Se tiverem tempo e interesse, recomendo a leitura do artigo abaixo de Nouriel Roubini. Ele é professor de economia da New York University, foi criticado por dizer há um ano atrás que a crise das hipotecas era só a ponta do iceberg, diziam que ele era muito pessimista. Infelizmente ele estava certo. As ações de grandes bancos estão virando pó, outros estão passando o chapéu. Fora a grana que os bancos centrais dos EUA e da Europa já torraram para socorrer o sistema financeiro. Agora o Tesouro dos EUA vai dar uma ajudazinha de U$700 bilhões.
Quando o momento é de euforia, o sistema financeiro embolsa grandes lucros e através de seus porta-vozes na mídia é contra todo tipo de gasto social (como mostrou Michael Moore no documentário SOS SAÚDE, nos EUA não há filas na rede pública de saúde, porque não há rede pública de saúde). Agora a turma da bufunfa diz que a crise é sistêmica e o governo tem que ajudar.
Já reparam que nenhum esforço foi dispendido para ajudar os mutuários desses empréstimos que foram o estopim da crise?
Ao contrário do que dizem as autoridades brasileiras, a nossa economia está firme como um prego na areia. O volume de ativos (títulos públicos e ações) de alta liquidez facilmente convertido em dólares e enviados para o exterior é muito grande. As reservas brasileiras mal fazem frente à dívida externa de curto prazo. Além disso, o desaquecimento da economia mundial é levará a uma queda nos preços dos produtos exportados pelo Brasil, fazendo que o déficit na conta corrente cresça mais ainda.
Abaixo segue o seu artigo publicado originalmente no Financial Times e reproduzido na folha de hoje (22/09/2008).
Vladimir M. Coutinho
www.vlad.blog.br
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O sistema financeiro paralelo se desfaz
NOURIEL ROUBINI
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES'
A semana que passou determinou o fim do sistema bancário paralelo criado nos últimos 20 anos. Por causa de uma regulação maior dos bancos, a maior parte da intermediação financeira nas últimas duas décadas cresceu dentro de um sistema paralelo cujos membros são corretoras-operadores do mercado, "hedge funds", grupos de "private equity" (fundos privados de participação em empresas), títulos complexos e obscuros, fundos mútuos e empresas de créditos hipotecários não-bancárias. A maioria dos integrantes desse sistema faz operações de crédito de curto prazo, é muito mais alavancada que os bancos e investe em instrumentos financeiros de pouca liquidez.
Como os bancos, carregam o risco de sofrerem uma corrida contra suas obrigações. Mas, ao contrário dos bancos, protegidos desse risco por seguros e apoio emergencial de bancos centrais, a maioria dos integrantes do sistema paralelo não tinha acesso a essas proteções. Uma corrida geral a esses bancos paralelos começou quando a desalavancagem pós-estouro da bolha dos ativos gerou incertezas sobre quais instituições estavam solventes.
O primeiro estágio foi o colapso de todo o sistema de SIVs (fundos de instrumentos financeiros complexos e obscuros), quando os investidores perceberam a sua toxicidade. O próximo passo foi a corrida aos grandes corretores-operadores do mercado americano: primeiro o Bear Stearns perdeu sua liquidez em dias. O Federal Reserve (BC dos EUA) então estendeu seu apoio como fonte de crédito emergencial para corretores-operadores sistemicamente importantes. Mas mesmo isso não impediu uma corrida aos outros corretores-operadores dada a preocupação com a solvência: foi a vez de o Lehman Brothers quebrar. O Merrill Lynch enfrentaria o mesmo destino se não tivesse sido vendido. A pressão se deslocou para o Morgan Stanley e o Goldman Sachs.
O terceiro estágio foi o colapso de outras instituições alavancadas sem liquidez e provavelmente insolventes graças à sua irresponsável concessão de crédito: Fannie Mae e Freddie Mac, AIG e mais de 300 instituições de crédito hipotecário. O quarto estágio foi o pânico nos fundos mútuos de investimento. Eles competiam agressivamente por ativos e, para dar retornos maiores e atrair investidores, alguns aplicaram em instrumentos sem liquidez. Quando esses investimentos estouraram, o pânico tomou conta dos investidores, causando enorme corrida contra esses fundos. Isso seria uma catástrofe. Então, noutra mudança radical, os EUA estenderam as garantias de depósitos a eles.
O próximo passo será uma corrida contra milhares de "hedge funds" altamente alavancados. Após breve período de bloqueio, seus investidores podem resgatar os investimentos trimestralmente. Assim, uma corrida contra esses fundos na forma de uma corrida bancária é bastante provável. Centenas de fundos menores e mais novos que assumiram riscos excessivos com alta alavancagem e são mal-administrados podem quebrar. Uma enorme mexida na inflada indústria de "hedge funds" é provável nos próximos dois anos.
Mesmo as firmas de "private equity" e suas compras irresponsáveis e altamente alavancadas de empresas não serão poupadas. A bolha de "private equity" gerou compras alavancadas de empresas ("LBO" na sigla em inglês) que jamais deveriam ter ocorrido. A corrida contra essas LBOs é lenta, mas só atrasam a crise de refinanciamento e tornará ainda pior as quebras que se seguirão. Mesmo grandes LBOs, como GMAC e Chrysler, estão agora em risco.
Estamos observando uma corrida acelerada contra o sistema bancário paralelo que está causando seu fim. Se o apoio emergencial e a garantia de depósitos forem estendidos a mais integrantes do sistema, essas instituições terão de ser regulamentadas como os bancos para evitar risco moral. Claro, esta severa crise financeira também tem custo aos bancos tradicionais: centenas estão insolventes e terão de fechar.
O lado econômico real da crise financeira será uma severa recessão nos EUA. O contágio financeiro, o euro forte, as importações americanas em queda, a explosão das bolhas habitacionais européias, os altos preços do petróleo e um duro Banco Central Europeu causarão recessão na zona do euro, no Reino Unido e na maioria das economias avançadas. Instituições financeiras européias correm o risco de perdas agudas por causa dos títulos tóxicos vendidos a elas. Assim, a crise financeira do século também envolverá as instituições financeiras européias.
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