quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Ladislau Dowbor: R$ 400 bi para o pagamento de juros. Veja quem realmente quebrou o Estado brasileiro

http://www.viomundo.com.br/politica/ladislau-dowbor-r-400-bi-para-o-pagamento-de-juros-veja-quem-realmente-quebrou-o-estado-brasileiro.html



26 de dezembro de 2016 às 22h08
  
Captura de Tela 2016-12-26 às 22.07.38
Ladislau: quem quebrou o Estado brasileiro
Examine os números: gasto social é moderado, enquanto pagamento de juros explode. País entra em crise — e governo mantém justamente as despesas mais devastadoras
Você provavelmente se sente perplexo frente à situação econômica do país. Está em boa companhia.
Quem é que entende de resultado primário, de ajuste fiscal e outros termos que povoaram os nossos noticiários?
A imensa maioria balança a cabeça de maneira entendida, e faz de conta.
Pois vejam que realmente não é complicado entender, é só trocar em miúdos. E com isso o rombo fica claro.
Aqui vai a conta explicitada, não precisa ser economista ou banqueiro. E usaremos os dados do Banco Central, a partir da tabela original, pois confiabilidade, nesta era melindrada, é fundamental. Para ver os dados no próprio BC, é só clicar aqui.
A política econômica do governo atual está baseada numa imensa farsa: a de que as políticas redistributivas da era progressista quebraram o país enquanto o novo poder, com banqueiros no controle do dinheiro, iriam reconstruí-lo.
Segundo o conto, como uma boa dona de casa, vão ensinar responsabilidade, gastar apenas o que se ganha.
A grande realidade é que são os juros extorquidos pelos banqueiros que geraram o rombo. A boa dona de casa que nos governa se juntou aos banqueiros e está aumentando o déficit.
Os dados publicados pelo Banco Central mostram a imagem real do que está acontecendo.
A tabela, tal como aparece no site do Banco Central, parece complexa, mas é de leitura simples.
Na linha IX, Resultado primário do governo central é possível acompanhar a evolução dos números.
O resultado primário é a conta básica de quanto o governo recolheu com os impostos e acabou gastando nas suas atividades, propriamente de governo, investindo em educação, saúde, segurança etc — ou seja, em políticas públicas.
Quando se diz que o governo deve ser responsável, não gastar mais do que ganha, é disto que estamos falando. Confira a tabela abaixo, extraída da tabela principal: trata-se apenas de melhorar a legibilidade.
Captura de Tela 2016-12-26 às 21.51.27
No caso, houve um superávit nos anos 2010 até 2013 (gastou menos do que arrecadou) e um déficit insignificante de 20 bilhões em 2014, e moderado em 2015, 116 bilhões de reais, 2% do PIB, perfeitamente normal.
Na União Europeia, por exemplo, um déficit de até 3% do PIB é considerado normal, com variações entre um ano e outro.
Ou seja, fica claro, note-se que ao contrário do que dizem os gastos com as políticas públicas não causaram nenhum “rombo” como tem sido qualificado.
A linha seguinte da tabela, X – Juros Nominais, dá a chave da quebra e da recessão. Os juros nominais representam o volume de recursos que o governo gastou com os juros sobre a dívida pública.
Esta é a caixa preta que trava a economia na dimensão pública.
Trata-se da parte dos nossos impostos que em vez de servirem para infraestruturas e políticas sociais, são transferidos para os bancos e outros intermediários financeiros, além de um volume pequeno de aplicadores individuais no tesouro direto.
Estes em boa parte reaplicam os resultados, aumentando o volume de recursos apropriados.
A dívida pública é normal em inúmeros países, assegurando aplicações financeiras com risco zero e liquidez total, e por isto pagando em geral na faixa de 0,5% ao ano, nos mais variados países, inclusive evidentemente nos EUA e União Europeia.
Não é para aplicar e ficar rico, é para ter o dinheiro seguro enquanto se busca em que investir.
No Brasil, o sistema foi criado em julho de 1996, pagando uma taxa Selic fantástica de mais de 15% já descontada a inflação.
Instituiu-se assim por lei um sistema de transferência de recursos públicos para os bancos e outros aplicadores financeiros.
Com juros deste porte, rapidamente o governo ficou apenas rolando a dívida, pagando o que conseguia de juros, enquanto o que não conseguia pagar aumentava o estoque da dívida.
Nada que qualquer família brasileira não tenha conhecido quando pega dívida para saldar outra dívida.
O processo vira, obviamente, uma bola de neve.
Em 2003 Lula assume com uma taxa Selic pagando 24,5%, quando a inflação estava em 6%.
Importante notar que são lucros gigantescos para os bancos e os rentistas em geral, sem nenhuma atividade produtiva correspondente. E nenhum benefício para o governo ou a população, pois o governo, com este nível de juros, apenas rola a dívida.
O sistema é absolutamente inviável a prazo. E ilegítimo, pois se trata de ganhos sem contrapartida produtiva, gerando uma contração econômica.
Na passagem de 2012 para 2013, o governo Dilma passa a reduzir progressivamente a taxa de juros sobre a dívida pública, chegando ao nível de 7,25% ao ano, para uma inflação de 5,9%, aproximando-se das taxas praticadas na quase totalidade dos países.
Isto gerou uma revolta por parte dos bancos e por parte dos rentistas em geral.
Por que tantos países mantêm uma taxa de juros sobre a dívida pública da ordem de 0,5% ou menos?
Porque um juro baixo sobre a dívida pública estimula os donos dos recursos financeiros a buscar outras aplicações mais rentáveis, em particular investimentos produtivos, que geram ganhos mas fomentando a economia.
Aqui, estimulou-se o contrário: para que um empresário se arriscar em investimentos produtivos se aplicar na dívida pública rende mais?
A revolta dos banqueiros e outros rentistas levou a uma convergência com outras insatisfações, inclusive oportunismos políticos, provocando os grandes movimentos de 2013.
E com um legislativo eleito pelo dinheiro das corporações, atacou-se na mídia qualquer tentativa de reduzir os juros e resgatar a política econômica do governo.
Futuros candidatos também viram aí brechas oportunas.
O governo recuou, iniciando um novo ciclo de elevação da taxa Selic, reconstituindo a bonança de lucros sem produção, essencialmente para bancos e outros rentistas.
Difícil dizer o que causou o recuo do governo.
O fato é que desde meados de 2013 instalou-se a guerra política e o boicote, e não houve praticamente um dia de governo, seguindo-se a eleição e a desarticulação geral da capacidade de ação do Palácio do Planalto.
O essencial para nós, é que não houve uma quebra de governo, e muito menos do Brasil, como dizem, pois as políticas públicas mantiveram o seu equilíbrio financeiro.
O que quebrou o sistema, e fato essencial, está aprofundando a crise, é o volume de transferências de recursos públicos para bancos e outros intermediários financeiros que são essencialmente improdutivos.
Captura de Tela 2016-12-26 às 21.54.54
Com a Selic elevada, o governo transferiu em 2010, nas contas do Banco Central, 125 bilhões de reais sobre a dívida pública.
Em 2011, este montante se elevou para 181 bilhões, caindo para 147 bilhões em 2012 com a redução dos juros Selic (a 7,5%) por parte do governo Dilma.
Em 2013 começa o drama: sob pressão dos bancos, voltam a subir os juros sobre a dívida pública, e o dinheiro transferido ou reaplicado pelos  rentistas sobe para 186 bilhões em 2013.
Na fase do ministro Joaquim Levy, portanto, com um banqueiro tomando conta do caixa, esse valor explode para 251 bilhões em 2014, e para 397 bilhões em 2015.
Veja que o rombo criado pelos altos juros da dívida é incomparavelmente superior ao déficit das políticas públicas propriamente ditas, na linha IX Resultado primário do governo central visto acima.
Aqui são praticamente 400 bilhões de reais que poderiam se transformar em investimentos de infraestruturas e em políticas sociais, apropriados não por produtores, mas sim essencialmente por intermediários financeiros como bancos, fundos e inclusive aplicadores estrangeiros, gerando o rombo que agora vivemos e que aumenta ainda mais em 2016, pois continuamos com banqueiros no controle do sistema.
Confira, agora, a linha Resultado Nominal do Governo Central, que vai apontar o rombo crescente. Trata-se do déficit já incorporando o gasto com juros sobre a dívida pública, hoje os mais altos do mundo. Veja o déficit gerado na tabela abaixo:
Captura de Tela 2016-12-26 às 21.53.53
Ele passa de 46 bilhões em 2010, explodindo para 272 bilhões em 2014 já com a política econômica controlada pelos banqueiros, e chegando a astronômicos 514 bilhões em 2015, já com políticas confortavelmente orientadas para desviar recursos públicos para intermediários financeiros.
Essas três linhas da tabela do Banco Central mostram o equívoco do chamado “ajuste fiscal” do governo. E permitem entender, de forma clara, que não se tratou, de maneira alguma, de um governo que gastou demais com as políticas públicas, e sim de um governo em que os recursos foram desviados das políticas públicas para satisfazer o sistema financeiro.
Veja na tabela principal na linha % do PIB gasto em juros que o volume de recursos transferidos para os grupos financeiros passou de 3,2% do PIB em 2010 para 6,7% do PIB em 2015. E a conta cresce.
Quem gerou a crise é quem está no poder hoje, no Brasil, ditando o aumento da taxa Selic que voltou ao patamar surrealista de 14%.
Em nome da austeridade, e de “gastar responsavelmente o que se ganhou”, aumentaram em 2016 o déficit primário para R$ 170 bilhões, repassando dinheiro para deputados e senadores (emendas parlamentares), aumentando os salários dos juízes e de segmentos de funcionários públicos (em nome da redução dos gastos) e assistindo a uma explosão dos juros pagos pela população.
Ponto chave: a PEC 241 trava os gastos com políticas públicas.
São gastos que resultam no resultado primário, ou seja, onde o déficit é muito limitado e a utilidade é grande, tanto econômica como social. Mas a PEC 241 (e 55 no Senado) não limita os gastos com a dívida pública, que é onde ocorre o verdadeiro e imenso rombo.
Não se trata aqui, com esta medida, de reduzir os gastos do Estado, mas de aumentar os gastos com juros, que alimentam aplicações financeiras, em detrimento do investimento público e dos gastos sociais.
Trata-se simplesmente de aprofundar ainda mais o próprio mecanismo que nos levou à crise.
Seriedade? Gestão responsável?
A imagem da dona de casa que gasta apenas o que tem? Montou-se uma farsa.
Os números aí estão.
Assim o país afunda ainda mais e eles querem que o custo da lambança saia dos direitos sociais, das aposentadorias, da terceirização e outros retrocessos.
Isto reduz a demanda e o PIB, e consequentemente os impostos, aumentando o rombo. Esta conta não fecha, nem em termos contábeis nem em termos políticos.
Aliás, dizer que os presentes trambiques se espelham no modelo da boa dona de casa constitui uma impressionante falta de respeito.
Abaixo, uma entrevista com o professor José Menezes Gomes, da Universidade Federal de Alagoas:

Imprensa francesa confirma o que a FUP denuncia há tempos: “A gestão Parente-Temer está entregando nossas reservas estratégicas a preço vil”

http://www.viomundo.com.br/denuncias/imprensa-francesa-confirma-o-que-a-fup-denuncia-ha-tempos-a-gestao-parente-temer-esta-entregando-nossas-estrategicas-reservas-de-petroleo-a-preco-vil.html


27 de dezembro de 2016 às 14h42
  
Petrobras e Total
por Conceição Lemes
Na última quarta-feira (21/12), a Petrobras fechou um acordo com a petroleira francesa Total estimado em US$ 2,2 bilhões.
Ele prevê a cessão à Total dos direitos de exploração destas áreas do pré-sal: 22,5% do campo de Yara e 35% do campo de Lapa, que começou a operar no dia anterior na Bacia de Santos.
O acordo envolve ainda compartilhamento de terminal de regaseificação e transferência de fatias em térmicas, entre outros negócios.
Para a imprensa francesa, a Total fez um bom negócio com a Petrobras.
Les Echoes (tradicional diário francês de economia) destaca (o negrito é nosso):
Esses campos “guardam reservas gigantescas de petróleo e o valor pago foi interessante.
(…) as reservas do grupo francês serão acrescidas de 1 bilhão de barris, a um custo estimado entre US$ 1,75 e US$ 2,4 o barril. Nas reservas adquiridas anteriormente pela companhia, o preço do barril custou US$ 2,55.
Radio France Internationale, também conhecida como RFI, em matéria transmitida para o mundo inteiro na sexta-feira, 23 de dezembro , conclui:
“a Total pagou pouco em relação ao que vai lucrar extraindo o petróleo brasileiro”.
A RFI é uma rádio pública francesa, com sede em Paris.
Viomundo conversou com João Antônio de Moraes, diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), sobre essa repercussão.
Viomundo – O que achou da avaliação da imprensa francesa?
João Antonio de Moraes — Só confirma o que a FUP e os movimentos sociais vêm denunciando há bastante tempo. A gestão Pedro Parente-Michel Temer está entregando nossas reservas de petróleo a preço vil.
Veja bem. É a imprensa francesa assumindo que a França está levando grande vantagem em cima do Brasil ao se apossar de nossas reservas de petróleo a um preço muito aquém do mercado internacional.
Viomundo – O que significa esse acordo com Total?
João Antônio de Moraes – Perda de soberania energética. Ele fere a nossa soberania energética, independentemente do preço.
E, mais uma vez, confirma que o golpe, longe de ser para combater a corrupção, veio para entregar as riquezas do nosso povo e liquidar os direitos trabalhistas. A questão energia também estava no centro dos golpes contra Getúlio Vargas e João Goulart.
Viomundo – Explique melhor.
João Antônio de Moraes – Nos anos 50, houve uma tentativa de golpe contra o presidente Getúlio Vargas. Foi logo após a criação da Petrobras.
Já João Goulart, depois de tomar posse, havia dito que iria nacionalizar as refinarias de petróleo. Na sequência, ele foi vítima de um golpe. E a exemplo desses dois golpes, o contra a presidenta Dilma veio para entregar as nossas riquezas.
Viomundo – Supondo que o preço fosse justo, valeria a pena vender esses ativos à Total?
João Antônio de Moares – Ainda assim seria ruim para o Brasil, pois o país perderia controle sobre reservas extremamente estratégicas. As áreas sob o controle da Petrobras garantem o abastecimento do Brasil. Já sob o controle da Total garantem o abastecimento da França.
Viomundo – O que fazer?
João Antônio de Moraes — Mais do lamentar, a gente tem que lutar e resistir para impedir que essa situação continue. E nisso os blogs da imprensa alternativa, progressista, como o Viomundo, têm um papel importante em divulgar o que a grande mídia esconde todos os dias.

Xadrez de como o MPF tornou-se uma força antinacional

http://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-de-como-o-mpf-tornou-se-uma-forca-antinacional


Peça 1 - o cenário pré-Lava Jato
A Lava Jato vai revelando dois aspectos do estágio de desenvolvimento brasileiro.
O primeiro, a corrupção endêmica e generalizada que foi apodrecendo o sistema político sem ser enfrentada por nenhum partido. Era o tema à vista de todos e há décadas percebido pela opinião pública, o único tema capaz de provocar a comoção geral.
O segundo, as indicações de que o país estava a caminho de se transformar em uma potência média, repetindo a trajetória de outras potências, inclusive no atropelo das boas normas.
Como potência média, ainda não havia desenvolvido internamente legislações e regulamentos que disciplinassem o financiamento político, que blindassem as empresas que representassem o interesse nacional, os procedimentos que impedissem  que o combate à corrupção comprometesse setores da economia. Enfim, todo esse aparato jurídico-político com que as nações desenvolvidas desenvolvem e blindam suas empresas e até tratam com tolerância, criando uma zona de conforto para que possam pular os limites, nos casos de ampliação do chamado poder nacional.
O Brasil trilhava o caminho de potência média, mas sem essas salvaguardas e sem os cuidados necessários.
Os arquivos da Odebrecht revelam influência no México, Peru, Equador, Argentina, Colômbia, Guatemala, República Dominicana e Panamá, nas eleições de vários países da região, na esteira da ampliação da influência diplomática brasileira, além da notável expansão das empreiteiras na África e América Latina (https://goo.gl/oyxNpa).
Por outro lado, desenvolvia-se uma indústria de defesa autônoma, com absorção de tecnologias avançadas e inúmeras possibilidades abertas com a quase consolidação dos BRICS e das parcerias com a China e seus bancos de desenvolvimento. Avançava-se nos submarinos, nos satélites e na informática.
Com a descoberta do pré-sal, o país se projetava como um dos futuros grandes produtores de energia, desenvolvendo paralelamente uma indústria naval potente e uma grande cadeia de fornecedores para as mais diversas necessidades, de máquinas, equipamentos, caldeiraria a sistemas informatizados de ponta.
Nascia uma nova potência.
Mas havia uma pedra no meio do caminho: a falta de foco interno sobre o chamado interesse nacional e uma corrupção generalizada na política. Em cima dessa vulnerabilidade, desse calcanhar de Aquiles, o Reino foi buscar seus campeões, os candidatos a Paris, os jovens mancebos do Ministério Público Federal capazes de, a pretexto do combate à corrupção, liquidar com as pretensões nacionais.
É assim que se inicia nossa história. Antes de prosseguirmos, um pouco das disputas históricas entre potências estabelecidas e candidatas a potência.
Peça 2 – o complexo de vira-lata
Qualquer obra de história da economia identificará o desenvolvimento como um processo gradativo. A estratégia de cada país deve se dar de acordo com suas circunstâncias, com seu grau de desenvolvimento, com o nível de competitividade da sua economia.
Desde a primeira metade do século 19 consagrou-se o conceito do "chutando a própria escada" na economia política.
Coube ao economista alemão Friedrich List (1789-1846) decifrar o jogo das potências. Com um diagnóstico correto dos fatores de desenvolvimento, List ajudou a Alemanha a desenvolver o Sistema Nacional de Inovação e a consagrar o conceito da união nacional como fator essencial de consolidação econômica e política.
A nova ciência preconizava que da ambição de cada indivíduo se faria o progresso. List rebatia que nem toda iniciativa era virtuosa e caberia ao Estado definir um projeto de país no qual pudessem ser canalizadas as iniciativas de seus cidadãos.
Para se tornar a primeira superpotência da era industrial, a Inglaterra se valeu de todos os recursos que tinha à mão. Praticou pirataria, impôs acordos comerciais lesivos aos parceiros, protegeu seu mercado da invasão dos produtos têxteis indianos, criou reservas de mercado para sua armada, e demanda para seus estaleiros.
Montou um mercado global para seus produtos. Consolidado o mercado,cada fazendeiro que resolvesse mudar de ramo adquiria uma pequena máquina têxtil. O mercado era tão grandioso que em menos de um ano triplicava sua produção, principalmente porque o setor era protegido da invasão dos têxteis indianos, de muito melhor qualidade.
Chutando a própria escada
Depois de consolidado seu poder sobre o mercado global, a Inglaterra passou a defender o livre mercado, a abolição de práticas protecionistas, insurgiu-se contra o tráfico negreiro, não por razões humanitárias - que não cabiam em quem impôs à Índia um imperialismo sangrento -, mas puramente econômicas.
A maneira de chutar a própria escada foi com a cooptação de políticos e intelectuais de outros países. Através de cursos e visitas à Inglaterra voltavam deslumbrados com o avanço do país e passavam a vender a ideia que a modernidade consistia em emular o estilo que a Inglaterra adotara depois de ter se tornado potência.
Mais arguto observador do seu tempo, List teve papel relevante para convencer seus conterrâneos que o processo de desenvolvimento se dava em estágios. Daí, a impossibilidade de países pré-industriais emularem estratégias de países já plenamente industrializados, se desarmando de todos os instrumentos de defesa da produção e do mercado internos antes de atingirem o estágio dos países desenvolvidos.
Em 1792, o então secretário do Tesouro norte-americano, Alexander Hamilton, apresentou o "Report of Manufactures", o primeiro projeto de defesa das manufaturas norte-americanas, em reação ao protecionismo que havia na Europa. As tarifas iniciais foram insuficientes. Mas em 1808, com a guerra explodindo, o comércio com a Europa foi interrompido. Em um ano, o número de indústrias têxteis saltou de 8.000 para 31 mil. Quando o livre comércio foi retomado, veio de novo a crise.
Eram essas evidências que List ia buscar para desenvolver os princípios de sua economia política
List não conhecia o termo "vira lata" para descrever os internacionalistas deslumbrados de seu tempo. Mas descreveu de forma definitiva a maneira como as sub-elites intelectuais alemãs aderiram ao discurso inglês, por modismo, ignorância ou para poder ascender social ou profissionalmente junto aos setores ligados ao exterior. Em suma, o avesso do avesso desse rapaz deslumbrado, o Deltan Dallagnoll.
 No entanto, foi através desse deslumbramento de procuradores, procurando emular os yuppies do mercado financeiro, que a geopolítica norte-americana conquistou seu mais notável feito: o da judicialização da política nos países democráticos, promovendo a maior quantidade de desestabilizações políticas da história, sem envolver um míssil sequer nos embates. E o instrumento utilizado foi o instituto da cooperação internacional contra a corrupção.
Afinal, ser contra o combate à corrupção, quem haveria de?

 Peça 3 - a cooperação internacional contra a corrupção

Nas últimas décadas, Síria, Egito, Líbia e Iraque se constituíram na aliança mais expressiva contra o eixo Estados Unidos-Israel no Oriente Médio.
Contra a Líbia, se buscou o álibi da derrubada do ditador sanguinário; o mesmo na Síria e no Egito; no Iraque, o combate às armas químicas de alta letalidade, que jamais foram encontradas. Países inteiros foram destruídos e submetidos a sistemas muito mais cruéis.
Paralelamente, contra a Índia, a socialdemocracia portuguesa, espanhola, alemã e francesa, montaram-se campanhas com denúncias a granel, produzidas pela cooperação internacional.
Essa nova forma de atuação geopolítica surge no momento em redesenhava-se a geografia mundial.
Nos anos 80, a estratégia norte-americana de abrir mão de setores industriais permitiu a explosão de novos centros industriais pelo planeta. Criou-se um quadro acomodatício com os EUA criando empregos na China e na Ásia e os chineses financiando o consumo norte-americano.
O sonho acabou em 2008 e, ali, a China já se projetava como potência industrial tornando-se o chão de fábrica do mundo enquanto a Índia se convertia no chão de escritório, com seus serviços de informática. Os BRICS se projetam criando seu próprio banco de desenvolvimento e anunciando o lançamento próximo de sua própria moeda e o Brasil, além de potência agroexportadora, se projeta com suas siderúrgicas e empreiteiras ocupando espaços na América Latina e África.
Por outro lado, desde os anos 80 a liberalização financeira provocara a proliferação de paraísos fiscais, por onde circulavam recursos dos petrodólares, dos magnatas japoneses, dos narcotraficantes colombianos, dos plutocratas russos, dinheiro de corrupção política e pública. A maneira de enfrentar essas práticas foi através da globalização da repressão.
Dos anos 90 para cá foram construídas três grandes convenções internacionais contra a corrupção, que serviram de alavanca principal para o processo global de judicialização da política.
A.     Convenção Interamericana contra a Corrupção, concluída em Caracas, Venezuela, em 29 de março de 1996, patrocinada pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
B.     Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, concluída em Paris, França, em 17 de dezembro de 1997, patrocinada pela OCDE.
C.     Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003, assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003 e promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Também conhecida como UNCAC (United Nations Convention Against Corruption) ou ainda como Convenção de Mérida, cidade do México onde foi assinada.
Essas convenções passam a estimular a cooperação recíproca entre países, por meio de assistência técnica, treinamento, cooperação jurídica internacional, parcerias formais e trocas de informações por vias informais. E passaram a promover o envolvimento da sociedade civil, através das organizações não governamentais (ONGs).
Dois pontos saltaram à vista na consolidação dessas políticas.
1. Os interesses econômicos explícitos, na criação de regras internacionais para impedir que atos de corrupção pudessem atrapalhar a livre competição. A preocupação inicial era com a concorrência desleal no comércio exterior. Tanto que foi a partir de estudos da  SEC (a CVM dos EUA) que surge a Convenção sobre Corrupção de Funcionários Públicos em Transações, bancada pela OCDE.
2. O conceito de soberania nacional como principal adversário da cooperação. Inicialmente, devido à dificuldade em extraditar criminosos, por conta de conceitos tortos de soberania.

 Peça 4 - a demonização do conceito de Nação 

Para a área de direitos humanos, o conceito de Nação sempre foi negativo. Era através dele que se criavam distinções entre cidadãos da terra e imigrantes, que se proibiam fluxos migratórios, que se impedia a extradição de criminosos comuns, de guerra ou aqueles que cometeram crimes contra a humanidade.
Nos anos 70, era comum o Brasil abrigar criminosos estrangeiros, protegidos pela não existência de tratados de extradição.  Em 2003, o STF negou a quebra de sigilo bancário no país, dizendo que o pedido atentava contra a ordem pública brasileira. Este ano, mesmo, o Supremo impediu a deportação de um criminoso de guerra argentino.
Com o tempo, passou-se a demonizar o próprio conceito de interesse nacional.
Vários artigos sobre o tema foram publicados no caderno "Temas de Cooperação Internacional" da Unidade de Cooperação Internacional do MPF. Como mencionado em um dos textos: "A cooperação jurídica internacional constrói a ideia de um espaço comum de justiça, com reconhecimento mútuo de jurisdições. Embora não se exija para ela a harmonização de legislações, é evidente que a transformação do mundo em uma aldeia global termina por promover essa ideia, inegavelmente ligada à relativização do dogma da soberania".
Os setores do MPF ligados à cooperação internacional passaram a tratar de forma negativa todo conceito de soberania como se, em todas as circunstâncias, fosse um obstáculo à inevitabilidade da nova ordem global. Como se soberania significasse o atraso e globalização a civilização. E interesse nacional fosse apenas um álibi para atrapalhar o trabalho dos justiceiros globais.
De repente, procuradores caboclos e delegados tupiniquins esquecem as origens, e são alçados à condição de polícias do mundo, ombreando-se com colegas norte-americanos, suíços, ingleses. As novas tropas globais passam a ser enaltecidas em séries de TV e, pouco a pouco, vão criando uma superestrutura acima dos poderes nacionais, dando partida à judicialização da política em nível global.
A criação de uma ideologia internacionalista e antinacional no MPF foi um trabalho bem mais meticuloso, no qual as conferências tiveram papel central.

Peça 5 – os controles legais nacionais

No início da década de 2000, no Brasil, surgiram três órgãos voltados a certos aspectos de contenciosos internacionais: em 2003, o Departamento Internacional (DPI) da Advocacia-Geral da União; em 2004, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça; em 2005 a Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) do Ministério Público Federal. No MPF foram criadas unidades especializadas.
A autoridade central para a cooperação passou a ser o DRCI  da Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), do Ministério da Justiça. Apenas abria-se exceção para o acordo do Brasil com Portugal e com o Canadá, casos em que a autoridade central é a Procuradoria Geral da República.
Era através do DRCI que o Ministro da Justiça poderia exercer o controle sobre os pedidos da cooperação. Caberia a ele o suporte e orientação e o ponto de contato entre as autoridades brasileiras e internacionais para inquéritos policiais e processos penais. Permitindo, também, o controle de todas as cooperações pelo Ministro da Justiça.
No governo Dilma Rousseff, o Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo abriu mão completamente desse trabalho, por inércia acabou entregando o controle total da cooperação à Procuradoria Geral da República.
Para se preparar para a cooperação, o MPF havia criado o Centro de Cooperação Jurídica Internacional (CCJI), ainda na gestão de Cláudio Lemos Fonteles. Em dezembro de 2010, na gestão de Roberto Gurgel, foi substituído pela Assessoria de Cooperação Jurídica Internacional (ASCJI).
Em setembro de 2013, em um dos primeiros atos do novo PGR Rodrigo Janot, foi criada a Secretaria de Cooperação Jurídica Internacional (SCI), pela primeira vez sob o comando de um procurador em regime de dedicação plena, contando com grupos de apoio para cada área de atuação.
Havia uma razão de ordem prática e outra de ordem política para a criação desses grupos especializados.
Peça 6 – a criação da comunidade das polícias do mundo
As Conferências constatavam que a posição dos países poderia variar, de acordo com o presidente ou parlamentares eleitos, atrapalhando a continuidade dos trabalhos.
Juntavam procuradores, delegados, fiscais de todas as partes do mundo, tendo em comum a ameaça da subordinação ao poder do Executivo, a quem caberia sempre a última palavra sobre a cooperação. Bastaria entrar um presidente avesso à cooperação internacional, para a estrutura interna desmoronar.
Para se impor sobre a vontade do Executivo, decidiu-se recomendar a cada país a criação de estruturas permanentes, comunicando-se entre si e articulando os trabalhos de juízes, procuradores, fiscais e delegados de polícia, de maneira a dar um by pass nas limitações jurídicas e políticas convencionais, com suas estruturas burocráticas, processos lentos de decisão e interesses particulares ou nacionais.
A troca direta de informações deveria ser pontual. No Brasil, tornou-se uma constante, principalmente devido à anomia do Ministério da Justiça.
A cooperação passou a estimular cada vez mais as comunicações diretas entre seus membros. Cada vez mais foram assinados tratados (ou iniciativas baseadas na reciprocidade) prevendo a comunicação direta entre órgãos do Judiciário, com eliminação das autoridades diplomáticas.
O objetivo principal foi colocar os inquéritos fora do alcance das autoridades do Executivo. Como diz um dos artigos: "Com as comunicações diretas, evita-se ainda o inconveniente de fazer com que autoridades do Executivo assumam atividades sem conexão com suas tarefas principais, participando dos atos de cooperação de forma demasiadamente desinteressada, formal ou burocrática. "
Surge, então, uma organização supranacional, que gradativamente tenta-se colocar acima dos governos nacionais. Os encontros anuais, as redes de relacionamentos, os sistemas de premiação oficiais ou de blogs internacionais especializados, tornam-se a bússola desse novo poder. A Convenção de Palermo induz à formação de equipes conjuntas de cooperação, ampliam-se as formas de contato direta, através de videoconferências e da criação de redes, como a Rede Judicial Europeia e a Rede Ibero-americana de Cooperação Jurídica Internacional.
accountability (prestação de contas) desses poderes envolvidos na luta contra a corrupção, passa a ser para os acordos de cooperação, não para os governos nacionais. Os vira-latas passam a disputar as premiações internacionais. E o tamanho do prêmio dependia dos recordes obtidos de prisões e de desmonte da economia dos seus países.
Em um quadro de ampla dissipação moral na política, bastava apenas apontar os adversários da globalização que o MPF se encarregava de decapitar, poupando e aliando-se aos aliados dos interesses centrais. É o que explica a ampla blindagem do PSDB.

Peça 7 – o conceito de Nação

 Um presidencialismo de coalizão que se enlameou com a corrupção, um Legislativo totalmente comprometido, um Supremo medroso, uma imprensa venal, Forças Armadas burocratizadas, tudo isso convergiu para abrir um espaço sem precedentes para o desmonte do país.
É em cima desse vácuo que cresceu a Operação Lava Jato. Em vez de instrumento para o saneamento amplo da política brasileira, tornou-se a responsável pelo maior trabalho de destruição da história da economia brasileira.
Nunca o sentimento de lesa pátria foi tão explícito em um dos poderes da República, provavelmente nem no Banco Central, quando promoveu o maior crescimento da dívida pública da história.
Jovens procuradores deslumbrados, com complexo explícito de vira-lata, juízes provincianos, uma corporação cega, sem um pingo de inteligência corporativa, chefiada por um Procurador Geral medíocre, sem  visão de país e dos jogos globais do poder, comandaram o primeiro tempo do jogo: o da destruição.
Haverá novos tempos. O poder político se reconstituirá, com partidos de extração política diversas.
Com um Congresso revigorado, ou um Executivo forte, haverá a prestação de contas. Não escaparão de uma CPI para analisar sua conduta antinacional. E essa conduta não está nos corruptos e corruptores que foram presos, nem mesmo nos abusos cometidos, na parcialidade flagrante das investigações. Mas em uma ação deliberadamente antinacional.
A CPI terá condições de analisar todos os acordos de cooperação, abrir as gavetas indevassáveis do Procurador Geral, levantar o que estava por trás dessa fúria antinacional, conferir o que ele foi fazer no Departamento de Justiça e em outros órgãos do governo dos EUA, levando informações contra a Petrobras e trazendo contra a Eletronuclear.
Mesmo antes disso, a imprudência com que o PGR atuou nesse período já está promovendo a volta do cipó de Aroeira: basta conferir a quantidade cada vez maior de reportagens tratando procuradores e juízes como marajás.
Antes da luta aberta, haverá o sufoco financeiro do MPF, prejudicando enormemente o trabalho sério e patriótico dos procuradores que continuaram acreditando no MPF como fator de defesa dos direitos dos vulneráveis e da modernização do Brasil.