Do Blog do Nassif
Vamos a uma explicação didática das críticas que faço ao uso da Selic.
Objetivos da política econômica
A política econômica visa obter o máximo crescimento, com bem estar social, mantendo o equilíbrio na economia. Isto é, o desafio de administrar objetivos muitas vezes conflitante, sem que um objetivo comprometa o outro.
Uma política econômica equilibrada pressupõe manter sob controle as seguintes variáveis:
- Contas Externas
- Quadro fiscal
- Inflação
Tudo isso comprometendo o mínimo possível o crescimento.
Causas da inflação
A inflação – isto é, o aumento permanente de preços – pode ser provocada por um conjunto de fatores:
Choques de demanda – em um quadro de economia aquecida, as empresas aproveitam para puxar os preços. Momentos de mudança estrutural, como a entrada de novos contingentes da população no mercado de consumo, também aquecem a demanda, especialmente em setores de baixa elasticidade, como o de serviços. O excesso de gastos públicos também pressiona a demanda.
Choques de oferta – entram nessa categoria quebras de safra, por exemplo, uma grande seca, uma enchente.
Choques externos – elevação de preços de produtos comercializáveis (aqueles cotados internacionalmente em bolsas e em dólares). Esses aumentos acabam repercutindo internamente.
Choques de custos, especialmente devido ao aumento dos salários.
Indexação – contratos amarrados à inflação passada.
O papel da política monetária
Nos últimos anos, os fatores de pressão sobre a inflação foram os choques de oferta (aumento internacional das commodities, secas internas), alguma indexação, pressão dos novos consumidores sobre os serviços e as expectativas dos agentes econômicos. Poucos analistas ousariam falar em inflação de demanda com a economia patinando.
Mas suponhamos que seja de demanda.
A política monetária – isto é, o uso dos juros – atua especificamente sobre a inflação de demanda. Imagina-se que aumentando a Selic, haverá um aumento no custo do dinheiro para o consumidor final e para as empresas, reduzindo sua propensão ao consumo. Haveria também uma propensão maior do consumidor a investir, reduzindo as suas compras.
Ou então, haveria o efeito-pobreza. Nos Estados Unidos, cada vez que os juros aumentam há uma redução automática do valor das carteiras de renda fixa e um impacto sobre o mercado de ações. O investidor se sente mais pobre e trata de moderar os gastos.
No artigo “A ficção da política Monetária” (http://bit.ly/IEWeqR), de 3 de fevereiro de 2012, demonstro que não há a menor correlação entre o aumento da Selic e o custo do financiamento, o custo do capital de giro ou sobre o preço final de um produto.
Pelas simulações que fiz, o impacto de uma alta de 6 pontos da Selic representaria um peso de apenas 0,6% no custo final do produto. Havendo demanda, é evidente que a empresa ou absorverá esse aumento, ou repassará para os preços, sem mudar um centímetro o rumo da sua estratégia.
Vamos a outra conta.
Suponha um financiamento de R$ 1.000, 00 por 18 meses a uma taxa de juros de 3% ao mês. O valor da prestação seria de R$ 72,71.
Agora suponha uma alta de 1,5 ponto ano na Selic – elevação significativa. Significaria 0,12% ao mês.
Suponhamos que a financeira repasse integralmente o aumento da Selic para o financiamento. O valor da prestação subiria para R$ 73,47 – uma elevação de R$ 0,77.
Alguém irá supor que, por R$ 0,75 a mais na prestação, alguém deixará de comprar.
É evidente que não.
Agora, suponha que o Banco Central definisse que o prazo máximo cairá para 12 meses. O valor da prestação saltará para R$ 100,46, alta de 38% ou de R$ 27,75.
É flagrante o aumento da eficácia com as chamadas medidas prudenciais.
As sequelas do aumento da Selic
Voltemos para o aumento da Selic.
No seu comentário inicial, nosso amigo Henrique acusa o artigo de ser insuficiente, por não avaliar todas as implicações da Selic sobre a economia. Ora, as críticas mais graves contra o uso da Selic são justamente por suas outras implicações.
Efeito indireto 1 – apreciação do real. Mais juros internos atraem mais dólares, que provocam apreciação do real. Com isso, os importados ficam mais baratos. Entrando mais importados, haverá menos demanda para os produtos internos, provocando a redução de preços.
Efeitos colaterais – desequilíbrio nas contas externas, pelo aumento das importações e das despesas de viagens, entre outros. Desmonte do parque industrial, pelo fato dos produtos internos ficarem mais caros do que os importados. É efeito similar ao do médico que enche o paciente de antibiótico, para debelar uma infecção, e causa sequelas nos rins, no fígado e no baço. Se não souber dosar os efeitos colaterais, não pode ser um bom médico.
Efeito indireto 2 – impacto sobre as contas públicas, ameaçando o equilíbrio fiscal. Para reduzir o risco, o governo corta despesas, investimentos e aumenta o superávit primário. Por vias tortas – e bota tortas nisso – reduz os gastos com educação, saúde, políticas sociais, e, com o pobre comendo menos, há menos demanda.
No gráfico você tem uma representação simplificada desses efeitos da Selic.
Para o que ela se propõe – redução da demanda via aumento do custo do crédito – o efeito é nulo. Mas ela aprecia o câmbio, afetando as contas externas; e aumenta o custo da dívida pública, pressionando as contas fiscais.
Mesmo se afetasse a demanda, haveria distorções.
A alta de preços se dá em mercados aquecidos. A alta de juros bate em todos os mercados. E vai afetar muito mais os mercados que não estão aquecidos e que, portanto, os preços não estão pressionando a inflação.
A não explicação para as correlações econômicas
E aí se entra em um dos grandes equívocos dos chamados cabeças de planilha: o uso incorreto das correlações econômicas.
As correlações servem para os economistas definirem relações de causalidade entre duas séries. Eles colocam na planilha a série A e a série B e, por meio de cálculos variados, determinam a correlação – isto é, o efeito de uma variável sobre a outra.
Nos anos 90, quando as planilhas tornaram-se ferramentas usuais, o grande economista Dionísio Dias Carneiro criticou, certa vez, os jovens colegas que jogavam duas séries na planilha e montavam correlações sem pé nem cabeça.
Entre no primeiro links sugerido pelo Henrique. É um trabalho de economistas do Banco Central. Lá, há um gráfico estabelecendo correlações entre a taxa Selic e o IPCA. Conclui que o aumento da Selic começa a fazer efeito sobre o IPCA cinco trimestres depois – ou seja, 18 meses.
O gráfico analisa o período de 2006 a 2011. Nesse período houve choques agrícolas, aumento de demanda, a maior crise financeira desde 1929, medidas prudenciais do Banco Central (atuando diretamente sobre o crédito, sem elevar a Selic), seca no nordeste, mudança nas metas de superávit etc.
Mas a correlação está lá, firme e forte, como se a complexidade da economia se resumisse aos preços e à taxa Selic.
A seguir, a bela explanação do Henrique sobre a inflação e seu entendimento (no segundo comentário) sobre a natureza das críticas à Selic.
Leia mais em
http://jornalggn.com.br/noticia/as-discussoes-sobre-a-taxa-selic
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http://jornalggn.com.br/noticia/as-discussoes-sobre-a-taxa-selic
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