domingo, 25 de agosto de 2013

O repórter que descobriu o whistleblower da Siemens

Há três anos, o jornalista Bryan Gibel veio de Berkeley para investigar a corrupção no metrô de São Paulo; foi ele quem publicou pela primeira vez a carta, que apareceu agora na imprensa brasileira, e entrevistou o ex-executivo que revelou o escândalo.

DA AGÊNCIA PÚBLICA
http://www.apublica.org/2013/08/reporter-desacobriu-whistleblower-da-siemens/#sthash.zNIfdQFB.dpuf
Em um dia frio e nublado em São Paulo, entrei em um escritório bagunçado, escondido nos meandros da Assembléia Legislativa, e me vi diante do ex-executivo da Siemens que há mais de um mês eu tentava localizar. Dois anos antes, esse homem de identidade sigilosa havia entregue a deputados do PT documentos que descreviam minuciosamente como dois dos maiores conglomerados europeus – a francesa Alstom e a alemã Siemens – tinham distribuído propinas por mais de uma década para conseguir contratos de construção e operação das linhas de metrô e do sistema de trens da região metropolitana de São Paulo. Os documentos tinham sido enviados pelo PT, em agosto de 2008, ao Ministério Público de São Paulo, que já participava de uma investigação sobre a Alstom a convite de autoridades suíças.

Depois que me apresentei, ele disse que eu era o primeiro repórter com quem falava sobre Alstom e Siemens, e que me daria a entrevista com a condição de manter o anonimato, porque temia por sua segurança. Também me entregou cópias de duas cartas escritas por ele, relatando, em detalhes, como Siemens, Alstom e outras companhias multinacionais no Brasil haviam pago propinas e formado cartéis ilegais para ganhar contratos públicos de milhões de dólares em São Paulo e Brasília. Contratos e documentos sustentavam a denúncia, e nomeavam os políticos e funcionários públicos que, segundo ele, tinham recebido dinheiro – havia até informações bancárias sobre os pagamentos ilícitos.

Hoje, passados mais de 3 anos, aquele encontro ganhou um novo significado. Em maio deste ano, as investigações sobre corrupção que até então envolviam a Alstom culminaram em um grande escândalo no Brasil depois que, em troca de imunidade, a Siemens e seus executivos passaram a colaborar com o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, dando depoimentos e entregando documentos que indicam que a Siemens e mais de 20 pessoas pagaram propinas e formaram cartéis ilegais para ganhar contratos do governos do Estado de São Paulo e do Distrito Federal de quase R$ 2 bilhões.

As cartas e documentos que o ex-executivo da Siemens me entregou em São Paulo retratavam esse quadro de distribuição de propinas e corrupção em larga escala no setor metroferroviário brasileiro. Muito do que está sendo dito no CADE já havia sido relatado por aquele ex-executivo à direção da Siemens, assim como a conexão com o escândalo da Alstom, investigado desde 2008, e que no mesmo agosto deste ano, resultou no indiciamento de dez pessoas, entre elas dois ex-secretários de Estado do PSDB de São Paulo.

Leia abaixo a carta do ex-executivo da Siemens na íntegra:

Anwaltskanzlei Dr. Beckstein & Kollegen
Thumenberger Weg 12
90491 Nuremberg
Alemanha

Att. Dr. Hans-Otto Jordan

Junho de, 2008

Ref.: Práticas ilegais da Siemens no Brasil

Caro Dr. Jordan,

eu gostaria de trazer ao seu conhecimento alguns fatos e documentos que demonstram
práticas ilegais passadas e atuais da Siemens no Brasil, em especial nos seguintes projetos:

• Linha G (Linha 5 do Metrô de São Paulo) da CPTM.
• CPTM Série 3000
• Contrato de Manutenção Metrô-DF

Este tipo de prática não é privilégio da Divisão de Transporte. Ele também é comum na
Transmissão e Distribuição de Energia, Geração de Energia e Divisões Médicas, que lidam
com empresas de propriedade pública.

Esta carta e os documentos anexados serão distribuídos para as autoridades brasileiras
atualmente investigando o envolvimento da Alstom e o suborno de funcionários do governo em
vários projetos no Brasil, entre eles a Linha 5 do Metrô de São Paulo (Linha G).

Como você pode ler nos documentos fechados, a Siemens também pagou propina neste
projeto.

Linha 5 do Metrô de São Paulo (Linha G)

• Este projeto foi desenvolvido pela ALSTOM Brasil e consistiu num projeto importante para a
implementação de uma nova linha de trens urbanos (Linha 5, ou G) para o metrô de São Paulo.

• ALSTOM tem manipulado fortemente as regras da licitação, a fim de conseguir uma
vantagem sobre seus concorrentes e ganhar o controle sobre o projeto.

• Isso só foi possível com o apoio do cliente e uma prática comum que implica a “contribuição”
para funcionários do governo.

• ALSTOM coordenou um acordo com todos os outros jogadores a fim de atingir o lucro
máximo.

• O acordo incluía o pagamento de uma comissão para funcionários públicos de 7,5%. A
comissão chegava a 7,5% do valor do contrato.

• Os seguintes “players” foram contemplados no “acordo interno”: ALSTOM, ADTRANZ
(Bombardier), CAF, Siemens, TTRANS e MITSUI.

• MITSUI manteve o documento original, que estabelece o acordo interno entre todas as partes
quanto as regras de fornecimento e o preço a ser apresentado por cada uma das partes.

• O documento foi guardado em cofre no escritório da Mitsui em São Paulo e teria sido
destruído após a conclusão do projeto. Pessoalmente, acredito que a Mitsui mantém ainda uma
cópia do documento, em São Paulo, ou em seu escritório em Tóquio.

• Cada parte tinha suas próprias formas de pagamento da comissão de funcionários do
governo. ALSTOM e SIEMENS fizeram isso através das empresas de consultoria – PROCINT e
CONSTECH – e suas offshores localizadas em Montevidéu, Uruguai – LERAWAY e GANTWAY
[sic] 1. Cópias do contrato estão anexadas a esta carta.

• PROClNT e CONSTECH são de propriedade do Sr. Arthur Gomes Teixeira e Sergio Meira
Teixeira, que longo histórico em subornar funcionários do governo do Brasil, especialmente no
Estado de São Paulo, onde os projetos acima referidos foram implementados.

• As ligações de Teixeira com a Alstom no Brasil são muito fortes na geração de energia e
transporte ferroviário.

• De acordo com um ex-funcionário da ALSTOM, havia “propinas” de PROCINT e CONSTECH
para a gestão ALSTOM.

• No caso da Linha 5 do metrô de SP, a Siemens assinou um contrato com Arthur e offshore
Sergio Teixeira (Uruguai) empresas LERAWAY e GANTWAY [sic].
Cópias do contrato estão anexadas a esta carta.

CPTM Série 3000

• Este projeto foi desenvolvido pela Mitsui e consistiu na entrega de 10 (dez) trens pela
SIEMENS I SGP para aCPTM, estatal do governo paulista.

• O papel da MITSUI foi “recompensar” os funcionários do governo, e assinou, com este
propósito, um contrato de consórcio com a Siemens AG e SGP (Áustria).

• As cópias em anexo são trechos (pedidos de alteração) deste contrato.

• De acordo com o contrato, a Mitsui deveria fornecer apoio técnico, peças de reposição e
treinamento durante o período de garantia.

• Um olhar mais atento sobre o contrato indica que os valores envolvidos não são compatíveis
com o escopo de fornecimento.

• Além disso, a Mitsui é uma empresa comercial, sem qualquer qualificação para os serviços
prestados.

• MITSUI na verdade subcontratou os serviços de terceiros. No entanto, isto faz ainda menos
sentido, já que a Siemens I SGP é o fabricante de equipamentos originais e, portanto,
qualificado para fazer os serviços.
_________________________
¹ Documentos fornecidos pela fonte, registros públicos e reportagens do Brasil indicam que o nome da
empresa é, na verdade Gantown

• Longa história resumida: o contrato era apenas uma “cortina de fumaça” para esconder o
verdadeiro propósito, que foi subornar o cliente [funcionários do governo de SP].
Contrato de manutenção completa do Metrô do Distrito Federal

Contrato de manutenção completa do Metrô do Distrito Federal

• O Metro DF é a autoridade responsável pela operação e manutenção do sistema de metrô em
Brasília, que foi construído há muitos anos por um consórcio liderado pela Alstom.

• Desde o início de seu funcionamento, o Metro DF terceirizava a manutenção de todos os seus
subsistemas (ou seja, a manutenção integral) à ALSTOM, que dominou o projeto desde a sua
construção. Isso acontecia sem uma licitação pública.

• De acordo com especialistas, os preços praticados pela Alstom e membros do consórcio
INEPAR (IESA) e TCBR eram extremamente elevados, levando a lucros líquidos acima de
50%.

• De acordo com fontes internas, este projecto foi a galinha de ovos de ouro da ALSTOM por
mais de 5 anos consecutivos e foi considerado o melhor projeto em termos de lucro.

• De acordo com ex-funcionários da Alstom, a propina foi superior a 10% dos valores de
contrato eram pagos ao ex-governador Roriz e sua equipe, composta por seu Chefe de
Gabinete Sr. Valerio; seu secretário de Infra-estrutura Sr. Tadeu Felipelli; o presidente do Metro
DF, Sr. Paulo Victor Rezende; e o Diretor de Operações do Metro DF, Sr. Antonio Manoel
Soares.

• Os pagamentos foram feitos ao longo de mais de cinco anos e a “mesada” paga era de
aproximadamente R$ 700.000 (cerca de 265 mil euros).

• Sabendo que o projeto passaria por nova licitação até o final de 2005, os engenheiros da
ALSTOM diretamente envolvidos no projeto tiveram todo o tempo do mundo para “ajudar” os
técnicos da estatal a escrever as regras da nova licitação.

• As condições de oferta foram escritas de tal forma que só a ALSTOM seria capaz de atingir a
pontuação máxima. Isto assegurava-lhes a vitória na licitação independentemente do preço dos
concorrentes.

• As notas foram baseadas na experiência específica da equipe de manutenção, que tinha de
ser comprovada por atestados emitidos pela estatal do metrô no DF.

• Esta é uma prática comum utilizada em licitações públicas para eliminar a concorrência e
diminuir o número de concorrentes a um mínimo, facilitando um acordo de preços entre os
licitantes remanescentes.

• Apenas dois engenheiros da ALSTOM que trabalhavam na manutenção do Metro DF desde o
seu início – Mr. Luis Antonio Taulois da Costa eo Sr. Ben-Hur Coutinho Viana de Souza -
seriam capazes de cumprir as exigências e, portanto, atingir a pontuação máxima.

• Infelizes com a ALSTOM e também (talvez a razão principal) atraídos por uma oferta melhor
de taxa de sucesso (cerca de 1% do valor líquido do contrato), esses dois engenheiros
decidiram deixar ALSTOM para se juntar à SIEMENS.

• Este movimento causou protesto massivo na administração da ALSTOM. Houve várias
tentativas frustradas para convencer a gestão SIEMENS a não contratá-los.

• ALSTOM então apelou ao governador de Brasília, o Sr. Roriz, que a fim de evitar “ruído”
convenceu SIEMENS e ALSTOM a chegarem a um acordo, em que ambos os consórcios
seriam capazes de alcançar uma situação ganha-ganha.

• Para o governador Roriz não importava quem iria ganhar, desde que o vencedor continuasse
a pagar a “taxa”.

• Conforme o acordo entre os consórcios liderados por ALSTOM e SIEMENS, ambas as partes
concordam em submeter um preço pré-estabelecido. O preço seria muito próximo ao
orçamento do Metro DF, com diferença de apenas 0,5%.

• O memorando anexado em Português (“Memória de Negociações”) é o “acordo interno” entre
os consórcios liderados pela ALSTOM e SIEMENS. É auto-explicativo.

• Os preços foram definidos por cada consórcio em uma espécie de sorteio, onde SIEMENS
ofereceu o preço mais alto (94,5% do orçamento). De acordo com este procedimento,
ALSTOM, então, apresentaria o menor preço (94% do orçamento). No caso da pontuação
técnica empatar, o menor preço iria ganhar.

• No entanto, ALSTOM não prestou atenção ao fato de que, mesmo no caso de ambas as
ofertas apresentarem o mesmo preço, o resultado poderia ser diferente, dependendo do preço
de cada subsistema. O critério de valoração havia sido cuidadosamente escolhido para evitar
esse tipo de manipulação.

• A SIEMENS sabia disso e usou esse conhecimento para ganhar a licitação,apesar de ter
concordado em oferecer um preço 0,5% acima do preço da Alstom. SIEMENS ajustou os
preços dos subsistemas de preços a fim de atingir a pontuação máxima.

• Este conhecimento estratégico foi trazido para Siemens pelos experientes ex-funcionários da
Alstom, Luis Antonio Taulois da Costa e Ben-Hur Coutinho Viana de Souza.

• Uma prova disso foi a incomum remuneração extra (uma taxa de sucesso mensal) que eles
passaram a receber diretamente da Siemens, e também via uma subcontratada da Siemens, a
MGE Transportes. Esse tipo de remuneração não se encaixa nas práticas de remuneração da
Siemens.

Pano de fundo da MGE Transportes e suas conexões com a Siemens

• A MGE é freqüentemente usado pela Siemens para este tipo de pagamentos a terceiros
(principalmente para os clientes) e registrou pelo menos um pagamento a um escritório de
advocacia em Brasília, a fim de agilizar o processo de licitação no Ministério do Justiça.

• O pagamento referido foi necessário para neutralizar as constantes ações do terceiro
concorrente, a MPE.

• MPE, aparentemente, tinha um preço muito menor do que a Alstom e a SIEMENS – que
tinham previamente acordado oferecer 94% e 94,5% do orçamento do cliente – e tinha,
portanto, que ser desqualificada tecnicamente.

• Desqualificação do MPE foi finalmente alcançado com a ajuda do escritório de advocacia que
se refere. O dinheiro foi provavelmente usado para subornar o juiz a cuidar do caso.

• O diretor da MGE, Ronaldo Moriyama, é conhecido por sua agressividade e por assumir
riscos quando se trata de subornar funcionários do governo a fim de obter contratos lucrativos.

• Vários diretores do Metrô SP e CPTM estiveram em sua folha de pagamentos por vários
anos. Os mais conhecidos foram: Décio Tambelli (ex-Diretor de Operações do Metro-SP), José
Luiz Lavorente (ex-Diretor de Operações da CPTM) e Nelson Scaglione (Gerente de
Manutenção do Metro SP).

• A MGE foi fundada enquanto ambos Ronaldo Moriyama e seu amigo Paulo Edu Celidonio
Costa Filho ainda estavam trabalhando para a GE (General Electric), no Brasil. Paulo Edu foi
CEO da GE e Ronaldo Moriyama era seu subordinado como Diretor de Vendas.

• A MGE era dirigida por Carlos Alberto Rosso, que também é um ex-empregado da GE.

• Durante o “período de sobreposição”, que durou alguns anos, a GE perdeu sistematicamente
todos os seus contratos de serviço com CPTM e Metrô de São Paulo para MGE e decidiu
desistir do negócio. Isto não foi coincidência; Ronaldo e Paulo Edu trabalhavam em ambos os
lados.

• A MGE foi criada para atender exatamente o mesmo mercado de serviços da GE e R.
Moriyama e Paulo Edu eram sócios ocultos da MGE.

• Antonio Edmundo Lopes Carolo, em sua função de Ombudsman da GE descobriu mais tarde
que ambos R. Moriyama e Paulo Edu eram sócios ocultos da MGE. Ele tornou-se então o
quarto acionista da MGE.

• Ambos R. Moriyama e Paulo Edu foram demitidos pela GE mais tarde, sob a acusação de
manipulação dos balanços financeiros.

• A MGE foi recentemente subcontratada pela SIEMENS para manutenção dos trens da Série
3000 da CPTM, no qual ambas as empresas prestavam serviços de manutenção aos trens da
Série 3000 da CPTM fornecidos pela Siemens poucos anos antes.

• A MGE, como de costume, está a cargo da “contribuição” para os funcionários do governo.

• A provisão total para essa finalidade geralmente aparece como uma posição separada no
contrato, a fim para facilitar os reajustes anuais. Os serviços reais correspondentes a essa
posição específica não existem.

• Como a MGE opera: R. Moriyama e seus outros três parceiros (Rosso, Carolo e Paulo Edu)
usam suas contas privadas para pagar propinas usando recursos que recebem como
distribuição de dividendos. Os dividendos são legalmente depositados em suas contas privadas
e, em seguida, sacados e pagos em dinheiro vivo para os clientes.

Adilson Primo, CEO da Siemens Limitada e sua relação com o governador de Brasília,
José Roberto Arruda

• É importante notar que o projeto de manutenção do Metro do Distrito Federal foi assinado
durante o mandato do novo governador do DF (Brasília), José Roberto Arruda.

• O governador Arruda é um ex-colega e amigo íntimo do Sr. Adilson Primo, atual CEO da
Siemens Brasil.

• O governador Arruda é chamado de “Mr. Siemens”, em Brasília, por causa de seus contatos
íntimos com a SIEMENS.

• Há rumores de que o Sr. Adilson Primo pretende ser candidato a prefeito de sua cidade natal
Itajubá, no futuro próximo e conta com o apoio de seu amigo.

É incrível observar que, apesar de todos os escândalos e as consequências para toda a
empresa, SIEMENS Brasil continua a pagar propinas no Brasil a fim de obter contratos
lucrativos. Isso continua a acontecer, direta ou indiretamente através de consultores como
PROCINT / CONSTECH ou subcontratados como MGE.

O contrato de manutenção da Série 3000 da CPTM, acima indicado, e para o Metro de DF, são
exemplos atuais da prática sistemática de corrupção pela Siemens. E essas práticas ocorrem
com a bênção da alta cúpula da Siemens Brasil.

Espero que as informações acima possam ajudá-lo em sua difícil função de Ombudsman da
empresa que ainda não aprendeu com as lições do passado.

Conforme já mencionado no início da minha carta, cópias desses documentos serão entregues
em breve às autoridades brasileiras que investigam as práticas ilegais no Projeto G da Linha
CPTM.

Atenciosamente,

Investigando a corrupção, a mais de 6 mil milhas de casa

O caminho que acabou por me levar a essa valiosa fonte havia começado 10 meses antes, no campus da Universidade da Califórnia em Berkeley, a mais de 6 mil milhas de São Paulo. Fluente em português, fiquei empolgado quando um professor me falou sobre seu interesse em investigar um escândalo de corrupção no Brasil, envolvendo centenas de milhares de dólares.

Desde 2008, a Justiça e a polícia na Suíça, França e, de forma mais pontual, na Inglaterra e nos Estados Unidos, tinham aberto investigações sobre o esquema de propinas da Alstom ao redor do mundo. Parte das investigações feitas na Suíça envolviam o Brasil e, depois de avisados pelos suíços, membros do Ministério Público de São Paulo também começaram a apurar pagamentos suspeitos feitos pela companhia, associados a contratos para fabricar, instalar trens, sistemas de sinalização e vagões do metrô na região metropolitana.

Depois de uma semana de pesquisa e conversa com jornalistas brasileiros, decidi procurar os membros do PT na Assembléia, que há dois anos tentavam abrir uma CPI para investigar o caso, bloqueada pela maioria governista (o PSDB, partido do atual governador paulista, está há 18 anos no poder no Estado).

Nem telefonei antes. Preferi me apresentar pessoalmente e peguei o metrô, embarcando em um vagão novinho com o logotipo da Alstom em todas as janelas. Tive que fazer duas baldeações e andar 1 km para pegar um ônibus para a Assembléia, o que resultou em uma viagem de duas horas. O que não é uma experiência rara para os usuários do precário sistema de transporte público de São Paulo.

Encontrei a assessora de comunicação do PT no hall do imponente prédio da Assembléia. Tomamos um café juntos e eu perguntei sobre o caso Alstom. Ela disse que seria melhor conversar com um dos deputados, o que teria que ser agendado, mas, enquanto isso, disse, ela poderia me entregar a cópia de um dossiê organizado pelo PT sobre o caso. Recebi o calhamaço com centenas de páginas de documentos presos por grampos. Não tive nem que tirar xerox.
O dossiê incluía contratos, relatórios policiais, dados estatísticos e uma coleção de matérias publicadas na imprensa brasileira. As informações indicavam que, entre 1989 e 2007, a Alstom e suas consorciadas ganharam pelo menos 139 contratos no valor de R$ 7,6 bilhões do governo do Estado de São Paulo. Quase todos os contratos eram referentes ao metrô de São Paulo e à Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Do total, quase R$ 1,4 bilhão se referiam a contratos considerados irregulares pelo Tribunal de Contas, de acordo com o dossiê.
Parte das informações já eram de conhecimento público. Em maio de 2008, a polícia suíça marcou uma reunião com membros do Ministério Público de São Paulo para falar sobre pagamentos de US$ 6,8 milhões que teriam sido usados como propinas para ganhar um contrato de US$ 45 milhões do metrô, de acordo com matéria do Wall Street Journal. Entre os documentos obtidos pelo repórter, alguns se referiam a aditivos de R$ 110 milhões, de 1998, que prolongavam a validade de um contrato assinado 15 anos antes.

Um memorando timbrado de 1997 a respeito desse contrato dizia bastante sobre o esquema. Nele, Bernard Metz, então executivo da Alstom informava a um colega que companhia pagaria 7,5% de propina pelo contrato a um indivíduo com as iniciais R.M. “É um pagamento para o governo local”, Metz escreveu em francês. “Está sendo negociado por um ex-secretário do governador”.

De acordo com as investigações policiais, esse ex-secretário era Robson Marinho, chefe de gabinete do governo Covas entre 1995 e 1997. Marinho, que depois se tornou conselheiro do Tribunal de Contas Estadual, o órgão de auditoria das contas públicas de São Paulo, muitas vezes deu o voto decisivo para aprovar a legalidade de contratos da Alstom hoje investigados. Ele chegou a admitir que assistiu a Copa do Mundo de 1998 em Paris às custas da Alstom – embora seja um homem próspero, dono de uma ilha no Rio de Janeiro e de um prédio de oito andares em um bairro nobre em São Paulo.

Em junho de 2009, as autoridades suíças bloquearam uma conta de Marinho sob suspeita de que tivesse sido usada pela Alstom para pagar propinas via depósitos offshore. No mês seguinte, o Ministério Público de São Paulo fez o mesmo com as contas bancárias de Marinho e de mais 18 suspeitos.

Outros documentos que obtive em São Paulo revelavam mais sobre o esquema atribuído a Alstom. Em depoimento juramentado ao MPE, em 2008, Romeu Pinto Júnior, suspeito de lavagem de dinheiro, disse que um ex-executivo da Alstom chamado Philip Jaffre, já falecido, havia montado várias companhias offshore no Uruguai e nas Ilhas Virgens para fazer circular secretamente os recursos da companhia que seriam pagos a políticos brasileiros. Os políticos recebiam em dinheiro, em encontros em restaurantes.

Em depoimento da mesma época, outro suspeito de lavagem de dinheiro, Luís Filipe Malhão e Sousa, disse ter usado várias empresas para distribuir as propinas da Alstom e lavado dinheiro através de vários bancos em Nova York. Mais de um milhão de dólares foram transferidos pelas empresas de Sousa nessas transações entre 1998 e 2002.

Em agosto de 2008, segundo documentos oficiais, pelo menos dez contratos da Alstom estavam sendo investigados pelo Ministério Público de São Paulo. Mas as tentativas do PT de abrir uma CPI continuavam sem obter os votos necessários na Assembléia.
Boa hora para um encontro rápido de muitas consequências

Enquanto rastreava o ex-executivo da Siemens, fui muitas vezes a Assembléia para conversar com deputados e assessores legislativos sobre os documentos compilados no dossiê. Em uma dessas visitas, ao entrar no departamento de pesquisas do PT, escondido em um canto da Assembléia, um homem magro, com alguns cabelos grisalhos disfarçando a careca, me disse, entusiasmado, que eu tinha chegado em boa hora. “Tem alguém aqui que eu quero que você conheça”. E saiu. Voltou pouco depois para me conduzir até uma sala de reuniões com uma mesa grande. Ali estava sentado um homem de olhar intenso, que me observava silenciosamente.

Depois de breves apresentações, ficou claro que o homem com quem eu estava falando era o ex-executivo da Siemens que eu procurava, com informações de primeira mão sobre a Alstom, Siemens e outras empresas que atuam no setor metroferroviário de São Paulo.

Contei-lhe o que já havia descoberto em minhas investigações sobre as acusações à Alstom. Do outro lado da mesa, ele me olhou e assentiu com a cabeça. Após uma conversa rápida, off the record, ele me disse: “Infelizmente você me pegou em um momento ruim, tenho que ir embora”. Antes de sair, porém, ele pegou uma pilha de papéis grampeados e me entregou. “Você é uma das pouquíssimas pessoas a ver isso”, disse. “Acho que vai achar interessante.” Pedi, mas não obtive seu contato e ele saiu rapidamente da sala, dizendo que eu poderia achá-lo através de meus conhecidos na Assembléia. Peguei um táxi e corri para casa para olhar os documentos.

Duas cartas e muitas revelações sobre o que se tornaria um escândalo

O primeiro era uma carta escrita em inglês endereçada ao Dr. Hans-Otto Jordan, em Nuremberg, Alemanha, em junho de 2008. Jordan, eu saberia depois, era o ombudsman da Siemens – um advogado contratado pela companhia para ouvir os empregados que quisessem fazer denúncias sobre práticas inapropriadas de negócios na companhia.

Na carta de oito páginas, o ex-executivo fornecia informações e documentos que compunham o que ele chamava “As práticas ilegais do presente e do passado da Siemens no Brasil”. E focava três contratos do setor de transportes metropolitanos com o cuidado de destacar que o mesmo esquema também era muito utilizado pelas divisões de equipamentos médicos e de energia da Siemens.

A primeira coisa que me chamou a atenção na carta foi o nível de detalhes sobre os casos relatados. Para cada contrato discutido, a fonte nomeava as companhias envolvidas, dizia os valores e a quem as propinas haviam sido pagas, nomeando os funcionários de alto escalão do governo de São Paulo e do Distrito Federal que receberam o suborno. Dois dos três contratos denunciados eram acordos para expandir o sistema metropolitano de trens. O primeiro era um contrato de 288 milhões de dólares, assinado em 2000, para ligar uma linha de trem – a G da CPTM – à linha 5 do metrô, a linha lilás, com apenas cinco paradas, que vai do Largo Treze ao Capão Redondo, no extremo da zona Sul de São Paulo.

Quase dois terços desse dinheiro vinha do governo de São Paulo; o resto tinha sido financiado pelo BID de acordo com os registros oficiais. Esse contrato, anexo à carta do executivo, tinha sido dividido entre várias companhias, incluindo a Alstom, a Siemens, a Daimler Chysler, a grande companhia espanhola CAF e vários pequenos parceiros e subcontratados.

Para garantir o contrato, a Alstom havia costurado um acordo com as outras companhias para oferecer preço inferior ao dos concorrentes na licitação da nova linha de metrô, segundo o ex-executivo. Depois, dividiriam o bolo. Cada uma das empresas pagaria uma parte das propinas aos funcionários do governo estadual, correspondentes a 7,5% do valor do contrato, segundo a carta.

Siemens e Alstom camuflavam o dinheiro das propinas através de duas companhias no Uruguai – Leraway Consulting e Gantown Consulting-, e duas brasileiras, Procint e Constech, de propriedade de Arthur e Sergio Teixeira, segundo a carta. Os recursos eram então transferidos para o Brasil onde as propinas eram pagas em dinheiro vivo. Os documentos dos contratos com as firmas uruguaias, assinados pela Siemens em Munique em abril de 2000, também foram anexados.

O próximo grupo de documentos se referia a contratos com o governo estadual para fabricar e colocar em operação dez trens comprados pela CPTM. Em 1997, a Siemens ganhou um contrato no valor de 103 milhões de marcos alemães para vender dez trens para a CPTM. Pelo acordo, a companhia dividiria o contrato com a empresa japonesa Mitsui, que se encarregaria do suporte e treinamento técnico; mas o papel verdadeiro da Mitsui, segundo a denúncia, era o de pagar propinas para os funcionários da CPTM, sempre de acordo com a carta do ex-executivo. “O contrato era apenas uma ‘cortina de fumaça’ para ocultar sua função real, que era subornar o cliente”, ele escreveu.

Cinco anos depois, a Siemens assinou mais um contrato com a CPTM para operar e manter os vagões vendidos em 1997. A companhia obteve o negócio subcontratando a empresa brasileira MGE Transportes, então dirigida por Ronaldo Moriyama, conhecido por “sua atitude agressiva e arriscada” ao subornar funcionários do governo para obter contratos, escreveu o ex-executivo, que chegou a nomear os que teriam recebido as propinas da MGE. “Muitos diretores do Metrô de SP e da CPTM estão na folha de pagamentos dele (Moriyama) há anos”, dizia a carta. “Os mais conhecidos eram: Décio Tambelli (ex-diretor de operações do Metrô), Jose Luiz Lavorente (ex-diretor de operações da CPTM) e Nelson Scaglione (Gerente de Manutenção do Metrô de SP ).”

O ex-executivo também detalhou o esquema de propinas da Alstom no Metrô em Brasília que, segundo a carta, funcionava há anos. Para garantir os contratos, a companhia pagava R$ 700 mil de propina por mês ao ex-governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, e diretores do metrô, escreveu o ex-executivo. Quando a Siemens substituiu a Alstom no mesmo contrato, o governador Roriz não se incomodou, “desde que o vencedor da concorrência continue a pagar a ‘taxa’” dizia a carta. No final, o ex-executivo diz que o suborno continuava sendo uma prática da Siemens no Brasil, acrescentando: “Essa atitude conta com as bençãos do principal executivo da companhia no Brasil”.
Uma segunda carta endereçada ao Ministério Público

Uma segunda carta, essa escrita em português, em 2010, foi me entregue pelo ex-executivo. Depois eu descobriria que essa carta – dirigida a “Prezados Senhores – tinha sido remetida ao Ministério Público Estadual pela bancada do PT na Assembléia em fevereiro de 2011, com mais um pedido formal de investigação – o que vinha sendo feito pelo partido desde 2008.

Nela, o ex-executivo detalhava ainda mais o esquema de propinas da Siemens e o papel da MGE, subcontratada pela Siemens para executar o contrato de manutenção da CTPM, vencido em 2002, no valor de R$ 34 milhões. O verdadeiro propósito da parceria, dizia a carta, era canalizar propinas para os diretores da CPTM e para políticos do PSDB e do PFL (atual DEM) em São Paulo.

Durante os cinco anos de vigor do contrato, a Siemens transferiu à MGE mais de R$ 3 milhões para serem usados nas propinas, fingindo pagar por serviços que nunca foram realizados, de acordo com a fonte. O dinheiro era depositado nas contas pessoais dos diretores da MGE e pagos para o já citado José Luiz Lavorente, então diretor da CPTM. Segundo a carta, Lavorente guardava o seu quinhão e distribuía o restante a políticos de São Paulo. A MGE ficava com 23% do dinheiro das propinas, e a Siemens obtinha um grande lucro, superfaturando em até 30% os contratos da CPTM, segundo a carta. O mesmo arranjo era utilizado pela Siemens para ganhar licitações de contratos lucrativos com o Metrô de São Paulo e de Brasília, de acordo com o ex-executivo.

Mais uma vez as denúncias eram acompanhadas de documentos, dessa vez informes detalhados de pagamentos da Siemens à MGE de 2002 to 2006, com números de cheques e datas das transações para pagar as propinas. “O papel principal da MGE nos contratos com a Siemens Ltda. (Brasil) foi e continua sendo o pagamento de propina a diretores da CPTM, Metro SP e Metro DF (Brasilia)”, escrevia a fonte. “O cruzamento dos saques efetuadas pela MGE com os pagamentos efetuados pela Siemens a esta empresa pode provar o esquema milionário de corrupção patrocinado pela Siemens e MGE na CPTM, no Metro de SP e no Metro do DF.”


Por fim, a tão sonhada entrevista

O potencial de impacto dessas informações era quase impensável. Antes de ir embora do Brasil, decidia que faria todo o possível para me manter em contato com essa fonte.

Mas isso não era nada fácil, como percebi nas semanas seguintes em que fui diversas vezes à Assembléia para tentar um novo encontro com o ex-executivo. Até que um dia, uma semana antes do dia marcado para o meu vôo de volta à Califórnia, dei de cara com o homem que havia me apresentado ao ex-executivo no mesmo departamento de pesquisas do PT.
“Que bom te ver”, ele me disse, sorrindo. “Falei com o seu contato ontem. Ele vai estar em São Paulo na quinta-feira e pode te encontrar às 6 da tarde”. Meu vôo partiria na manhã seguinte às 9h30 da manhã. “Vou chegar 15 minutos antes”, respondi.

Naquela noite quase não dormi. Arrumei a mala, escaneei meu cérebro em busca de cada detalhe que eu deveria perguntar e acabei indo para a cama de madrugada. No dia seguinte, na hora marcada, encontrei o ex-executivo na mesma sala que o vi pela primeira vez. Ele acenou e me disse “Olá, de novo”. Conversamos sobre os documentos e perguntei se poderia gravar a entrevista. Ele concordou, com a condição de manter o anonimato.

Durante os próximos 45 minutos, ele me deu a primeira e única entrevista já concedida sobre o esquema de propinas e de combinação de preço nas licitações que ele disse ter presenciado pessoalmente. Sempre que um contrato grande do setor metroferroviário é fatiado entre diversas empresas no Brasil, as práticas ilegais são comuns, ele disse.
“Existe sempre um acordo entre elas, uma divisão e um sobrepreço, ou seja, um cartel. Quando tem cartel, tem pagamento, obviamente”, explicou. “Está acontecendo agora (2010) no caso das reformas do metro. Também na manutenção dos trens da CPTM,” afirmou. Mais adiante ele diria que as subsidiárias brasileiras da Alstom e da Siemens mudaram alguns métodos de pagamentos de propinas depois das investigações na Europa.

“Antigamente ia para as contas na Suíça, para as offshores no Uruguai, mas ficou muito difícil fazer este tipo de pagamento de propina diretamente,” disse. “É por isto que, em geral, eles sempre levam um subcontratado. Imagina, uma Alstom, por exemplo, com uma fábrica aqui no Brasil. Porque precisaria subcontratar alguém para fazer um serviço? Não precisa. No fundo, o que acontece? Aqui precisa de alguém para fazer o trabalho sujo.”

Ele disse que o dinheiro das propinas permitiam às empresas ganhar contratos por preços absurdos e engordar os cofres dos partidos políticos no poder em São Paulo e no Distrito Federal. “Os intermediários ficam com uma parte, e a outra parte vai para os políticos,” disse. “Os políticos solicitam, induzem, vamos dizer assim. Eles querem contribuições para as campanhas, mas a maior parte fica para eles pessoalmente”.

No final da conversa, consegui perguntar uma coisa que estava na minha cabeça desde que li a carta enviada por ele ao ombudsman da Siemens em 2008. Como a Siemens havia respondido às acusações?

Um parênteses: Em dezembro de 2008, seis meses depois do executivo ter mandado sua carta anônima ao ombudsman, a Siemens havia se declarado culpada ao Departamento de Justiça americano por violações do “Foreign Corrupt Practices Act”, que proíbe as companhias com negócios nos Estados Unidos de pagar propinas em outros países. Como parte de um acordo com a corte americana, a Siemens admitiu ter pago mais de 800 milhões de dólares em propinas ao redor do mundo. No mesmo período, fechou um acordo semelhante com as autoridades alemãs, pagando uma multa total de 1,6 milhão de dólares. O Brasil, no entanto, não foi mencionado nesse esquema.

Voltando a entrevista em São Paulo: o ex-executivo disse que nunca recebeu qualquer sinal de que a Siemens tivesse ido atrás das informações fornecidas na sua carta, apesar das promessas da companhia de reestruturar suas práticas para acabar com a corrupção.

“A Siemens abafou o caso no auge da crise, no momento em que diziam querer limpar tudo. Foi como se nunca tivesse acontecido. Ninguém falou nada, ninguém foi mandado embora. A coisa aconteceu como se fosse tudo normal,” contou o ex-executivo.

“Por algum motivo, o Brasil sempre ficou intocado. A minha interpretação é que eles sabem que isso tem que continuar, e não querem fazer muito barulho, porque eles sabem que se não continuar, eles vão ter menos contratos. E isto é verdade.”

Mais uma vez pedi o contato dele quando a entrevista terminou, e mais uma vez ele me disse que eu teria que procurá-lo através dos nossos conhecidos na Assembléia. E mais uma vez, ele saiu apressado do escritório, desaparecendo no burburinho da metópole.
De volta à Califórnia

Depois de algumas semanas organizando o material coletado no Brasil, contatei o Departamento de Justiça dos Estados Unidos para saber se, durante as negociações daquele acordo, o Brasil realmente não havia sido citado. Foram semanas de telefonemas até conseguir falar com um porta-voz, que disse que o Departamento não comentaria esse assunto.

Diante do aparente beco sem saída, recorri ao professor que tinha me colocado na história das propinas no Brasil, Lowell Bergman, jornalista premiado com o Pulitzer e diretor do programa de Jornalismo Investigativo da UC Berkeley. Alguns anos antes, quando ele preparava um especial de televisão sobre propinas pagas por companhias no exterior para ganhar concorrências fora dos Estados Unidos, tinha conseguido uma fonte no Departamento de Justiça que havia trabalhado no acordo das propinas com a Siemens.

Mas a fonte disse que não havia menção da Siemens sobre subornos no Brasil e Bergman e eu decidimos confirmar se realmente o ex-executivo brasileiro havia mandado a tal carta para a Siemens na Alemanha. Depois de muita conversa em off com uma fonte da Siemens, ouvi que a companhia tinha realmente recebido a carta em 2008. Mas, como a informação não podia ser confirmada, eu tinha que verificar na própria companhia.

Em fevereiro de 2011, entrei em contato com a assessoria de imprensa da sede da Siemens por email e comecei a ligar para Munique tarde da noite, para compensar as nove horas de diferença de fuso horário. Eu havia feito perguntas bem específicas no meu email: A Siemens tinha informado as autoridades nos Estados Unidos e na Alemanha sobre as denúncias de propinas no Brasil feitas em uma carta enviada ao ombudsman em junho de 2008? Se sim, quando? A companhia tinha remetido a carta para as autoridades?A Siemens tinha aberto um procedimento interno para investigar o assunto? Se sim, quando?

No mês seguinte, o assessor de imprensa respondeu ao email: “Como parte da cooperação em andamento com as autoridades americanas, a Siemens informou ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos e à Comissão de Valores Mobiliários (Securities and Exchange Commission) sobre as denúncias anônimas que foram submetidas por carta ao ombudsman”, escreveu o porta-voz no email.

Quanto às outras questões, foram respondidas em termos muito genéricos: “Como a Siemens não comenta investigações ou processos investigativos, está impossibilitada de comentar as ações específicas ou investigações independentes assumidas pela Siemens em resposta às denúncias,” escreveu, para concluir: “Em relação aos esforços globais de monitoramento da Siemens, incluindo o Brasil, tomou medidas inéditas de autocorreção e limpeza que foram reconhecidas pelos órgãos dos Estados Unidos como ‘extraordinárias’ e ‘as melhores do gênero’. Nós levamos a sério nosso compromisso com altos padrões éticos e temos uma política de ‘tolerância zero’ com desvios”.

Em outubro de 2011, a companhia demitiu o presidente das operações brasileiras, Adilson Primo, que ocupava o cargo há tempos, afirmando que “uma investigação interna revelou, recentemente, uma grave violação às diretrizes da Siemens na subsidiárias brasileira antes de 2007”. Reportagens ligaram a demissão à descoberta de uma conta privada com cerca de 6 milhões de euros de recursos da Siemens. Um porta-voz disse que a saída de Primo não tinha relação com a carta do denunciante.

Meses depois, em uma apresentação da companhia em janeiro de 2012, a Siemens confirmou que estava sob investigação do Ministério Público em Brasília. Em maio de 2013, o escândalo estourou no CADE.

Grande parte da informação que veio da delação da Siemens ao CADE, corrobora as alegações do ex-executivo. Emails e outros documentos indicam que a companhia associada a outras empresas operava como um cartel para ganhar contratos do governo por preços superfaturados entre 1998 e 2007. Esses contratos faziam parte dos acordos entre Siemens e Alstom para fabricar, manter e instalar trens em São Paulo e Brasília. Os três contratos citados pelo ex-excutivo estão sob investigação, incluindo o da Linha G de trem e lilás de metrô. Até a porcentagem de faturamento – 30% – que consta dos documentos entregues pela Siemens ao CADE, segundo o Estadão, é a mesma. Ao todo, dez promotores vão conduzir 45 inquéritos para investigar atividades suspeitas da Alstom, Siemens e outras em contratos que somam R$ 1,9 bilhão apenas no Estado de São Paulo.

No começo desse mês de agosto, a revista IstoÉ, em uma grande reportagem sobre o escândalo, revelou indícios de que o dinheiro das propinas da Alstom e da Siemens no setor metroferroviário de São Paulo ajudou a eleger os quatro últimos governadores de São Paulo. Muitos dos que foram acusados de receber propinas na reportagem da revista eram os mesmo citados pelas cartas do ex-executivo, incluindo o ex-diretor de operações da CPTM, José Luiz Lavorente, e o ex-diretor de operações do Metro de São Paulo, Décio Tambelli.

Novas revelações devem surgir da colaboração da Siemens com os investigadores brasileiros. Mas, os fatos têm mostrado que as acusações do ex-executivo têm fundamento. Ainda assim, Paulo Stark, chefe da subsidiária brasileira da Siemens, afirmou, em depoimento, que “desde 2007”, tem um “sistema de monitoramento para detectar, prevenir e remediar práticas ilícitas que possam ter sido adotadas, encorajadas ou toleradas por empregados ou executivos em qualquer lugar do mundo”.

sábado, 24 de agosto de 2013

Desvalorização do real frente ao dólar anima a indústria mineira


Bruno Porto do Hoje em Dia
valorização do dólar frente ao real deu novo fôlego à indústria mineira. Setores combalidos pelo atual ciclo econômico, como o cafeeiro, siderúrgico, de máquinas e equipamentos e têxtil melhoram suas perspectivas para o ano. Além de assegurar maior rentabilidade e competitividade às exportações, o dólar mais caro deve arrefecer a entrada de produtos importados.
Embora especialistas não apontem a forte valorização da moeda americana como uma tendência de novo patamar, o primeiro impacto da cotação mais alta é amplamente favorável.
Com a economia mineira fortemente baseada em setores exportadores, as condições de competição no mercado melhoram, mesmo que a curto prazo. “Haverá trégua da competição com importados e as exportações darão maior faturamento às empresas”, diz Alexandre Brito, consultor do Centro Internacional de Negócios da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).
O segmento mais beneficiado em um primeiro momento é a cafeicultura. De janeiro a julho deste ano, apesar de as exportações de café de Minas terem registrado alta de 17,9%, as receitas caíram 23,5%, somando US$ 1,7 bilhão, ante US$ 2,1 bilhões do mesmo período de 2012, em decorrência da queda de preços.
“O produtor vai respirar, e será bem compensado pelas perdas recentes. Mas o café arábica perdeu muito espaço no mercado internacional e foi significativamente substituído pelo robusta (ou conillon), que teve boa aceitação. Não é simples alterar esse quadro”, afirma Pedro Vilela, coordenador da assessoria técnica da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg).
A produção em Minas é majoritariamente de arábica, enquanto o Espírito Santo é o maior produtor de robusta.
Invasão

A invasão de produtos importados, que abocanha parcela significativa de mercado em setores como aço, têxtil e calçados, pode perder força com o dólar caro. “Pelos menos nos primeiros 60 dias, a porta vai fechar para os calçados importados. Depois, a situação pode mudar, porque trabalhamos com insumos como cola, borracha e óleo, que acompanham a cotação do dólar”, diz Pedro Gomes, presidente do Sindicato Intermunicipal das Indústrias de Calçados de Nova Serrana.

O otimismo da indústria, contudo, vai depender da manutenção ou não do câmbio no patamar de R$ 2,40 por dólar.

http://www.hojeemdia.com.br/noticias/economia-e-negocios/desvalorizac-o-do-real-frento-ao-dolar-anima-a-industria-mineira-1.160275

Distribuindo lixo nas escolas

Do tijolaco.com.br

Alckmin torra R$ 4 milhões com assinaturas de Veja, Folha e Estadão

24 de agosto de 2013 | 09:33
A direita sabe cuidar de si mesma. O governador Geraldo Alckmin distribuiu nas últimas semanas quase R$ 4 milhões em assinaturas da Veja, Folha e Estadão. E para quem? Para crianças das escolas públicas de São Paulo. Tudo sem licitação.
Sendo que o problema aqui, além da malversação do dinheiro público e incentivo à concentração da mídia, é também a disseminação, entre os jovens paulistas, de um jornalismo duvidoso, ultrapassado e, sobretudo, reacionário.

Lei da mídia democrática

Para construir um país mais democrático e desenvolvido precisamos avançar na garantia ao direito à comunicação para todos e todas. O que isso significa? Significa ampliar a liberdade de expressão, para termos mais diversidade e pluralidade na televisão e no rádio.

Ainda que a Constituição Federal proíba os oligopólios e os monopólios dos meios de comunicação, menos de dez famílias concentram empresas de jornais, revistas, rádios, TVs e sites de comunicação no país. Isso é um entrave para garantir a diversidade.

Pare e pense! Como o índio, o negro, as mulheres, os homossexuais, o povo do campo, as crianças, aparecem na televisão brasileira? Como os cidadãos das diversas regiões, com suas diferentes culturas, etnias e características são representados? A liberdade de expressão não deveria ser para todos e não apenas para os grupos que representam os interesses econômicos e sociais de uma elite dominante? Existem espaços para a produção e veiculação de conteúdos dos diversos segmentos da sociedade na mídia brasileira?

A concentração impede a circulação de ideias e pontos de vista diferentes. São anos de negação da pluralidade, décadas de imposição de comportamentos, de padrões de negação da diversidade do povo brasileiro. Além disso, a lei que orienta o serviço de comunicação completou 50 anos e não atende ao objetivo de ampliar a liberdade de expressão, muito menos está em sintonia com os desafios atuais da convergência tecnológica.

A Constituição de 1988 traz diretrizes importantes nesse sentido, mas não diz como alcançá-las, o que deveria ser feito por leis. Infelizmente, até hoje não houve iniciativa para regulamentar a Constituição, nem do Congresso Nacional, nem do governo.

Diante desse cenário, entidades da sociedade civil e do movimento social se organizaram para encaminhar um Projeto de Lei de Iniciativa Popular das Comunicações para regulamentar o que diz a Constituição em relação às rádios e televisões brasileiras. A marca de 1 milhão e trezentas mil assinaturas colocará o Projeto de Iniciativa Popular por Mídia Democrática em debate no Congresso Nacional!
Vamos mudar a história da comunicação brasileira levando às ruas o debate da democratização da comunicação.

Leia com atenção a proposta da sociedade civil que vai mudar o cenário das comunicações no país. Assine e divulgue aos seus familiares, amigos e até desconhecidos!
Nesta página você encontrará todo o material para divulgar a democratização da comunicação e também para coletar assinaturas para o projeto de lei. Panfleto, Formulário para coleta de assinaturas, o Projeto de Lei. Imprima, distribua e colete as assinaturas em seu Estado!


Boa luta para todos nós! 

Para apoiar o projeto, coletar assinaturas, etc., clique no link abaixo, está no final da página.
http://www.paraexpressaraliberdade.org.br/index.php/2013-04-30-15-58-11

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Em agosto, IPCA-15 fica em 0,16%

Como eu dizia, a inflação está bem comportada no segundo semestre. Não tem nada a ver com a elevação dos juros. A própria elevação dos preços sem aumento dos salários e o alto endividamento das famílias faz diminuir a renda disponível e a pressão nos preços.



O Chile não era um exemplo para o Brasil?

E o Chile só não está ruim socialmente porque a população lá é muito pequena. A economia é baseada na produção mineral e agrícola.


Do Valor
Indústria perde importância no PIB chileno
Por José Carlos Prado 
Há alguns anos, o ex-primeiro-ministro do Reino Unido Tony Blair perguntou à primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, qual era o segredo do êxito econômico do país dela. Como parte de sua famosa resposta, disse o seguinte: "Senhor Blair, nós ainda produzimos coisas". 
Uma das mais importantes do mundo, a indústria alemã permitiu ao país superar sem maiores problemas a mais recente crise econômica vivida pelo planeta. E no Chile?
De acordo com estudo encomendado pela Associação das Indústrias Metalúrgicas e Metalmecânicas (Asimet) do Chile, ao qual o "Diario Financiero" teve acesso exclusivo, a situação no país é diametralmente diferente: houve, diz a pesquisa, uma queda acentuada na participação em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e os altos custos das fontes de energia representam uma ameaça constante.
A indústria, que nos anos 70 representava 17% do PIB, no fim de 2012 encolheu para pouco mais de 10%, o equivalente a cerca de US$ 27 bilhões.
O informe compara a realidade chilena com a de países desenvolvidos e de emergentes, com a indústria do Chile ficando abaixo da média dos dois grupos, de 13,6% e 15,9%, respectivamente.
De fato, é justamente a Alemanha que lidera essa classificação, com sua indústria representando quase 20% do PIB. Ainda mais complicado é o que acontece com as empresas que se dedicam a processos metalúrgicos e a fabricar produtos metalmecânicos no Chile.
O documento da Asimet revela que elas atualmente respondem por apenas 2,4% do PIB chileno, o equivalente a US$ 6,2 bilhões. Na Alemanha, o setor alcança 15,8% do PIB, com uma alta relevância (84,3%) em relação à indústria como um todo.
No Chile, a porcentagem é três vezes menor, de apenas 23,5%. Para o presidente da Asimet, Gastón Lewin, o Estado tem um papel importante a desempenhar, em especial, para determinar um marco regulatório no qual os empresários industriais possam atuar.
"Nós temos que avançar nas políticas públicas de longo prazo no país, conseguir um grande pacto entre os setores privados e o público, que permita seguir adiante nessa direção", afirmou o líder setorial. Da mesma forma que o resto da economia chilena, a indústria - particularmente a representada pela Asimet - viu seus custos de produção aumentarem, afetados pelos altos preços das fontes de energia, entre outros motivos.

Esse custo transformou-se em uma ameaça cada vez maior para o setor e o deixa em posição de desvantagem diante de seus concorrentes mais diretos. De acordo com dados do setor, o Chile é o país com os maiores custos de energia em toda a região. Em junho, o preço médio no mercado à vista foi de US$ 137,54 por MWh, enquanto no Peru foi de US$ 24,94. Além disso, fontes do mercado garantem que nos próximos meses vão começar a ser negociados contratos com tarifas que poderiam subir 40% em relação aos valores atuais.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

43% dos brasileiros não se identificam com a programação da TV

Daniel Mello
Repórter da Agência Brasil
São Paulo – A televisão é assistida diariamente por 82% dos brasileiros, mas 43% da população não se reconhecem na programação difundida pelo veículo e 25% se veem retratados negativamente. Apenas 32% se sentem representados positivamente. Os dados são da pesquisa de opinião pública Democratização da Mídia, lançada hoje (16) pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT. Para o estudo foram feitas 2,4 mil entrevistas domiciliares em zonas rurais e urbanas de 120 municípios, entre 20 de abril e 6 de maio deste ano.

Quase um terço dos entrevistados (29%) disse que nunca vê a defesa de seus interesses na televisão, enquanto que para 55% essa defesa ocorre de vez em quando. Em relação às mulheres, 17% acha que quase sempre são tratadas com desrespeito na programação, problema que ocorre eventualmente para 47% dos entrevistados. O tratamento dos nordestinos também recebeu avaliação semelhante, sendo que foi considerado quase sempre desrespeitoso para 19% e só às vezes para 44%. Sobre a população negra os percentuais foram de 17% e 49%, respectivamente.

De acordo com o estudo, a maioria da população (61%) acha que a TV concede mais espaço para o ponto de vista dos empresários do que dos trabalhadores (18%). Para 35% dos brasileiros, os meios de comunicação, não só a televisão, defende principalmente os interesses dos próprios donos. Na opinião de 32%, a versão que prevalece na mídia é a dos que têm mais dinheiro e para 21% é o interesse dos políticos que é mais defendido pelos meios. Apenas 8% avaliaram que os meios de comunicação estão prioritariamente ao lado da maioria da população.


A maioria dos entrevistados (71%) é favorável a que a programação televisiva tenha mais regras. Para 16%, as regras atuais são suficientes para disciplinar o conteúdo e 10% disse que é preciso reduzir o número de normas. Na opinião de 54%, não deveriam ser exibidos conteúdos de violência ou humilhação de homossexuais ou negros. Para 40% da população, esse tipo de programação pode ser aceita sob determinadas regras. Percentual semelhante ao humor que ridicularizam pessoas, 50% são contra a exibição desse conteúdo e 43% admite desde que normatizado.

Entenda como começou a gatunagem tucana na CPTM (Cia Paulista de Trens Metropolitanos)

A gatunagem na manutenção e compra de equipamentos no Metrô e na CPTM começou em 1997 no governo Mário Covas e seguiu com Serra e Alckmin. CPIs e processos engavetados, controle quase total da Assembléia Legislativa e intenso apoio da mídia. As denúncias são antigas, mas não saem no Jornal Nacional, nem no Fantástico. Quando muito saem numa página interna da Folha ou do Estadão, uma vez só.
As últimas denúncias a partir da investigação do CADE só apareceram no JN depois de mais de um mês que saiu na Isto É. E só saiu porque já era de conhecimento geral da galera conectada.

Leia a matéria do Diário do Centro do Mundo.

“A CPTM virou um balcão de negócios do governo tucano” 

Joaquim de Carvalho
Como a estatal paulista ficou refém de gigantes como Siemens e Alstom.

Trem da Alstom comprado em 2010 e até hoje não usado

Trem da Alstom comprado em 2010 e até hoje não usado


Enquanto a imprensa divulga a formação de cartel para o fornecimento de equipamentos e serviços para as empresas do chamado sistema metro-ferroviário do Estado de São Paulo, a estatal paulista CPTM saiu às compras, com dinheiro do contribuinte.

No dia 3 de julho de 2013, o Diário Oficial do Estado publicou o aviso de homologação da concorrência número 8085132011. Com esta publicação, sabe-se que a CPTM comprará de dois consórcios internacionais 65 trens pelo valor de R$ 1,8 bilhão.

Esta é uma das maiores compras da história da empresa que nasceu da fusão das estatais Fepasa, paulista, e CBTU, federal, em 1992, no rastro de um programa que o governo do então presidente Fernando Collor chamava genericamente de enxugamento da máquina pública. Ao contrário do que ocorreu com outras empresas públicas, a CPTM ficou sob controle do governo do Estado. “Não foi privatizada, mas quem dá as cartas são empresas privadas e, pior, gigantes estrangeiras”, diz Rogério Centofanti, psicólogo de formação, assessor do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona Sorocabana, que atua nesta área há mais de 30 anos. “É como se o estado fosse o dono da vaca, mas quem mama são empresas como a Siemens, a Alston e a CAF”, acrescenta Éverson Craveiro, presidente do Sindicato.

Essa simbiose começou em 1997, quando, sob administração de Mário Covas, o governo do estado aceitou a doação de 48 trens da Renfe, a estatal espanhola de trens. Segundo Craveiro, foi um presente de grego. “Os trens tinham ar condicionado e música ambiente, mas, para os padrões europeus, não serviam mais, iriam virar sucata”, conta o presidente do Sindicato.

Mas, como na história de Troia, os inimigos estavam ocultos. Logo veio a conta. No acordo de doação, o governo do estado concordou com uma cláusula de exclusividade: a reforma dos trens caberia à Renfe. E havia necessidade de reforma.

O estado gastou, segundo Craveiro, quase o mesmo que o valor de um trem novo. E permitiu a entrada de empresas estrangeiras ao pátio da ferrovia paulista, até então ocupada majoritariamente por empresas nacionais, entre as quais despontava a Mafersa.

O próprio Craveiro denunciou o caso à Justiça, através de uma ação popular, que foi arquivada em razão da existência de outro processo parecido, só que assinada por um deputado, Caldini Crespo, hoje no DEM.
Caldini Crespo tinha uma ação contra o estado, mas estranhamente, durante anos, exerceu influência política na CPTM e no Metrô, nomeando afilhados para a diretoria das duas empresas. Depois de disputar duas vezes a prefeitura de Sorocaba, berço da ferrovia, Crespo saiu de cena sem conseguir se eleger, apesar das campanhas milionárias.

O processo dele contra o estado também deu em nada, assim uma investigação aberta na época pelo Tribunal de Contas do Estado, que hoje tem entre seus conselheiros Robson Marinho, ex-chefe da Casa Civil do governo Covas e denunciado pela justiça suíça como titular de uma conta usada para receber propinas da Alstom.

“A CPTM se tornou um balcão de negócios do governo tucano”, diz Centofanti, antes de entrar em detalhas da compra mais recente, a de R$ 1,8 bilhão. No edital, a CPTM avaliou em R$ 23,7 milhões o preço de um trem, mas a proposta mais barata foi de R$ 26,2 milhões, oferecido pelo consórcio IESA/Hyundai.
Era um preço superior ao de referência, mas o menor entre três propostas apresentadas. Mesmo assim, o consórcio vendeu apenas trinta dos 65 trens encomendados pela CPTM. A maior parte – 35 trens — foi para o consórcio da espanhola CAF com a francesa Alstom, que cobrará R$ 28,9 milhões por trem.

Se não tivesse dividido a licitação em dois lotes, a CPTM —  com dinheiro do contribuinte paulista, repita-se –, compraria todos os trens por cerca de R$ 1,5 bilhão. Mas, em razão das estranhas regras do edital, a conta sairá por R$ 1,8 bilhão. Para onde vai essa diferença de R$ 300 milhões?

A IESA/Hyundai poderia ter ficado com toda a encomenda, já que participou da licitação nos dois lotes. Curioso é que em um, o de trinta trens, ela apresentou um preço mais baixo, e ficou em primeiro lugar. No outro, o de 35 trens, ela apresentou um preço mais alto do que a CAF/Alstom, ficando em segundo lugar.
É um indício de que houve acerto entre as empresas, mas a CPTM, comandada pelo governo do Estado de São Paulo, em vez de suspender a compra por suspeita de cartel, homologou a licitação assim mesmo.

Escandaloso também é que, há três anos, a CPTM, com dinheiro do contribuinte paulista, comprou nove trens da Alstom por um preço ainda mais alto: R$ 31,6 milhões cada um. Segundo o sindicato, esses trens ainda não rodaram, por não estarem adaptados para a obsoleta linha férrea da Grande São Paulo. Estão no pátio da estação Presidente Altino, onde, até alguns meses atrás, o sindicato ocupava um pequeno prédio. Foi despejado de lá depois das denúncias feitas por Craveiro.

Entre outras coisas, ele dizia que os trens estrangeiros que o estado compra não servem para as linhas da CPTM. “É necessário fazer obras de infraestrutura. Quando colocamos esses trens para rodar, é como se colocássemos um motor de Ferrari num Fusquinha. Dá pau. Esta é a razão de tantas panes e acidentes no sistema”, diz Craveiro.

Na última sessão da CPI do Transporte realizada na Câmara Municipal de São Paulo, uma burocrata do governo do Estado, Rosimeire Salgado, coordenadora de Transportes Coletivos da Secretaria de Transportes Metropolitanos, em cujo guarda-chuva se abriga a CPTM, admitiu que a empresa precisa de maior capacidade de energia para fazer rodar os trens adequadamente. Para isso, é necessário fazer obras, mas são obras civis e de engenharia, atividades fora do catálogo das gigantes Alstom, Siemens e CAF.

Rosimeire atribuiu à falta de recursos o fato de não terem sido realizadas essas obras de adaptação das linhas da CPTM – esta é uma das razões pelas quais os trens aqui sacodem mais do que pipoca na panela, enquanto na Europa deslizam como patins sobre o gelo. “São R$ 66 milhões para obras de manutenção”, disse Rosimeire. Pode ser pouco em relação ao montante que se gasta para trazer os trens estrangeiros, mas é o suficiente para fazer a alegria de empresas que andam entre as penas das gigantes.

É o caso da Tejofran, que até a chegada do PSDB ao governo do estado só fazia serviço de faxina em prédios públicos. Hoje, um de seus negócios mais prósperos é o de manutenção de trens. Trens da CPTM.
A Tejofran pertence a Antônio Dias Felipe, o Português. Quando era governador, Covas ficava bravo quando os jornalistas lhe perguntavam sobre a sua amizade com o Português e a relacionava aos contratos da Tejofran no governo.

Eram contratos em que a Tejofran entrava com faxineira e vassoura, e o estado com o dinheiro. Além da limpeza, a Tejofran agora, depois de quase vinte anos de governo do PSDB, empunha alicate e chave de fenda, para serviços mais complexos das ferrovias e, portanto, mais caros. Mas continua sendo difícil questionar o governo do Estado sobre a Tejofran.

Na reunião da CPI do Transporte da Câmara Municipal, o filho de Mário Covas, o vereador Zuzinha, acompanhou tudo. Ele não é membro da comissão, mas se sentou numa cadeira perto e olhava para os vereadores encarregados de questionar os burocratas do Estado.

A Tejofran não foi citada uma única vez. Coincidência ou não, Zuzinha é afilhado do Português. Foi na Tejofran que ele começou sua carreira profissional, formalmente contratado como advogado. Português foi padrinho de seu casamento. “Está na hora de fazer uma faxina nessas relações promíscuas. Alguém ganha com isso, e não é o passageiro, que paga caro por um serviço ruim”, diz Centofanti, o Sancho Pança da luta pela moralização da estatal.

A última da cruzada dele e de Craveiro, o Dom Quixote: juntaram outros sindicatos para formar a Associação dos Usuários de Trens de São Paulo. Vem mais denúncia por aí. Mas quem se importa?

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/exclusivo-a-cptm-virou-um-balcao-de-negocios-do-governo-tucano/

domingo, 18 de agosto de 2013

Pesquisa aponta que 70% dos brasileiros querem regulação da mídia

Da Rede Brasil Atual

São Paulo – Sete em cada dez brasileiros querem mais regras para o conteúdo da programação veiculada na tevê, revela uma pesquisa divulgada hoje (16) em São Paulo pela Fundação Perseu Abramo (FPA), entidade ligada ao Partido dos Trabalhadores. E 46% da população é favorável a que essa regulamentação seja definida e fiscalizada através do chamado “controle social”, por um “órgão ou conselho que represente a sociedade”.

O estudo entrevistou 2.400 pessoas em 120 municípios do país, entre abril e maio, para mapear a percepção dos brasileiros sobre os meios de comunicação, além de formular perguntas relativas ao grau de concentração das emissoras, regime de concessões, penetração da internet, neutralidade da cobertura da imprensa e representação dos setores da sociedade na mídia. A margem de erro oscila entre 2 e 5 pontos percentuais.

A FPA detectou que a televisão continua sendo uma preferência nacional: 94% dos brasileiros cultivam o hábito de assistir tevê e 82% recorre à telinha diariamente. Mais que isso: quase 90% das pessoas usam a tevê para se informar sobre o que acontece no mundo. O rádio aparece em segundo lugar no gosto popular, atingindo 79% da população. A internet surge na terceira colocação, ao lado dos jornais impressos: 43% afirmam ter acesso à rede. Dessa parcela, 38% usam o Facebook e 25% o Google.

Quanto aos jornais, a maioria das pessoas que afirma lê-los (46%) recorre a títulos locais ou regionais. Depois deles, o periódico mais lido no país é o Extra, seguido pelo Super e pelo Diário Gaúcho. Entre as revistas, a Veja se mantém na primeira colocação, à frente de IstoÉÉpoca e Caras.

“Apesar de todo o crescimento da internet, a radiodifusão ainda tem um poder de influência estrondoso”, observa Pedro Ekman, membro do Coletivo Intervozes, durante o lançamento da pesquisa.

Empresas
“Esse país só será democrático quando nos intervalos da programação for informado que as emissoras são concessões públicas, e que as concessões públicas têm começo e fim”, ressalta Laurindo Leal Filho, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), comentando outro dado da pesquisa: cerca de 70% dos brasileiros não sabem que os canais de tevê aberta pertencem ao Estado e 60% acreditam que as emissoras são empresas privadas como “qualquer outro negócio”.

A população tampouco sabe que os meios de comunicação estão concentrados nas mãos de alguns poucos grupos familiares.

“Mais da metade acredita que o número de grupos privados que controla as emissoras é  grande”, diz o estudo, “para 25% é médio e apenas 12% avaliam que é pequeno.” Porém, quando informados de que “a maior parte da mídia no Brasil é controlada por cerca de dez famílias”, 40% dos entrevistados avaliaram que isso é “ruim para o país”. Para 23%, é bom.

“Mesmo que as pessoas não saibam que os canais de tevê são concessões públicas, elas acham que as comunicações precisam de mais regras”, continua Ekman, cujas apreciações encontram eco nas opiniões do presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Altamiro Borges.

“Temos que fazer com que as emissoras informem os espectadores que operam concessões públicas. Deveria ser obrigatório”, argumenta. “O governo também deveria dar publicidade à existência da concentração midiática. As pessoas avaliam que as afiliadas da Globo espalhadas pelo país, por exemplo, são empresas à parte. Mas elas retransmitem conteúdo.”

Desafios
Para Altamiro Borges, o nível de desconhecimento sobre concentração midiática e concessões públicas “deixa os filhos do Marinho dormirem sossegados” e apresentam dificuldades para as organizações que lutam pela aprovação de uma lei para democratizar as comunicações do país.

“Mas outros dados podem provocar um baita pesadelo para eles: a população está descontente com a programação. E as pessoas sabem que a mídia defende o interesse dos donos das emissoras e das elites do país, e que os jornalistas não têm autonomia para trabalhar.”

A FPA detectou que 35% dos brasileiros entendem que os meios de comunicação defendem os interesses de seus proprietários; 32%, os interesses dos que têm mais dinheiro; e 21%, dos políticos. Apenas 8% acha que a mídia está a serviço da população.

Quanto à programação, 43% afirmam não se reconhecerem na telinha e 23% sentem que são retratados com negatividade. Mais da metade avalia que a tevê costuma tratar mulheres, negros e nordestinos com desrespeito. E 61% acredita que os empresários têm mais espaço do que os trabalhadores.

Laurindo Leal Filho afirma que a pesquisa será um divisor de águas na discussão política e acadêmica sobre a democratização da comunicação.

“Teremos um antes e um depois desse estudo”, decreta o professor da ECA-USP. “Agora temos dados concretos."

Altamiro Borges avalia que cabe agora aos movimentos sociais encontrar a melhor maneira de se apropriar dessas informações para trabalhar em prol da democratização. “Estamos saindo do achismo.”


Pedro Ekman, do Coletivo Intervozes, complementa: “Essa pesquisa é um instrumento muito importante. Agora a gente começa a ter bases mais sólidas para o debate público.”

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Barroso: ‘É questionável dizer que mensalão foi maior escândalo do País’

Supremo iniciou nesta quarta-feira, 14, análise dos recursos de advogados dos condenados e o ministro novato, que será o relator do chamado ‘mensalão mineiro’ - que atinge o PSDB -, foi o destaque da sessão ao afirmar que corrupção não pode ser politizada

Eduardo Bresciani, Felipe Recondo e Mariângela Gallucci
Do Estadão
http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,barroso-e-questionavel-dizer-que-mensalao-foi-maior-escandalo-do-pais,1064062,0.htm

BRASÍLIA - Em sua estreia no julgamento do mensalão, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso afirmou que a corrupção não pode ser politizada, descolando, desta forma, o esquema ocorrido em 2005 do PT. "Não existe corrupção do PT, do PSDB ou do PMDB. Existe corrupção. Não há corrupção melhor ou pior, dos ‘nossos’ ou dos ‘deles’. Não há corrupção do bem. A corrupção é um mal em si e não deve ser politizada", disse o ministro Barroso em seu voto, tornando-se o destaque da sessão que retomou o julgamento ao analisar recursos dos condenados.

Ao embasar seu voto, Barroso comparou o mensalão - inclusive os valores envolvidos - a outros escândalos de desvios de recursos públicos. E afirmou que a lista de casos recentes de envolvimento de políticos em esquemas de corrupção é uma consequência do modelo político eleitoral brasileiro. O ministro será o relator do chamado "mensalão mineiro", que atinge políticos do PSDB, no STF.

Barroso destacou o rigor do STF no caso. Ao ser sabatinado pelo Senado após sua indicação para uma vaga no STF no fim de maio, o ministro já havia afirmado que o mensalão foi um "ponto fora da curva", pois o Supremo "endureceu" a jurisprudência ao analisar a ação penal.

Ontem, Barroso retomou a polêmica: "É no mínimo questionável a afirmação de se tratar do maior escândalo político da história do País. Talvez o que se possa afirmar, sem margem de erro, é que foi o mais investigado de todos, seja pelo Ministério Público, pelo Polícia Federal ou pela imprensa. Assim como foi, também, o que teve a resposta mais contundente do Poder Judiciário".

Comparações. O ministro novato lembrou que a estimativa de desvios no esquema do mensalão chegou a R$ 150 milhões. E nominou outros casos recentes. Citou a CPI dos Anões do Orçamento, em 1993, com "desvio bilionário" de recursos de emendas parlamentares, o caso dos precatórios, de 1997, com "perda de alguns bilhões para a Fazenda Pública", a construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, de 1999, com "desvios de muitas dezenas de milhões" e o escândalo do Banestado, em 2003, com a "remessa fraudulenta para o exterior de mais de R$ 2 bilhões".

Reforma política. A solução para coibir a repetição de casos como esses seria, na visão de Barroso, a aprovação de uma reforma política, proposta defendida pela presidente Dilma Rousseff após as manifestações de rua em junho. "A imensa energia jurisdicional despendida no julgamento da AP 470 (mensalão) terá sido em vão se não forem tomadas providências urgentes de reforma do modelo político, tanto do sistema eleitoral quanto do sistema partidário. Sem reforma política, tudo continuará como sempre foi. A distinção será apenas entre os que foram pegos e outros tantos que não foram", afirmou.

Revisão de penas. O plenário do STF permitiu aos ministros que votaram pela absolvição de réus na primeira fase do julgamento do mensalão analisar, nesta segunda fase, os recursos movidos por advogados contra o cálculo das penas (o que pode ocorrer na análise dos embargos de declaração ou nos infringentes). A decisão abre brecha para que a Corte reduza as punições impostas aos 25 condenados por envolvimento no esquema, inclusive o ex-ministro José Dirceu, condenado a 10 anos e 10 meses de prisão por corrupção ativa e formação de quadrilha.

Nesta segunda fase, os ministros que absolveram réus não poderão aplicar a pena livremente, mas interferir nos critérios que levaram à punição. Ou seja, não poderão alterar a pena em seus votos, mas opinar sobre agravantes ou atenuantes usados para o cálculo da mesma.


A decisão teve como pano de fundo discussão entre o presidente Joaquim Barbosa e o ministro Dias Toffoli. No debate sobre a multa aplicada a Emerson Palmieri (tesoureiro do PTB), o presidente disse que o voto do colega não poderia avançar ao mérito. "Meu voto está numa camisa de força", ironizou Toffoli. "Vote de maneira séria", disse Barbosa. "Presida de maneira séria" revidou Toffoli.

Na linha de defesa

Veja abaixo matéria de O Globo defendendo os tucanos. Dizem que é normal a formação de carteis no setor de equipamentos elétricos e que o PT está usando o fato politicamente.

https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2013/8/9/a-denuncia-do-cartel-e-a-etica-na-politica

A blindagem tucana

Paulo Moreira Leite
http://istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/318572_A+BLINDAGEM+TUCANA

Ainda é cedo para procurar equivalências entre o esquema financeiro que deu origem ao mensalão petista e o esquema que está por trás dos negócios sombrios que envolvem duas décadas de gestão tucana em São Paulo.

O que já se pode assegurar é que em matéria de autoproteção o esquema tucano mostrou-se muito mais eficiente.
A blindagem tucana era tão bem sucedida que só foi vencida por uma multinacional alemã, a Siemens, que tomou a decisão de pedir um acordo de leniência junto às autoridades brasileiras, confessando duas décadas de práticas condenáveis, apresentando nomes, cargos e endereços.
Foi essa iniciativa, que envolve uma das maiores empresas do mundo, que mudou a história.
As primeiras denuncias sobre o propinoduto tucano remetem a 1998 e, como se vê, jamais foram apuradas nem investigadas como se deveria. Adormeceram em inquéritos que não esclareceram todas as provas e indícios. A imprensa nunca mostrou o mesmo apetite para explicar o que acontecia.
Se há algo realmente novo a ser apurado hoje consiste em perguntar por que havia tantos indícios e pouco se investigou, ao contrário do que se fez no mensalão petista.
Num país que hoje debate até erros e possíveis abusos ocorridos no julgamento do mensalão, que traiam a vontade de punir os acusados de qualquer maneira, ninguém irá acusar o procurador Antônio Carlos Fernandes, nem seu sucessor Roberto Gurgel nem o relator Joaquim Barbosa de fazer corpo mole, certo?
A recíproca não é  verdadeira.
Mesmo reportagens pioneiras sobre o propinoduto, como a de Gilberto Nascimento, que em 2009 mostrou tanta coisa que hoje deixa tanta gente boquiaberta em relação ao PSDB paulista, não causaram ruído nem preocupação. Neste período, denuncias parciais sobre o caso entravam e saíam dos jornais, de forma esporádica e superficial.
A situação se modificou quando ISTOÉ permaneceu duas semanas consecutivas nas bancas, com duas capas dedicadas ao assunto. As reportagens de Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sergio Pardellas trouxeram revelações importantíssimas e consolidadas sobre as entranhas do cartel de empresas que administrava o esquema.
ISTOÉ  faz muito bem em lembrar, na edição que acaba de chega às bancas,  a existência de dezenas de inquéritos e investigações iniciadas e encerradas sem maiores consequências. A revista mostra que ninguém pode alegar que não sabia de nada.
O dado político  é simples. Se o mensalão petista tivesse sido apurado e investigado no mesmo ritmo do propinoduto tucano, que levou quinze anos para ganhar a estatura atual, apenas em 2020 teríamos uma CPI para ouvir as denúncias de Roberto Jefferson. Em vez de ser retirado à força da Casa Civil, José Dirceu quem sabe tivesse sido promovido a candidato presidencial, em 2010, e em 2013, como sonhavam tantos petistas, pudesse estar sentado na cadeira de Dilma Rousseff. Ou talvez Lula tivesse escolhido Antonio Palocci como sucessor.
Em qualquer caso, a palavra mensalão ainda não faria parte do vocabulário dos brasileiros. Joaquim Barbosa até poderia ter virado ministro do Supremo – afinal, desde a posse Lula queria colocar um ministro negro no STF  – mas dificilmente teria acumulado tanta popularidade em função de um julgamento que talvez só fosse ocorrer, quem sabe, em 2027.
Seguindo nessa pequena ficção científica, também seria curioso perguntar quais, entre os líderes do PSDB, quais teriam  sido levados ao banco dos réus.
Teriam direito a um julgamento isento ou teríamos aplicado a teoria do domínio do fato? Ou, a exemplo do mensalão PSDB-MG, teriam sido todos levados a um tribunal de primeira instância? Os juízes se divertiriam fazendo piadinhas sobre os tucanos e seus discursos éticos?
Basta colocar rostos e nomes nos dois escândalos para compreender  que nunca teriam o mesmo desfecho, certo?
Até agora, nem a Assembléia Legislativa nem o Congresso conseguiram assinaturas para abrir uma CPI. É um recorde, quando se lembra que, entre 2005 e 2006, funcionavam três CPIs para tratar do mensalão.
O governador Geraldo Alckmin decidiu montar uma comissão para acompanhar as investigações. Imagine se Lula tivesse feito a mesma coisa, em 2005. No mínimo teria sido acusado de usar o “aparelho petista” para influenciar os trabalhos do Congresso e da Justiça, certo?
A semelhança entre os escândalos não se encontra nos personagens, nem em seus compromissos políticos.
A semelhança reside no caráter do Estado brasileiro, na sua fraqueza para se proteger de interesses privados que procuram alugar e controlar o poder político.
É um drama que está na origem do mensalão petista e ajuda a entender a prolongada e impune existência do propinoduto tucano.
Depois de ensinar que a história ocorre uma vez como tragédia e uma segunda, como farsa, Karl Marx nos lembrou que os homens não atuam sob condições ideais, que aprendem nos livros de boas maneiras nem nos cursos de civismo, mas atuam sob condições dadas, que herdaram de seus antepassados.
O discurso moralista gosta de atribuir a corrupção à falta de escrúpulos de nossos políticos, o que é uma visão ingênua e perigosa.
Não há dúvida de que pessoas inescrupulosas podem enriquecer com o dinheiro dos esquemas políticos. (Também há pessoas inescrupulosas que enriquecem na iniciativa privada, na próxima esquina, no primeiro botequim e até em aniversário de criança, vamos combinar).
Mas o dinheiro dos partidos, que circulou nos dois casos, é fruto da natureza distorcida e abrutalhada de nosso regime político, onde a democracia foi acompanhada por uma libertinagem de alta tolerância nas regras financeiras, sob medida para que o Estado pudesse ser capturado e alugado pelas potencias privadas.
Numa sociologia rápida, pode-se dizer que, com o fim da ditadura militar,  a turma do alto da pirâmide passou a utilizar o sistema privado de financiamento de campanha como um contrapeso para enfrentar demandas populares.
Num regime democrático, a questão social não pode ser um caso de cadeira de dragão no DOI-CODI, não é mesmo? Tenta-se, então, amaciar o pessoal de cima.
É por isso, e não por outra coisa, que sempre se tratou com palavras de horror fingido todo esforço para regulamentar verbas de campanha e mesmo para impedir que eleitores de R$ 1 bilhão de votos pudessem se impor sobre um regime que, no papel, prevê a regra de que l homem = 1 voto.
Neste aspecto, as confissões dos executivos da Siemens contém ensinamentos úteis a todos.
Um dos mais preciosos é o diário de um gerente, que detalha as negociações para a construção da linha 5 do metrô paulista. Fica claro, ali, que as empresas privadas são senhoras da situação. Negociam acordos, partilham obras, serviços e, é claro, verbas. Interessado no metrô, uma obra mais do que necessária, tanto para a população como para seus planos políticos, o governo – o titular, na época, era Mário Covas – está reduzido a impotência absoluta.
Não tem força política para impor aquilo que a lei manda, que é a concorrência impessoal e absoluta entre as partes. Não lhe passa pela cabeça denunciar suas práticas à Justiça.
Em tempos de privatização acelerada, novidade que o PSDB ajudava a trazer ao país na época, junto com controles de gastos que proibiam qualquer gasto  maior, não se cogita a possibilidade de entregar um investimento tão grandioso ao Estado.
Nessa situação o governo é forçado a ceder ao cartel de falsos concorrentes e adversários de araque, sob o risco de enfrentar ações judiciais, protestos e investigações que irão paralisar os investimentos.
É assim que o governador, chamado de “cliente” no diário, manda dizer que quer que “eles se entendam”. O “cliente” também avisa que após o acordo entre os concorrentes, irá recusar reclamações e queixas futuras.
Num artigo sobre o caso, a colunista Maria Cristina Fernandes, do Valor, recorda que, com o passar dos anos, os governos petistas também fizeram a mesma coisa, instalando no ministério dos Transportes – armazém de gastos de vulto -- partidos com “notória especialização nos contratos da política.”
Essa situação cinzenta tem uma finalidade. Quer-se impedir o surgimento de novos entraves a investimentos necessários ao país.
Bobagem querer enxergar o que se passa nos bastidores  com olhares simplórios do simples moralismo.
O país necessita de investimentos para criar empregos e se desenvolver. As obras de infraestrutura, como metrô, se destinam a superar uma omissão histórica. A questão é política e envolve a definição de regras que permitam a democracia brasileira recuperar sua soberania, mantendo o dinheiro dos interesses privados longe da política e dos políticos. Seu lugar é a economia e não o Estado.
Nós sabemos que a necessidade de uma reforma política é apoiada por 85% dos brasileiros. Ela pode proibir o uso de dinheiro privado no financiamento político, cortando o laço material que se encontra na origem de tudo. Um escândalo desse tamanho pode ser de grande utilidade neste debate.
Quem dizia que o debate sobre reforma eleitoral era desculpa do adversário  tem a oportunidade de assumir uma postura honesta e encarar a discussão. Não se trata de uma guerra de propineiros x mensaleiros mas de um esforço para emancipar a democracia de outros interesses além da soberania popular.