terça-feira, 23 de outubro de 2007

Diretor do Ipea defende limite de gastos com juros

Para João Sicsú, despesas do governo com o pagamento de juros da dívida pública não geram empregos nem bem-estar

Com a taxa de câmbio valorizada, economista alerta para o risco de déficit em transações correntes no próximo ano

PEDRO SOARES
Folha de São Paulo 21/10/2007

Tido como desenvolvimentista entre os economistas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), João Sicsú, novo diretor de Estudos Macroeconômicos do órgão, afirma que a economia vai bem, mas existem duas fragilidades: a taxa de juros ainda é muito alta, e a taxa de câmbio está demasiadamente valorizada.

FOLHA - Como o sr. avalia a questão do aumento de gastos públicos? O que acha da regra de limitá-los?
JOÃO SICSÚ
- Gastos de um governo devem ser analisados pelos benefícios que podem gerar. Gastos de custeio, capital, pessoal e previdenciários geram benefícios para a sociedade, geram empregos e bem-estar social. Há gastos que não geram empregos nem bem-estar.
Um exemplo é o gasto do governo com o pagamento de juros referentes à dívida pública. Quem recebe essa transferência, em geral, não transforma essa renda em gastos de consumo ou investimento. Normalmente, compram mais títulos da dívida. Por outro lado, quem recebe o Bolsa Família transforma a sua renda adicional em gasto de consumo, o que reduz a insatisfação e gera empregos.
Acho que poderia haver uma regra que deveria limitar quanto o governo poderia gastar na rubrica despesas de juros: o governo gastou cerca de, entre 2003 e 2006, R$ 600 bilhões. Essa despesa não gera empregos nem bem-estar.

FOLHA - Uma política de aumento real expressivo do salário mínimo não é contraditória com a necessidade de conter gastos especialmente por causa do impacto nos benefícios previdenciários?
SICSÚ
- O aumento do salário mínimo é um mecanismo potente de prevenção e redução da pobreza, usado em economias desenvolvidas, como um dos pilares da política social. Assim, como a busca do equilíbrio do Orçamento da União não deve utilizar critérios exclusivamente contábeis, o equilíbrio orçamentário da Previdência Social não é um problema a ser resolvido com critérios meramente atuariais.

FOLHA - O que o país precisa fazer para acelerar o crescimento econômico? O país não precisa de um choque de gestão?
SICSÚ
- A inflação está controlada e a economia está crescendo a um ritmo considerado muito bom, quando comparado com o que ocorreu nas últimas duas décadas. Entretanto, a economia não está totalmente estabilizada. Variáveis estratégicas ainda estão fora do lugar. A taxa de juros ainda é muito alta e a taxa de câmbio está demasiadamente valorizada. Em 2008, perderemos provavelmente o saldo positivo em transações correntes, se o câmbio permanecer valorizado e a economia continuar crescendo.
Essa é uma fragilidade importante no front externo, mas temos, para compensar, um volume considerável de reservas, uma dívida externa bastante reduzida e a entrada de investimento direto estrangeiro. Uma segunda fase ainda mais vigorosa do PAC é o que o país precisa para fazer um longo ciclo de crescimento.

FOLHA - Quais reformas econômicas ainda precisam ser conduzidas e quais propostas o sr. tem para elas?
SICSÚ
- No campo da economia, a principal reforma que o país precisa é a tributária. A carga tributária no Brasil cresceu na última década porque as despesas públicas com juros cresceram demasiadamente, apesar das privatizações dos anos 1990 que foram justificadas, porque seriam utilizadas para reduzir a dívida pública.
O ponto é que temos a carga tributária elevada, porque praticamos juros elevados. Uma carga elevada, em tese, não necessariamente deve ser considerada negativa. A brasileira deve ser considerada negativa porque ela é "no-delivery': não entrega o que foi prometido na Constituição de 1988.

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