por Giorgio R. Schutte
Nos últimos meses, instalou-se no debate uma
visão de que a Petrobras, em vez de orgulho nacional, seria um exemplo das
mazelas que impedem o crescimento do Brasil. Essa visão precisa ser
equilibrada.
Curiosamente, embora duramente criticada por
alguns setores liberais e aqueles vinculados a interesses dos oligopólios
internacionais, o assunto não ganhou o merecido destaque na campanha eleitoral
de 2010, ano em que o marco-regulatório do pré-sal foi discutido e aprovado no
Congresso.
Diante das três rodadas de licitação de
petróleo e gás neste ano, com destaque para a primeira do pré-sal, sob o regime
de partilha, marcado para hoje, o tema surgiu, porém de forma desequilibrada.
São várias questões que estão em jogo, nem sempre diretamente
interligadas.
Uma visão de curto prazo, característica dos
investidores financeiros, contra a qual Keynes já havia nos alertado na década
de 1930, pode levar a uma interpretação errada dos seguintes fatos: a ausência
de aumento da produção total de petróleo e gás no período 2010-2013, o déficit
anual de mais de US$ 10 bilhões na conta de abastecimento e a queda das ações da
Petrobras.
No que diz respeito ao último ponto, cabe citar
o próprio Keynes: "...seria insensato pagar 25 por um investimento cuja renda
esperada, supõe-se, justifica um valor de 30 se, por outro lado, se acredita que
o mercado o avaliará em 20 três meses depois". Projetados para os dias de hoje,
meses seriam dias. É óbvio que nesse momento a ação da Petrobras é um
investimento de longo prazo. A megacapitalização aumentou o capital para
possibilitar aumento da receita no futuro, baixando no curto prazo a
rentabilidade. Não serve a lógica da liquidez no curto prazo.
Voltando aos outros pontos. A estabilidade do
nível de produção esconde um enorme êxito da Petrobras, detentora de uma
tecnologia endógena construída ao longo de décadas, que a fez descobrir o
pré-sal. Em junho de 2013, somente sete anos depois da descoberta, o Brasil
estava produzindo 376 mil de petróleo e gás equivalente por dia do pré-sal,
superando todas as estimativas, inclusive da própria empresa. O sucesso
exploratório nas áreas de pré-sal é de 82%, contra uma média da Petrobras, no
Brasil, de 64%. Para isso, na escassez dos equipamentos, foi necessário frear a
produção em campos existentes muito além do nível de esgotamento. Ou seja,
recuperável com a chegada dos novos equipamentos e esforços em curso para
melhorar a produtividade e gestão nos campos antigos. Mas, a partir de segunda
metade de 2013, este quadro mudou.
Seria um grave erro insistir que os supostos
atrasos na exploração e produção seriam fruto das exigências de conteúdo local.
Diante de uma demanda, até 2020, estimada pela Organização Nacional de Indústria
de Petróleo (ONIP), de R$ 400 bilhões em serviços e equipamentos do setor de
petróleo e gás no Brasil, seria uma irresponsabilidade não aproveitar as
oportunidades de longo prazo para a produção local. Não há dúvida de que possa
existir um trade-off entre interesses de curto prazo na exploração e produção o
mais rápido possível, de um lado, e interesses de longo prazo da economia, de
outro.
Na próxima década, o Brasil deve chegar a uma
produção de óleo e gás equivalente a cerca seis bilhões de barris por dia, nível
atingido hoje somente por quatro países no mundo. É o tamanho e a perspectiva de
médio-longo prazo que justifica que a atuação da Petrobras e o marco-regulatório
devam ser pensados no âmbito da estratégia de política industrial e tecnológica
do país.
O que não deve mudar, porém, nos próximos dez
anos, é o déficit na conta de derivados. A política de crescimento com
distribuição de renda gerou uma explosão do consumo de petróleo e gás. O número
de passageiros aéreos aumentando, de uma média anual, de 34,8 milhões, no
período 2000-2003, para 83,5 milhões, no período de 2008-2012. Haja querosene.
Ou o número de licenciamento de veículos, de uma média de 1,5 milhão para 3,5
milhões no mesmo período. O consumo aparente de derivados de petróleo aumentou
76% entre 2002 e 2011. A última refinaria (em São José dos Campos) foi entregue
em 1980, como fruto do segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND II).
Observa-se ainda que 42,5% dos derivados
importados são não-energéticos (principalmente nafta, matéria prima da indústria
petroquímica-plástica), também fruto da política de crescimento com distribuição
de renda, considerando a alta elasticidade renda/demanda de plásticos para
consumo popular. A Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast)
projetou um aumento do consumo de plásticos de 23 kg por habitante, em 2005,
para 46 kg por habitante, em 2015.
Logo, o Brasil vai importar gasolina, diesel,
querosene e nafta e exportar petróleo cru até 2020, quando o atual planejamento
de expansão da capacidade de refino estará completo. Nada tem a ver com o novo
marco regulatório. Mas isso significa um gasto para a Petrobras, que está
importando os derivados a preços superiores àqueles praticados no mercado
interno. Correta, portanto, a defesa da convergência dos preços internos com os
preços internacionais, devolvendo, inclusive, o espaço devido ao etanol, muito
menos poluente e abrindo caminho para biodiesel.
Considerando o impacto de uma forma ou outra
sobre a economia brasileira, o debate público sobre o pré-sal é essencial, mas
não pode ser restrito a visões e interesses específicos e/ou de curto prazo
(Giorgio Romano Schutte, mestre em Relações Internacionais pela Universidade de
Amsterdam e doutor em Sociologia pela USP, é professor de economia e relações
internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC)
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