quarta-feira, 13 de maio de 2009

O mundo real e o modelo do Banco Central

Por Antonio Carlos Lemgruber


Onde está o mundo real no modelo do Banco Central que serve de base para fixar a taxa de juros dentro do regime de metas de inflação e de câmbio flexível?

O mundo real está resumido a duas variáveis: hiato do produto (é um nome complicado mas expressa o desemprego na economia ao calcular o “produto perdido” numa recessão) e a taxa real efetiva de câmbio (que reflete a variação do real em relação a uma cesta de moedas corrigida pela inflação).

Os empresários do mundo real precisam compreender mais a fundo estes conceitos do Banco Central. A taxa de juros atua positivamente sobre a taxa real efetiva de câmbio, e negativamente sobre o hiato do produto. É um duplo efeito negativo sobre a atividade econômica em termos reais. Quando os juros sobem, diminui a atividade econômica e portanto “aumenta” o hiato do produto ou o desemprego. Mais ainda, a taxa real efetiva de câmbio se aprecia com os juros mais altos, e isto é ruim para a balança comercial, sobretudo porque desestimula exportações de manufaturados e também porque estimula importações de manufaturados.

Claro que na queda de taxa de juros o efeito vem ao contrário. O desemprego diminui, o câmbio tende a desvalorizar, as exportações aumentam, a economia cresce.

Acontece que o Banco Central trabalha com uma regra monetária – a regra de Taylor. E no caso brasileiro, de extremo conservadorismo, esta regra diz o seguinte: subir os juros toda vez que a inflação ameaçar ultrapassar a meta. E só diz isso. Nada sobre o desemprego. Nada sobre o balanço de pagamentos. E o Banco Central ainda fica feliz porque os juros altos e crescentes apreciam o câmbio e atuam sobre a inflação desta maneira também.

Vale notar que uma subida nos juros internos é equivalente a uma queda nos juros externos – o que interessa é o diferencial. Portanto, recentemente, a despeito da queda de juros, o que estamos observando é o câmbio novamente apreciando e, portanto, um impacto recessivo sobre o PIB pelo lado da balança comercial.

Há vários problemas no sistema de metas de inflação do Banco Central que “ajudam” a controlar a inflação, mas por outro lado vem contribuindo para manter esta medíocre taxa de crescimento brasileira desde 1999 (quando começou o modelo) até 2008, sem falar em 2009, quando o PIB vai crescer negativamente 3%. Aqui não é o local para se detalhar estes problemas, mas um resumo cabe: o hiato do produto está sendo mensurado de forma inadequada; a taxa real efetiva de câmbio está sendo substituída pelo dólar apenas; o hiato do produto nem sequer entra na regra de Taylor dos conservadores banqueiros centrais brasileiros; o conceito de inércia ou persistência inflacionária está exagerado; o coeficiente de repasse do câmbio para a inflação está incorreto etc.

Se esses problemas fossem resolvidos, poderíamos ter tido um crescimento entre 1999 e 2008 parecido com o do milagre brasileiro de 1968-1973, comandado por Delfim Netto e Ernane Galvêas. Ou seja: uma alta taxa média de crescimento (quem sabe 5%?) sem maiores pressões inflacionárias. Uma pena. Somos elogiados porque o Banco Central virou o Bundesbank desde 1999 (ou antes), mas estamos convencidos de que a “produção perdida” entre 1999 e 2008 é muito maior do que aquela que aparece nas medidas oficiais de hiato do produto. Pode ser que tenhamos perdido cumulativamente 20% do PIB.

* Antonio Carlos Lemgruber é economista, ex-presidente do BC

Jornal do Brasil 23:12 - 12/05/2009

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