Por Antônio Delfim Netto
Valor Econômico 12/08/2008
Uma grande economista iconoclasta - Joan Violet Robinson (1903-1983) - deu muita dor de cabeça aos colegas. Enfrentou altos debates com sua intuição e raciocínio claro, armado apenas da lógica aristotélica, com outros dotados de poderosos arsenais matemáticos (e venceu!). Ela disse uma vez que o "objetivo de estudar economia não é o de adquirir um conjunto de respostas prontas para os problemas econômicos, mas o de aprender como não se deixar iludir pelos economistas".
Essa proposição nunca foi mais oportuna do que agora, quando se discutem as razões e as conseqüências da nossa política monetária. Os seus defensores não demonstram a menor dúvida sobre os conhecimentos que supõem ter de como funciona o sistema econômico e sobre os efeitos dos instrumentos que controlam para influir no seu funcionamento. Tentam blindar-se contra todas as dúvidas atribuindo aos céticos idéias que eles nunca tiveram. Inventam, permanentemente, novos conceitos, esquecendo-se do que disse Wittgenstein: "Os conceitos levam-nos à investigação, mas são expressão dos nossos interesses e as dirigem para eles".
Por exemplo, é ridícula a sugestão explícita ou implícita de que os críticos acreditam que "um pouco mais de inflação produz um pouco mais de crescimento". Nunca um economista sério defendeu tal idéia. A história econômica do Brasil mostra o contrário: os períodos de rápido crescimento foram de inflação moderada e relativamente estável ou de inflação declinante.
A maioria dos que têm pedido maior moderação no aumento dos juros defende a política econômica canônica que o Brasil (junto com mais de cem países) utiliza: 1) equilíbrio fiscal com a relação dívida pública/PIB sob controle; 2) sistema cambial flexível; e 3) política de meta de inflação (explícita ou implícita) executada por um banco central autônomo. A crítica, portanto, nada tem a ver com a natureza da política econômica, mas com a deficiência da nossa política monetária que há uma dezena de anos, mesmo depois de bem-sucedida estabilização monetária, ainda insiste na necessidade de manter a maior taxa de juro real do mundo.
Ela dirige-se à precipitação com que se iniciou uma agressiva política de aumento de juros em resposta a uma inflação planetária que, por sua própria natureza, deve exigir um mecanismo de cooperação internacional entre os bancos centrais. Não se trata, portanto, de duvidar da potência da política monetária (no Brasil, diminuída pela qualidade do financiamento da dívida pública). Pelo contrário, o que se teme são seus efeitos devastadores sobre o equilíbrio fiscal e sobre a "supervalorização" do real, que arma sérios problemas para o futuro.
Quais são os argumentos para tal política tão "tempestivamente" agressiva? Basicamente dois: 1) que ela previne a disseminação de um "pessimismo inflacionário" (mais um conceito "ad hoc"); e 2) que ela previne a única causa de um processo inflacionário verdadeiro (quando o Banco Central o financia), que é a competição entre salários e preços, da qual ninguém sai vencedor. Pois bem, há argumentos tão bons quanto esses para afirmar sem base empírica (o mesmo que ocorre com os do Copom) que a ação "dramático-tempestiva" pode reforçar tais efeitos em lugar de eliminá-los: o Copom, por seu comportamento e comunicação, ameaça a sociedade com a iminência de uma "hiperinflação" e sua resposta provoca uma rápida disseminação do "pessimismo inflacionário" e uma dura resposta dos acordos salariais promovidos pelos sindicatos!
Como é evidente, tudo resulta da pretensão do Comitê de Política Monetária (Copom) de pensar que "sabe" manipular as "expectativas inflacionárias", mas que pode tê-las desestabilizado. A capacidade dos bancos centrais de controlar as expectativas está longe da realidade, como mostrou humildemente Ben Bernanke, o chairman do Fed, em sua conferência de 9 de junho último. O seu sabor pode ser apreciado por uma única frase: "Seria muito útil para os executores da política monetária conhecer melhor como a expectativa inflacionária é influenciada por sua ação, pela sua comunicação e por outros fatos econômicos, como o choque dos preços do petróleo".
A singela tabela abaixo mostra a precipitação criticada, comparando o Brasil com outros países.
O aumento da taxa de inflação brasileira não se distingue dos demais. Nosso aumento dos juros só foi inferior ao do virtuoso Chile (agora em estagflação), onde a taxa de inflação triplicou (de 3,2% para 9%) e a taxa de juros real permanece negativa! O nosso "pecado original" está revelado na maior taxa de juro real da tabela (6,5%) acrescido do aumento mais agressivo (150 pontos-base).
Uma coisa é certa: se a inflação voltar à meta de 4,5% no início de 2009 não será devido à "tempestiva precipitação", mas a fatos externos, a não ser que seja o aumento de juros no Brasil que está derrubando o preço dos "commodities" em Chicago...
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
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