Sistema de capitalização precisa de ajustes por causa de benefícios muito baixos
23.out.2018 às 2h00
Raquel Landim
SÃO PAULO
Jair Bolsonaro (PSL), líder nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência, ainda não deu detalhes, mas informou em seu programa de governo que deseja introduzir no Brasil a capitalização como novo modelo de Previdência.
Campus Central da Universidade do Chile, onde Paulo Guedes lecionou durante a ditadura do general Augusto Pinochet - Divulgação
Uma das primeiras nações do mundo a privatizar seu sistema de seguridade social, o Chile está às voltas hoje com a "reforma da reforma".
O país tem a renda per capita mais alta da América Latina, mas, segundo o órgão regulador do sistema de aposentadorias do país, os aposentados chilenos recebem de benefício, em média, de 30% a 40% do salário mínimo local.
Recém-eleito para um novo mandato, o presidente Sebastián Piñera está em vias de enviar uma reforma ao Congresso, que vai obrigar empregadores a também contribuir com 4% da folha de pagamento.
Hoje nem os empregadores nem o Estado colaboram com o sistema chileno.
Apenas os funcionários depositam o equivalem a 10% do seu salário em contas individuais, chamadas de AFPs (administradoras privadas de fundos de pensão).
"O Chile experimenta as delícias e as dores do sistema de capitalização, modelo que tem a simpatia do candidato Bolsonaro", disse o economista Pedro Fernando Nery, especialista em Previdência.
Existem hoje no mundo dois modelos principais de Previdência: por repartição, adotado no Brasil, e por capitalização, como o implementado no Chile (mais informações no fim do texto). Muitos países acabam optando, contudo, por um misto dos dois.
O carioca Paulo Roberto Nunes Guedes, 69, mais conhecido como o guru econômico de Jair Bolsonaro (PSL), chegou a Chicago para estudar aos 25 anos -DANIEL RAMALHO/AFP
O Chile introduziu a capitalização em 1981 durante a ditadura do general Augusto Pinochet em meio a uma série de reformas promovidas pelos "Chicago boys", economistas de viés liberal com passagem pela Universidade de Chicago.
Naquela época, os chilenos ainda viviam o bônus demográfico, quando a taxa de crescimento da população em idade ativa é maior do que a total.
Isso facilitou a reforma porque o governo local teve de retirar menos recursos do Orçamento para pagar benefícios dos aposentados.
No Chile, os recursos depositados nos fundos de aposentadoria chegam a 70% do PIB do país. Esse dinheiro é aplicado no mercado financeiro e impulsiona o crédito, gerando investimentos, empregos e crescimento.
Surgiu, contudo, uma massa de idosos que, por diversos motivos, seja por falta de renda, seja por anos no trabalho informal, não pouparam.
Em 2008, o Chile foi obrigado a fazer a primeira reforma. A então presidente, Michele Bachelet, criou um fundo estatal para garantir uma pensão básica para quem não contribuiu com o sistema.
"O Chile foi um laboratório do experimento ultraliberal do período Pinochet. A maioria dos países hoje caminha para um sistema de Previdência que mistura a repartição, para garantir uma renda mínima, e a capitalização", disse o economista Paulo Tafner, especialista em Previdência Social.
À Folha o secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, disse que um modelo de capitalização exclusivo não resolve os dois principais problemas da Previdência: o rombo financeiro e a desigualdade.
A previsão é que o déficit da Previdência --somados INSS e setor público-- chegue a R$ 290 bilhões em 2018.
O sistema é injusto: enquanto a maioria da população recebe salário mínimo, uma casta de servidores tem aposentadorias que superam R$ 30 mil.
"Fizemos um diagnóstico, identificamos os problemas e propusemos uma solução que passa por estabelecer uma idade mínima e tornar o sistema mais igualitário. A capitalização não resolve nenhum desses pontos. Foi por isso que não a incluímos na reforma", disse Caetano.
Guedes, assessor de Bolsonaro, parece ciente dessa questão. Em seu programa de governo, o candidato diz que "serão necessárias reformas para aperfeiçoar o modelo atual e para introduzir o novo modelo" e que as mudanças serão "paulatinas".
Não oferece, porém, resposta para o principal problema da transição: a falta de recursos.
Se a transição for imediata, levando para o novo modelo todos os contribuintes que ainda não se aposentaram, o buraco seria de R$ 400 bilhões por ano, ou o equivalente a cerca de 5% do PIB.
Caso o governo decida incluir na capitalização apenas os menores de 19 anos que estão ingressando agora no mercado de trabalho, a perda de arrecadação seria de cerca de R$ 7 bilhões no primeiro ano.
Para o professor David Blake, diretor do Instituto de Pensões da Cass Business School, de Londres, a migração é viável, desde que em ritmo aceitável.
"Com uma população envelhecida, o modelo exclusivo de repartição é insustentável. Algum tipo de capitalização é necessário", afirmou.
OS SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA
BRASIL
Tipo de sistema: repartição
Todos os trabalhadores na ativa no mercado formal colaboram para um fundo comum que paga as aposentadorias
Uma geração financia a aposentadoria da próxima
Entidade pagadora: Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) --agente público
Contribuição:
Alíquotas que variam de 8% a 11% do salário do trabalhador
Empregadores e o governo federal também contribuem
Benefício: Varia do piso, que é o salário mínimo de R$ 954 (US$ 257), ao teto do INSS de R$ 5.645 (US$ 1.522)
Exceções: Algumas categorias, como servidores públicos, militares e professores, têm aposentadorias integrais e bem mais vantajosas, criando uma casta de privilegiados
Vantagem: Ninguém recebe menos que o salario mínimo, o que garante uma condição de subsistência para a população mais pobre
Desvantagem: O sistema não é sustentável. Somando INSS e o regime do setor público, o déficit deve atingir cerca de R$ 290 bilhões no fim deste ano
CHILE
Tipo de sistema: capitalização
Trabalhadores depositam sua poupança em contas individuais e financiam sua própria aposentadoria
Entidade pagadora: Administradoras de Fundos de Pensão (AFPs) —entidades privadas
Contribuição: Trabalhador colabora com 10% do seu salário. Patrões e o governo não contribuem
Benefício: O valor pago para a maioria dos chilenos varia de 30% a 40% do salario mínimo no país, que é de cerca de US$ 450 (R$ 1.668)
Exceções: A partir de 2008, o governo chileno criou um modelo de repartição em separado, financiado pelo Estado, para atender às pessoas abaixo do nível da pobreza. Hoje paga quase o salário mínimo para os 60% mais pobres
Vantagem:Praticamente não há déficit previdenciário no Chile, já que só recebe quem poupa. Além disso, o dinheiro depositado nos fundos de pensão vai para a economia, estimulando crédito, investimentos e emprego
Desvantagem: Boa parte dos aposentados recebe benefícios com os quais é impossível ter uma condição de vida digna. Protestos são recorrentes no país
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