quinta-feira, 29 de maio de 2014

Alckmin espera “solução divina” para crise de abastecimento de água

Do blog do Nassif

Jornal GGN – “O cenário é dramático. Parece que o governo (de Geraldo Alckmin, do PSDB) espera uma solução divina para a crise de abastecimento de água em São Paulo. Estão acreditando que vai cair uma chuva que nunca caiu em um período de estiagem, que é o que está por vir nos próximos meses. Durante anos, o Estado não pensou em criar estratégias para usar pequenos mananciais [e reduzir a dependência do Sistema Cantareira para abastecer a Região Metropolitana]. Tudo que tem pequena capacidade foi sendo relegada pela Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado) em nome das grandes obras – que também não vão solucionar a crise atual.”
A sentença assertiva, compartilhada por profissionais com conhecimento em gestão de recursos hídricos consultados pelo GGN, é de Ricardo de Souza Moretti, professor do curso de Engenharia Ambiental Urbana da pós-graduação em Planejamento de Gestão de Territórios da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Crítico aos investimentos feitos pela Sabesp – que, segundo ele, não darão conta de salvar a Região Metropolitana de São Paulo de um rodízio na distribuição de água nos próximos meses –, Moretti considera que frente ao colapso do Sistema Cantareira, o governo do Estado só tem duas alternativas que parecem “pouco tangíveis”.
“As únicas possibilidades que temos de evitar uma crise feia no segundo semestre envolvem um período de chuva completamente fora do usual e não prevista para os próximos meses, ou Alckmin finalmente conseguir a reversão de águas do Rio Paraíba do Sul, de gestão federal, para Cantareira. Mas haverá uma dificuldade política gigantesca para isso”, pontua.
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Hoje, com uma obra emergencial de 80 milhões de reais, a Sabesp conseguiu aumentar o volume de água retirado do Cantareira. Mas, ainda assim, o sistema opera com apenas um quarto da capacidade total e, segundo especialistas, há riscos de seca nos reservatórios nos próximos meses.
“O grande risco de usar o volume morto do Cantareira é que não temos uma previsão de como e quando vamos repor essa água. Não sabemos se essa estiagem de agora pode ocorrer novamente em 2015, ou em outro ano. Se tivermos só saída de água, sem entrada com chuva, o sistema vai acabar”, disse João Sérgio Cordeiro, docente do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR).
Uso do Paraíba do Sul para na Justiça
A dificuldade prevista pelo professor da UFABC Ricardo Moretti em relação ao uso das águas do Rio Paraíba do Sul é evidente e preocupante. Tanto que o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro entrou recentemente com uma ação para impedir a Agência Nacional de Águas (ANA), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e à União de autorizarem obras de transposição do rio enquanto não forem realizados estudos ambientais e consultas públicas sobre a possibilidade.
Em reunião com a presidente Dilma Rousseff (PT), Alckmin explicitou suas intenções de utilizar o sistema que nasce em Minas Gerais para suprir a demanda da Região Metropolitana de São Paulo, onde cerca de oito milhões de pessoas são atendidas, segundo a Sabesp. Porém, o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, argumentou que isso prejudicaria o abastecimento de 11 milhões de pessoas só na capital fluminense. 
“O governo de São Paulo foi completamente irresponsável na gestão das águas. Foi ganancioso e inconsequente. A Sabesp é o que se pode chamar de símbolo de insustentabilidade, se preocupando mais com os lucros de seus acionistas do que com sua função social. Apesar disso, não dá para deixar o contingente de milhões de pessoas sem água. Vamos rezar para que os governos se entendam e o Rio Paraíba seja a solução, embora eu ache muito difícil”, opinou Ricardo Moretti.
A disputa por mananciais, na avaliação de João Sérgio Cordeiro, não é um problema isolado de São Paulo ou mesmo de estados da região Sudeste. Mas, segundo ele, Alckmin poderia ter se empenhado mais para consolidar novos reservatórios de água, já que a Sabesp mantém estudos desde a década de 1990 apontando para essa necessidade.
São Paulo tem apenas 1,6% de recursos hídricos
“No Sul e no Sudeste temos pouquíssima quantidade de água se comparado ao volume existente no resto do Brasil. O estado de São Paulo tem apenas 1,6% do total de água que tem em todo o território nacional. Temos 40 milhões de pessoas no Estado, fora a indústria, agricultura e outros setores que demandam água. Mesmo com esses dados, o poder público nos mantém um século atrasados em termos de tratamento de esgoto. A pouca água que temos não é manejada adequadamente. Tanto o Sistema Guarapiranga quanto o braço Rio Grande da Billings [que, segundo a Sabesp, passaram a fornecer mais água para a Região Metropolitana diante da crise no Cantareira, assim como o Sistema Alto Tietê] têm despejo de esgoto, o que compromete o volume e a quantidade de água nas bacias”, pontuou.
A ação do MPF contra o governo de São Paulo prevê o pagamento de multa diária no valor de R$ 50 mil por eventual descumprimento da decisão. A Justiça do Rio pediu que as partes acionadas no requerimento se posicionassem no prazo de 72 horas.
Enquanto a discussão pelo Paraíba do Sul se intensifica, a Sabesp amplia o número de municípios beneficiados por desconto na conta de água caso haja redução no consumo. Mais 12 municípios do interior paulista entram na lista. A região é, até agora, uma das mais afetadas pela crise de água, além de bairros onde se concentra a parcela mais pobre da população, segundo estudo do Instituto Data Popular – questionada na Justiça pelo partido político de Alckmin.
"Distribuição de água com canequinha"
Nesta quarta (28), durante audiência na Câmara Municipal de São Paulo, Paulo Massato, diretor da Sabesp, disse que a companhia e o governo Alckmin já fizeram tudo o que poderiam fazer em relação à escassez de água em São Paulo. Segundo ele, se a situação se agravar nos próximos, restará à Sabesp a distribuição de “água com canequinha”.
Para Alexandre Moana, diretor técnico da Abesco (associação de empresas que atuam em projetos de eficiência energética), a Sabesp tem agredido o consumidor, principal vítima da falta de execução do planejamento focado em recursos hídricos e saneamento básico. Segundo ele, a companhia força a barra quando diz que está dando seu máximo. Ele lembra que apesar dos investimentos bilionários divulgados pela Sabesp, há regiões onde 30% da água produzida se perdem por causa das condições ruins do sistema de distribuição.
“Em 2013, quase metade dos serviços contratados pelas nossas empresas resultou em otimização do sistema de abastecimento. Nossas obras têm o objetivo de melhorar a eficiência energética, mas no final das contas o cliente acaba economizando mais em água. Isso acontece porque enquanto trabalhamos, nós vemos que os sistemas instalados para distribuição de água são antigos e registram muitas perdas. Posso falar tranquilamente que 30% é um número ultraconservador e reduzido para se falar em desperdício de água que acontece no caminho da estação de tratamento até as residências”, afirmou.

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