram no dia 12 de fevereiro estão detidos e a investigação está em curso. O assassinato da estudante que havia sido miss turismo do estado de Carabobo foi causado por um tiro pelas costas, as investigações também estão em curso, mas, provavelmente, o tiro partiu de manifestantes da oposição. Os comentaristas brasileiros foram taxativos ao responsabilizar os “colectivos” pela morte.

Até agora, em duas semanas de protestos, na contabilidade mais ampla, da ONG Foro Penal, foram 539 detidos em toda a Venezuela, a grande maioria já liberados; 19 estão privados de liberdade por decisão judicial, segundo a mesma contagem. Apenas no sábado passado 262 foram detidos, incluindo 5 jornalistas, em um único protesto em São Paulo, que talvez tenha sido menos violento do que os que têm ocorrido aqui.

Hoje à noite, a mesma Delis Ortiz apresentava o general aposentado Angel Vivas como um herói, respaldado por seus vizinhos por resistir a uma ordem de detenção com um fuzil norte-americano nas mãos e uma pistola na cintura na varanda de sua casa. Sequer comentou a motivação da ação policial: ele havia aconselhado os manifestantes a utilizarem arame farpado nos bloqueios de rua e, horas depois, um trabalhador que voltava para casa em sua moto foi morto com o pescoço cortado por essas barricadas. Na reportagem, foi apresentada a vaga acusação de incitação à violência, sem nenhuma referência ao fato concreto. Na conta da imprensa brasileira, foi mais um manifestante que caiu em combate contra as forças da ditadura.

Fico a pensar qual seria a reação dos mesmos jornalistas se uma figura pública brasileira tivesse, um dia antes da trágica morte do cinegrafista Santiago Andrade, incentivado que os manifestantes que protestam contra o aumento da passagem de ônibus no Brasil utilizassem rojões contra a polícia, alegando que ela havia reprimido desproporcionalmente em atos do passado próximo.

A enviada da Folha de S. Paulo tem escrito diariamente, raramente cita uma fonte governamental ou uma posição que não seja de oposição radical a tudo que foi feito na Venezuela nos últimos quinze anos. As opiniões, quando não são de políticos opositores, são de ONGs opositoras. Tenta reportar que há manifestantes que lutam contra uma ditatura, que não podem utilizar meios eletrônicos e enfrentam o terror de bandos armados clandestinos que defendem o governo, que permite que eles pratiquem crimes variados impunemente.

Tanto a enviada, como um ex-correspondente que publicou artigo de análise do caso venezuelano, como outro analista de temas aleatórios, apresentam uma absoluta confusão entre colectivos, milícias e paramilitares, como se tudo fosse a mesma coisa, como se não existisse uma lei que regulamentasse as milícias como reservistas e parte da defesa nacional da Venezuela, independente de sua coloração política, e que atuam fardados e identificados. Como se participar de um movimento social fosse, em si, um crime. Como se o que acontece no México ou na Colômbia fosse transposto automaticamente à Venezuela. Utilizam o termo milícias como se fossem os grupos que controlam ou controlavam áreas do Rio de Janeiro.

Ontem o jornal publicou textualmente que a estratégia atual do governo era bloquear Twitter e Facebook, usando essa terminologia. Não consulto esses meios com frequência, mas meus colegas de trabalho e alguns amigos, sim: foram unânimes em afirmar que isso nunca aconteceu na Venezuela. Pode ter havido oscilação na velocidade da internet, mas nunca o Twitter foi retirado do ar ou coisa parecida, basta ver a sequência de publicação das mensagens de venezuelanos. A própria enviada postou pelo Twitter, a partir de Caracas, que não poderia utilizar redes sociais. Em poucos países do mundo esses instrumentos são tão utilizados e democratizados pelo amplo acesso à internet como na Venezuela, que tem a rede mais abrangente e de menor custo da América Latina. Provavelmente, eles nunca haviam sido tão utilizados aqui como nos últimos dias.

Infelizmente, para o leitor brasileiro que gostaria de saber o que está acontecendo na Venezuela, o jornal nunca reportou os mais de 4 milhões de laptops com acesso à internet distribuídos gratuitamente para estudantes da educação básica e média. A palavra “canaimita”, que denomina esses computadores, nunca foi publicada pela Folha. No início deste ano, o governo anunciou, como parte da expansão do projeto, que distribuirá 2 milhões de tablets, igualmente com acesso à internet, para estudantes universitários. Desnecessário dizer que existe uma forte contradição entre essa política macro de ampliar radicalmente o acesso ao conhecimento e à informação e o denuncismo de censura estampado na manchete do jornal.

Talvez caminhar um pouco pelas periferias, conhecer um pouco do interior, sair da área de um quilômetro quadrado ao redor do hotel da área mais nobre de Caracas, que abrigou os generais golpistas de 2002 e 2003 e que concentra os protestos dos últimos dias, ajudasse a entender o que se passa na Venezuela.

Correio da Cidadania: Como você acha que se dará o desfecho de mais esta crise venezuelana e quais as perspectivas do chavismo, um processo político que já supera 15 anos no governo?

Pedro Barros: No último sábado, observei de perto as manifestações da oposição e do governo e em ambas havia clima de absoluta normalidade e proteção policial para evitar possíveis confrontos. Destaca-se que a da oposição foi realizada em El Marqués, no município de Sucre, governado pela oposição, no estado de Miranda, governado pela oposição. Os maiores confrontos até agora foram na Praça de Altamira, município de Chacao, governado pela oposição, estado de Miranda, governado por Capriles, que tem sistematicamente criticado a prática de guarimbas (barricadas para bloqueio de ruas e avenidas, que em Caracas acontecem quase que exclusivamente em bairros nobres). Pelo que é reportado, os protestos no estado de Táchira, na fronteira com a Colômbia, que foram mais fortes, também têm perdido intensidade.

Nem sempre é fácil diagnosticar ou traçar cenários sobre o que se passa na Venezuela. Correndo o risco de errar redondamente, diria que os protestos vão esfriar nos próximos dias, serão rearticulados e voltarão com força no próximo período, podendo coincidir com a Copa do Mundo de futebol.

O chavismo é o movimento que marcou a primeira tentativa de ruptura com o Consenso de Washington na América Latina. Depois vieram mais de uma dezena de governos, com diferentes tonalidades, mas com um objetivo parecido, de diminuição das desigualdades e não alinhamento automático aos Estados Unidos. A resposta fácil sobre as perspectivas seria indicar que o desafio é garantir o aprofundamento das conquistas sociais em um cenário econômico e, talvez, político adverso. Sistematicamente, tentaram apresentar a morte de Chávez como o fim do chavismo, mas, com o passar dos meses, me parece claro que estamos apenas no começo de uma longa história.

Provavelmente, mais do que qualquer outro, o posicionamento sobre o que se passa na Venezuela indica as posições que cada um tem sobre o futuro da América Latina. As notas do Mercosul, da Unasul e da Celac, ainda que diferentes, indicam uma região mais unida, preocupada com a estabilidade e progresso mútuos. Essa tem sido a posição da presidente Dilma Rousseff, que foi afirmativa nos momentos mais decisivos da história recente da Venezuela, seja para a entrada do país no Mercosul, seja para o reconhecimento internacional das eleições de abril de 2013.

Agora há pouco, em Bruxelas, ela foi novamente assertiva ao declarar que o diálogo, o consenso e a construção democrática são mais adequados do que qualquer tipo de ruptura institucional e que o caos, que é desejado por grupos minoritários na Venezuela, seria a desconstrução social, econômica e política. Por várias vezes, agora e antes, a presidente lembrou que é importante enxergar os avanços sociais da Venezuela.

Em perspectiva histórica e para além da área social, provavelmente o governo Chávez será reconhecido como uma guinada para o sul e em prol da integração regional.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A democracia na Venezuela está ameaçada?

Da Folha
NÃO
Técnicas de manual
IGNACIO RAMONET
A Venezuela passou por quatro eleições decisivas recentemente: duas votações presidenciais, uma para governos estaduais e uma para prefeituras. Todas foram vencidas pelo bloco da revolução bolivariana. Nenhum dos resultados foi impugnado pelas missões internacionais de observação eleitoral.
A votação mais recente aconteceu apenas dois meses atrás e resultou em clara vitória para os chavistas. Desde que Hugo Chávez assumiu a Presidência, em 1999, todas as eleições demonstram que, sociologicamente, o apoio à revolução bolivariana é majoritário no país.
Na América Latina, Chávez foi o primeiro líder progressista --desde Salvador Allende-- a apostar na via democrática para chegar ao poder. Não é possível compreender o que é o chavismo se não for levado em conta o seu caráter profundamente democrático. A aposta de Chávez, ontem, e a de Nicolás Maduro, hoje, é o socialismo democrático. Uma democracia não só eleitoral. Também econômica, social, cultural...
Em 15 anos, o chavismo conferiu a milhões de pessoas que não tinham documentos de identidade por serem pobres a situação de cidadãos e permitiu que votassem. Dedicou mais de 42% do Orçamento do Estado aos investimentos sociais. Tirou 5 milhões de pessoas da pobreza. Reduziu a mortalidade infantil. Erradicou o analfabetismo. Multiplicou por cinco o número de professores nas escolas públicas (de 65 mil a 350 mil). Criou 11 novas universidades. Concedeu aposentadorias a todos os trabalhadores (mesmo os informais). Isso explica o apoio popular de que Chávez sempre desfrutou e as recentes vitórias eleitorais de Nicolás Maduro.
Por que, então, os protestos? Não nos esqueçamos de que a Venezuela chavista --por possuir as maiores reservas mundiais de hidrocarbonetos-- sempre foi (e será) objeto de tentativas de desestabilização e de campanhas de mídia sistematicamente hostis.
Apesar de se haver unido sob a liderança de Henrique Capriles, a oposição perdeu quatro eleições consecutivas. Diante desse fracasso, sua facção mais direitista, ligada aos Estados Unidos e liderada pelo golpista Leopoldo López, aposta agora em um "golpe de Estado lento". E aplica as técnicas do manual quanto a isso.
Na primeira fase: 1. Criar descontentamento ao tirar do mercado produtos de primeira necessidade. 2. Fazer crer na "incompetência" do governo. 3. Fomentar manifestações de descontentamento. E 4. Intensificar a perseguição pela mídia.
A partir de 12 de fevereiro, os extremistas ingressaram na segunda fase: 1. Utilizar o descontentamento de um grupo social (uma minoria de estudantes) a fim de provocar protestos violentos e detenções. 2. Montar "manifestações de solidariedade" aos detidos. 3. Introduzir entre os manifestantes pistoleiros com a missão de provocar vítimas de ambos os lados (a análise balística determinou que os disparos que mataram o estudante Bassil Alejandro Dacosta e o chavista Juan Montoya, em 12 de fevereiro, em Caracas, foram feitos com a mesma arma, uma Glock calibre 9 mm). 4. Ampliar os protestos e seu nível de violência. 5. Redobrar a ofensiva da mídia, com apoio das redes sociais, contra a "repressão" do governo. 6. Conseguir que as "grandes instituições humanitárias" condenem o governo por "uso desmedido da violência". 7. Conseguir que "governos amigos" façam "advertências" às autoridades locais.
É nesta etapa que estamos.
Portanto, a democracia venezuelana está ameaçada? Só se for, uma vez mais, pelos golpistas de sempre.
IGNACIO RAMONET, 70, é diretor do jornal "Le Monde Diplomatique" em sua versão espanhola e autor de "Fidel Castro: Biografia a Duas Vozes" e "Hugo Chávez, Minha Primeira Vida", que será lançado em maio no Brasil

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Os negócios de Gésner de Oliveira com a Sabesp

 
Na Sabesp, programa de redução de perda de água é um filão para ex-diretores da empresa e apadrinhados do PSDB
 
por Fabio Serapião 
O abastecimento de água em mais de 80 cidades paulistas dependentes do Sistema Cantareira está à beira do colapso. Os números são claros e a conta não fecha: o sistema recebe hoje de seus afluentes apenas 10 metros cúbicos de água por segundo, mas envia 33,9 metros cúbicos por segundo, ou três vezes mais do que produz, para parte da Grande São Paulo e cidades da região de Campinas. O resultado é uma represa agonizante, com apenas 18,2% de sua capacidade, e o risco de racionamento iminente.
A situação era previsível e o governo de São Paulo, comandado há 20 anos pelo PSDB, havia sido alertado da necessidade de novas fontes de captação. A entrega da principal delas, o Sistema São Lourenço, está atrasada em dois anos. Ao contrário do que pensam os gestores mais bem preparados, o governador Geraldo Alckmin parece esquecer que as políticas públicas de abastecimento de água, em especial num país com tamanha reserva hídrica, dependem muito mais de um planejamento sério e eficiente do que do regime de chuvas.
Chama atenção nesse cenário o comportamento da Sabesp. Responsável por delinear e estruturar as ações relacionadas ao abastecimento de água, a Sabesp não só deixou de viabilizar novos meios de captação como conseguiu aumentar o desperdício no trajeto entre as fontes de captação existentes, incluído o Sistema Cantareira, e o consumidor.
Uma análise dos contratos assinados para execução de serviços relacionados aos programas de “Redução de Perdas” e “Uso Racional da água” expõe a promiscuidade entre o órgão público e empresas do setor de saneamento ligadas a ex-diretores da estatal. Além disso, as contratações sugerem uma explicação para o fato de, entre 2008 e 2013, período em que recebeu 1,1 bilhão de reais, o programa de perdas não ter alcançado sua meta de 30,6% de perdas reais e, ainda, ter realizado a façanha de piorar os índices da estatal: as perdas chegaram a 30,7% em 2011, alcançaram 32,1%, em 2012, e estacionaram nos 31,2%, em 2013. O que se perde no caminho entre a represa e a torneira dos consumidores daria para abastecer a cidade de Campinas, de 1,1 milhão de habitantes, que quase entrou em racionamento nos últimos dias. O padrão de países desenvolvidos fica abaixo dos 20%.
Vamos aos fatos, todos públicos, registrados em atas de pregões, relatórios do Tribunal de Contas do Estado e na Junta Comercial de São Paulo. Em 2 de fevereiro de 2010 a Sabesp encerrou uma licitação para “prestação de serviços técnicos especializados e de engenharia para o gerenciamento e assistência técnica do programa de redução de perdas” no valor de 30 milhões de reais. Sagrou-se vencedor do certame e responsável por gerenciar as ações entre 2010 e 2013, o consórcio formado pelas empresas BBL Engenharia, Gerentec Engenharia e Logos Engenharia.
Os personagens dessa contratação são, pela ordem, Gésner de Oliveira, à época presidente da Sabesp por indicação do então governador José Serra (PSDB). Atualmente, Oliveira ocupa o cargo de conselheiro na Miya Brasil, braço da multinacional Miya Group, que tem sede no paraíso fiscal de Luxemburgo e atua no Brasil como principal acionista da mesma BBL Engenharia, vencedora da licitação.
Por sua vez, a BBL tem como sócio-administrador o engenheiro Luiz Ernesto Suman, ex-diretor da Sabesp. Outro diretor egresso da BBL, Nilton Seuaciuc, fundou a Vitalux Eficiência Energética, especializada na redução de perda de água. Até 2006, quando Seuaciuc era diretor da empresa, a Vitalux havia firmado dois contratos com a Sabesp no valor de 6,7 milhões de reais. Em 2007, Seuaciuc passa a integrar os quadros da estatal, onde fica até fevereiro de 2011. Nesse meio-tempo, os contratos entre a Vitalux e a Sabesp aumentam 250% e alcançam 23,6 milhões de reais. Ao sair da estatal, Seuaciuc retornou à Vitalux e permanece lá até hoje. A Vitalux recebeu ao menos 6 milhões do programa de uso racional da água.
Sobre a segunda integrante do consórcio, a Gerentec Engenharia: desde 1995, a empresa tem como sócio Umberto Semeghini, primo do secretário de Planejamento e Desenvolvimento Regional do estado de São Paulo, Julio Semeghini. Em 2007, Umberto deixou o quadro societário da empresa após ser convidado para ocupar a diretoria de Sistemas Regionais da Sabesp.
Quando diretor da estatal, de 2007 a janeiro de 2011, sua ex-empresa saltou dos 40 milhões de reais em contratos firmados com a Sabesp nos dez últimos anos para 115 milhões reais abocanhados dos cofres públicos paulistas. Aumento de 187%.
Em abril de 2011, dois meses após deixar a Sabesp, Semeghini retornou à sua antiga empresa, agora com o dobro do capital social. O valor saiu de 2,3 milhões para 5 milhões de reais. Além de parte dos 30 milhões do contrato para gerenciamento do programa de perdas, a Gerentec recebeu ao menos 14 milhões de reais do programa de uso racional de água.
Antes de mirarmos a terceira integrante do consórcio, paremos no então diretor de Tecnologia, Empreendimentos e Meio Ambiente da Sabesp, Marcelo Salles Holanda de Freitas, signatário pela estatal do contrato de gerenciamento do programa de perdas. O engenheiro possui um extenso histórico de relação com a estatal e empresas do setor de saneamento. Entre 2004 e 2007, foi sócio da Estudos Técnicos e Projetos Etep Ltda. Deixou a consultoria para, assim como Semeghini e Seuaciuc, assumir uma diretoria da estatal no governo Serra. A Etep venceu contratos no programa de redução de perdas e uso racional de água, entre 2006 e 2013, no valor de 43 milhões de reais.
Enquanto Freitas era sócio da empresa, a Etep havia firmado 8,1 milhões de reais em contratos com a Sabesp, de forma direta ou por meio de consórcios. Após ele assumir o cargo público, entre 2007 e 2010, o valor saltou para 185,4 milhões de reais, ou 2.000% de aumento.
Dos tempos de Sabesp, Freitas leva também o relacionamento próximo com empresas prestadoras de serviços da estatal. Em seu gabinete empregava como assessora Marisa de Oliveira Guimarães, esposa de Alceu Guéiros Bittencourt, proprietário da Companhia Brasileira de Projetos e Empreendimentos (Cobrape). A empresa especializada em consultoria de projetos ganhou cerca de 75 milhões de reais em contratos da estatal no período em que Freitas foi diretor. Somente dos programas de redução de perdas e uso racional de água, entre 2006 e 2013, a Cobrape embolsou ao menos 36 milhões de reais.
Da passagem pela estatal, Freitas ainda responde como denunciado em ação proposta pelo Ministério Público na qual ele e duas empresas são instados a devolver 318 milhões de reais referentes a fraudes em uma licitação da estatal na Baixada Santista.
Em 2011, com o retorno de Freitas ao setor privado, algumas mudanças ocorreram. Sua antiga empresa, a Etep, uniu-se à terceira integrante do consórcio vencedor do gerenciamento do programa de perdas, a Logos Engenharia, para formar a Arcadis Logos S/A. A nova empresa tornou-se responsável pelo gerenciamento da redução de perdas. Venceu, em consórcio com uma companhia japonesa, a licitação de 91 milhões de reais encerrada em janeiro de 2014 e ficará responsável por nortear o programa pelos próximos quatro anos.
Além disso, em seu quadro de diretores, a Arcadis Logos possui mais dois personagens. O primeiro é o engenheiro Lineu Rodrigues Alonso. Ex-diretor da Sabesp, Alonso havia sido sócio de Freitas na Etep e, após sua incorporação à Arcadis Logos, continuou com a sociedade, mas agora em uma empresa do setor imobiliário, a Metaimob Empreendimentos, com capital de 7 milhões de reais.
O outro é o filho do deputado estadual tucano Roberto Engler. Ricardo Figueiredo Engler Pinto integra o quadro de diretores da Arcadis Logos e, a partir deste ano, será responsável por gerenciar o programa que nos últimos anos desperdiçou 1,1 bilhão de reais sem conseguir alcançar um índice de eficiência condizente com a importância da Sabesp e dos serviços prestados.
Em respostas a CartaCapital, a Sabesp informou que todos seus diretores, antes de serem contratados, assinam um termo no qual afirmam não ter interesses conflitantes com o cargo. As empresas citadas negam qualquer tipo de relação entre seus diretores, a estatal e uma possível influência na assinatura de contratos.
Sobre o aumento nas perdas, a estatal disse utilizar outros métodos de averiguação do índice e que, independentemente do parâmetro utilizado, os números caíram desde 2004. Não é o que informa a agência reguladora responsável pela divulgação dos números citados na reportagem.
Nesse cenário, aos cidadãos paulistas resta acreditar que as relações entre a estatal e seus ex-diretores são fruto apenas do acaso e da ação de forças superiores. Quem sabe, assim como pensa o governo sobre as causas do iminente racionamento, essas relações não dependam da vontade e da ação dos homens, mas sim de Deus.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

O melhor amigo dos mercados

Quem dá mais?

Por Saul Leblon
O que de pior poderia acontecer ao Brasil nesse momento seria reduzir a eleição de outubro a uma gincana para a escolha do melhor  amigo dos mercados. Esta  semana Eduardo Campos abriu o seu baú e mostrou  um pedaço dos dotes que pretende oferecer à praça.
Em troca de apoio e indulgência dos mercados, o neto que envergonharia o avô quer entregar um mandato fixo ao BC,  com metas plurianuais de inflação e superávit fiscal.
Uma espécie de outro país dentro do Brasil. 
Ao lado de um Presidente da República escolhido pelo voto direto, teríamos um presidente da republica do dinheiro. Com autonomia, e dotado de ferramentas calibradas e com abrangência suficiente para induzir e condicionar o destino do desenvolvimento, os limites da democracia, a sorte da sociedade.
Assessores do tucano Aécio Neves, sendo o economista Edmar Bacha o mais loquaz entre eles, não deixam por menos.
Um revival do PSDB no poder faria tudo isso  e muito mais, asseguram pregoeiros de bico longo.
Por exemplo:  deflagraria um choque de ‘eficiência’ com a derrubada  em série de tarifas sobre importações.
O que sobrasse da indústria local e do emprego seria de primeira linha, garantem.
Outro arquiteto de países paralelos, o tucano Pérsio Arida, acha pouco  a independência do BC.
Para ir além, sugere a independência da própria moeda nacional em relação ao governo.
Seu projeto, antigo fetiche do neoliberalismo verde-amarelo, é assegurar a conversibilidade automática do Real em relação ao dólar.
Viraria um anexo do dólar.
Terceirizar a moeda de uma nação é o equivalente econômico a renunciar ao monopólio da força por parte do Estado:  abdica-se de um dos instrumentos cruciais na defesa do interesse público para  entregar a  sua gestão  ao apetite privado.
A politica  monetária  vira uma espécie de Ucrânia nas mãos dos francos atiradores dos mercados.
O governo Dilma, sob as turquesas das agências de risco e da guerra de expectativas da mídia e do capital financeiro, falou a língua que eles entendem  na última 5ª feita.
A oito meses das eleições, o governo cortou R$ 44 bi em investimentos, rebaixou a expectativa de crescimento do PIB  para 2,5% e fixou o superávit fiscal em 1,9% do PIB.
O monólogo que anuncia ‘tempos difíceis’ vai impondo a sua ordem unida na frente da produção, do dinheiro, do emprego e da própria política.
Por tempos difíceis entenda-se a ampliação da margem de manobra dos capitais especulativos, que passam a ter na cambaleante recuperação das economias ricas um ponto de fuga adicional.
Graças a ele, amplificam seu já robusto poder  chantagem sobre nações, governos e candidatos do mundo em desenvolvimento.
Ninguém sabe exatamente qual o fôlego ou a consistência da dita  recuperação.
Depois de quase sete anos de colapso da ordem neoliberal, os indicadores mostram um saldo de terra arrasada no emprego e nos índices sociais e saneamento financeiro.
Por exemplo: hoje os fundos  de investimento e de pensão tem 31% mais dinheiro do que o saldo anterior à crise. Com uma bolada equivalente a 75% do PIB mundial, eles detém um poder de comando apreciável sobre bolsas, moedas, governos  e economias carentes de capitais, de um modo geral.
A narrativa conservadora faz o resto ao festejar o poder coercitivo adicional dessa alavanca , a  cada suspiro na ‘recuperação’ das economias ricas.
O cheiro da virada de ciclo já basta.
Massas monstruosas de capitais se movimentam pelo mercado, ou apenas ameaçam faze-lo, ‘precificando’ hoje  um amanhã que ninguém tem a certeza de quando virá nem como será.
Não importa: a incerteza é a água dos cardumes especulativos.
Governos, povos e nações precisam de chão firme:  planejamento, regulação, metas de investimento, planos de crescimento de longo prazo.
O dinheiro grosso e os magos da arbitragem, ao contrário,  respiram melhor debaixo do oceano da incerteza.
Ao não se confrontar as duas lógicas sanciona-se um esbulho.
O do jornalismo econômico, por exemplo, que mantém intacta a fé nas virtudes do laissez faire , como se 2007/2008 nunca  tivessem existido no calendário econômico mundial.
A crítica  cerrada ao Brasil por ‘ter abandonado’ as reformas amigáveis abafa uma pergunta básica: 'Onde estaria o país  hoje se a sua condução na crise tivesse sido obra dos sábios tucanos, por exemplo?'
O espelho europeu oferece  a inquietante pista de que seríamos agora um grande Portugal.
Ou uma dilatada  Espanha - um superlativo depósito de desemprego, ruína fiscal e sepultura de direitos sociais, com bancos e acionistas solidamente abrigados na sala VIP do Estado mínimo (para os pobres).
Incorporar os imperativos das agencias de risco, sem abrir uma discussão com a sociedade  sobre os desafios da transição em curso no desenvolvimento brasileiro, pode gerar no imaginário social o efeito de uma  gigantesca empresa demolidora.
Marretas  sabidas golpeiam dia e noite a confiança erigida ao longo de uma década de construção negociada da democracia social no país.
O desafio progressista  é fazer o contraponto  desse desmonte.
Mesmo ao ceder no varejo –quando inevitável--  é crucial reafirmar as linhas de passagem no atacado e distinguir um projeto de desenvolvimento da mera contabilidade pró-mercados.
O quadro latino-americano e mundial sinaliza  uma inflexão de tempo histórico.
Não por acaso o site de O Globo desta 5ª feira editava como irmãs siamesas as imagens dos conflitos em Caracas e em Kiev.
A mensagem é nada sutil: afrontar o mainstream  leva ao caos.
Não por coincidência, no mesmo dia, Obama emitia ordens imperativas a Maduro e ao governo da Ucrânia.
Mitigada a crise no front interno das nações ricas, cuida-se de restabelecer a ordem nos quintais  indóceis.
É nesse ponto que o timming das ações do governo – de qualquer governo – faz enorme diferença na reordenação em marcha da correlação de forças.
Cada gesto, cada decisão, cada anúncio adquire uma dimensão estratégica; a forma como as providências são comunicadas, ademais de sua projeção e  escopo mais geral, sobre o qual não pode pairar dúvida , ganha  importância decisiva na disputa pelos corações e mentes da sociedade.
Uma crise de incerteza tem um tempo certo para ser abortada, ou derrotará o governo --a produção,  o emprego e o imaginário social.
Os tempos são outros; a globalização tornou tudo mais difícil, alega-se.
E é verdade.
Mas é verdade também que a lógica dos mercado não vai resolver os problemas que ela mesma criou.  
Não se pode amesquinhar  o único espaço no qual esse poder imperial se defronta com um outro de igual para igual: a luta política na democracia.
O governo Dilma disse aos mercados nesta 5ª feira  como pretende zelar pelos seus interesses.
É preciso que diga, a partir de agora -- e de forma contundente na campanha—  como um novo mandato progressista vai construir hegemonia dos interesses sociais mais amplos na travessia para o novo ciclo de desenvolvimento brasileiro.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Serra diz que não há descontrole fiscal no País

Olha o Serra dizendo o que os bons economistas dizem por ai.
 

Por Silvia Amorim
Serra contraria análise de Aécio sobre economia. Em palestra, ex-governador de São Paulo diz que não há descontrole fiscal, como afirmou o senador mineiro, Aécio Neves.
O ex-governador de São Paulo José Serra (PSDB) fez ontem análises sobre o quadro econômico brasileiro que se contrapõem ao que tem pregado o pré-candidato tucano à Presidência, o senador Aécio Neves (MG). Em teleconferência para consultores financeiros, ele disse que não vê no Brasil situação econômica "calamitosa" nem "descontrole inflacionário e fiscal".
— Eu não vejo que o quadro econômico seja tão calamitoso quanto se divulga. Não significa que estamos bem, mas o que não vejo é que seja tão calamitoso — disse Serra, ao começar a análise da conjuntura econômica.
Inicialmente, ele avaliou que não há no país um descontrole da inflação, ao contrário do que têm defendido o PSDB e o próprio Aécio desde o ano passado. O tema foi um dos destaques do programa nacional do partido em 2013 e tem sido usado pelo PSDB para tentar desgastar a imagem do atual governo.
— Há uma perda por ensaio e manobra em relação à inflação, mas não há o risco de descontrole inflacionário — avaliou Serra na palestra.
O tucano também afirmou que a situação na área fiscal do governo federal não é de descontrole nem de calote:
— Há perda de manobra na área fiscal, mas não há perspectiva de descontrole na área fiscal e muito menos de calote. Não há isso.
Em janeiro deste ano, em artigo para o jornal "Folha de S.Paulo", Aécio afirmou haver no país "um descontrole fiscal generalizado".
Mais adiante, Serra citou a projeção de crescimento do PIB para 2014 — que ontem foi rebaixado pelo governo de 3,8% para 2,5%. Num discurso moderado, disse que o índice — que o PSDB tem chamado de "pibinho" — não chega a ser uma "tragédia".
— O PIB por habitante, se crescer 2% este ano, em termos per capita, vai ser da ordem de 1,2%. Não é um desempenho negativo. Não chega a ser uma tragédia. Nada brilhante, nada desastroso.
Serra disse que a presidente Dilma Rousseff tem parcela de culpa pelo pessimismo mundial que ronda a economia brasileira. Segundo o tucano, ela pouco entende de economia e, quando fala sobre o tema, atrapalha, em vez de ajudar.
Sobre o futuro político, Serra não quis falar. Perguntado sobre temas eleitorais,não respondeu, alegando que a palestra era para tratar de questões econômicas.
Cresce no PSDB a pressão para que o ex-governador se candidate a deputado federal. Serra e Aécio têm um acordo para que a pré-candidatura do mineiro à Presidência seja lançada em março. Não está certo se, até essa data, José Serra anunciaria seus planos eleitorais.

Governo de SP gastou mais com publicidade do que com educação e segurança

O PT encaminhará hoje ao secretário da Casa Civil, Edson Aparecido, pedido de informações sobre os critérios utilizados para a distribuição de recursos da publicidade oficial
O governo do Estado de São Paulo gastou em 2013 com publicidade R$ 238 milhões, segundo o portal Transparência. Este valor é duas vezes o total pago em investimentos na Secretaria de Educação do Estado (R$ 110 milhões). É mais do que os investimentos pagos, somados, nas secretarias de educação e segurança (R$ 108 milhões). Os valores não estão corrigidos. A Liderança do PT na Assembleia paulista encaminhará hoje ao secretário da Casa Civil, Edson Aparecido, pedido de informações sobre os critérios utilizados para a distribuição de recursos da publicidade oficial. O maior gasto foi justamente na Casa Civil: R$ 191 milhões. Segundo os números do PT, as despesas de publicidade do governo cresceram 141%, entre 2011 e 2013, saltando de R$ 99 milhões para R$ 238 milhões.
Nessa conta não estão incluídas os gastos de empresas independentes, como o Metrô, a Sabesp e a Dersa. O líder petista Luiz Cláudio Marcolino quer saber quem são os destinatários desses recursos, desde 2007, e se houve gastos de publicidade em publicações de circulação nacional. Pedidos de informações serão encaminhados também para o Metrô, Sabesp, Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos. Em 2005, no terceiro ano da gestão anterior de Alckmin, foram gastos com publicidade R$ 67,5 milhões. No terceiro ano agora, houve um acréscimo de R$ 176 milhões. “Os gastos nada mais são do que uma tentativa de sobreviver a uma avaliação negativa da gestão pública”, diz Luiz Marcolino, líder do PT na Assembleia.
Professor aponta o poder das agências
Especialista em finanças públicas, o professor da Universidade de São Paulo (USP) Adriano Biava diz que o critério de pagamento do governo estadual revela quais são as prioridades da gestão. “Fica claro que as empresas de comunicação e propaganda têm um alto poder de barganha, ainda mais se considerarmos que estamos dentro de um ano eleitoral”, diz. Ele destaca que a ordem para efetuar os pagamentos não é decidida com base em critérios técnicos. O que não é pago em um ano fica como restos a pagar para o período seguinte. Procurada, a assessoria de comunicação do Palácio dos Bandeirantes não quis comentar.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

SBT é condenado a pagar R$ 100 mil a ex-donos da escola Base

Depois ter sua vida destruída e sofrerem uma ruína financeira, os donos da escola Base recebem uma mixaria de indenização. Tinha que ser um valor considerável para repor parte dos danos e para servir de exemplo para a imprensa tomar cuidado com o que publica.

Segue a matéria do IG
Caso ganhou repercussão nacional em 1994 após denúncia de abuso feita por mães de crianças de 4 anos
 
O SBT foi condenado a pagar R$ 100 mil de indenização por danos morais a cada um dos ex-donos da Escola Base, acusados em reportagens de cometer abusos sexuais contra os alunos. A decisão foi tomada nesta quarta-feira (19) pelo ministro Ricardo VIllas Bôas Cueva do Superior Tribunal de Justiça.
 
O caso ganhou repercussão nacional em 1994, após denúncia de duas mães de crianças de quatro anos. Um inquérito policial sobre foi aberto e a cobertura da imprensa divulgou acusações que revoltaram da população. O colégio foi saqueado e depredado. Os suspeitos do abuso receberam ameaças de morte. O inquérito, no entanto, foi arquivado por falta de provas. Após o arquivamento, houve retratação de alguns veículos de imprensa, mas a escola fechou as portas.
 
O ministro VIllas Bôas Cueva considerou que “reportagens de conteúdo inverídico e sensacionalista” sobre o caso provocaram “sérios danos à honra e imagem” das vítimas. A decisão, no entanto, reduziu de R$ 300 mil para R$ 100 mil o valor da indenização que havia sido estabelecido anteriormente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

Médica cubana contesta versão da Veja

“Eu vim para o Brasil para trabalhar, não para ficar dando entrevistas”, foi assim que Yamile Mari Min, médica cubana que atua no posto de saúde do Bairro Santa Luzia, me recebeu no início da tarde desta segunda-feira. Por diversas vezes, ela já havia sido procurada pela equipe do OCP, mas se recusava a falar. O meu objetivo era repercutir reportagem publicada pela Revista Veja, que denuncia suposta tentativa de pressão por parte do Ministério da Saúde e do governo de Cuba para que os médicos da ilha de Fidel Castro permaneçam no país. Segundo a revista, Vivian Isabel Chávez Pérez (chamada de capataz dos médicos na reportagem) exerceria esta função e teria, sob ameaças, conseguido manter as duas médicas cubanas em Jaraguá do Sul. O fato foi desmentido pelo o secretário de Saúde, Ademar Possamai (DEM), que foi citado pela revista. Segundo ele, em dezembro, as médicas estavam com dificuldades de adaptação e quase chegaram a se desligar, mas depois de contato do Ministério da Saúde, o problema foi solucionado e hoje está tudo bem. Depois de alguns minutos de conversa no consultório, Yamile foi perdendo a desconfiança e admitiu que foi procurada pela Veja na semana passada, mas disse que se negou a falar por entender que parte da imprensa vem tratando deste assunto sob a ótica estritamente política. “Eu e todos os médicos cubanos sabíamos quanto iríamos ganhar ao vir ao Brasil. Ninguém é obrigado a nada, a gente se inscreve sabendo de tudo. Eu estou aqui para ajudar o meu país”, resumiu a cubana já com sorriso no rosto e falando um bom português. Para ela, a prova da importância do programa é a satisfação da comunidade. A polêmica em torno da presença dos profissionais cubanos no Brasil está no fato de que eles recebem R$ 1mil ao mês, os outros R$ 9 mil a que teriam direito são depositados em uma conta do governo de Cuba. No término do contrato, quando retornam para casa, os médicos recebem mais um percentual do valor, o restante fica com os cofres públicos, funciona como um imposto retido na fonte em um país onde a educação e a saúde são 100% financiadas pelo governo. 
De Cuba para Jaraguá do SulYamile Mari Min, médica cubana que atua no Posto do Santa Luzia e foi citada pela Revista Veja desta semana, critica decisão de Ramona Matos Rodriguez, que deixou o programa Mais Médicos e entrou com uma ação trabalhista por danos morais de R$ 149 mil contra o governo federal. Os cubanos recebem R$ 1 mil ao mês, auxílio moradia, alimentação e transporte. 
                                                                                       
A matéria da edição desta semana da Revista Veja denuncia pressão para permanência de médicos cubanos no país, citando profissionais que estão em Jaraguá do Sul. A reportagem cita suposta declaração da coordenadora de Atenção Básica no município, Nádia Silva, que teria dito: “(elas) sofreram um impacto psicológico muito grande por causa dessa diferença de tratamento (salário). Não havia uma semana que não reclamassem das dificuldades de viver aqui”. Procurada pela coluna ontem, Nadia desmentiu as informações publicadas na revista. “Na verdade saiu tudo diferente do que a gente falou. Não sei se eles tinham um interesse com a matéria, mas estamos muito chateados”, contesta a coordenadora, que admite que em dezembro as duas médicas pensaram em deixar o município, mas acredita que tenha sido por dificuldade de estar longe dos familiares e amigos. “Está tudo muito bem”, avalia.  
Patricia Moraes
Colunista e editora de política | 2106.1928 | patriciamoraes@ocorreiodopovo.com.br