Luiz Sérgio Guimarães
Valor Econômico 08/12/2008
O principal acontecimento econômico desta semana não está desvinculado da queda-de-braço travada pelo Banco Central e os especuladores no mercado de câmbio. A última reunião do ano do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, nesta quarta-feira, pode ser até o alvo central das escaramuças em torno da taxa de câmbio. A cotação do dólar está servindo de munição destinada a convencer o BC de que não será prudente começar a baixar a Selic tão cedo. O território a ser conquistado pelas instituições não são os lucros gerados aos detentores de swaps cambiais por dólar acima de R$ 2,60, mas a manutenção da Selic em 13,75% por pelo menos mais seis meses. Com isso, os especuladores ganham nas duas pontas, tanto com o juro alto quanto com o dólar caro. E a economia como um todo perde pelos dois lados: o primeiro comprime ainda mais a atividade já ferida pela crise externa e o segundo injeta combustível às expectativas de inflação.
O tiroteio cambial foi devastador na sexta-feira. De manhã, tendo como pretexto a extinção recorde de empregos nos EUA, o movimento comprador empurrou o dólar para até R$ 2,6210. A variação do dólar compõe a base da remuneração dos swaps cambiais emitidos no início da crise e que começam a vencer. A finalidade da esticada era chamar o BC para a briga. E ele foi, duplamente. Primeiro, sob a forma de intervenções. Fez cinco leilões, três de venda direta de dólar no mercado à vista e dois de venda de contratos de swaps cambiais. No total, abasteceu o mercado com US$ 2,3 bilhões. Em segundo lugar por meio de declarações oficiais insinuando a intenção do BC de não reduzir a taxa Selic. Este segundo fator pode ter sido até mais decisivo para a queda verificada no dólar no período da tarde. Foi depois dele que a moeda derreteu 4,42%, batendo na mínima de R$ 2,4240. A moeda encerrou o dia cotada a R$ 2,4790, em baixa de 2,24%. Vitória do BC? Na semana, acumulou valorização de 7%.
O economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, consultor do IEDI, diz que a especulação cambial tem como objetivo primordial evitar que o BC diminua a taxa de juros básica. Essa é a meta mais valiosa. Depois vem o alvo secundário, que consiste na valorização dos swaps cambiais. No seu entender, o BC não pode ser operacionalmente autônomo unicamente em relação às ingerências de natureza política do governo. Sua independência deve ser mais abrangente. Ele deve desvincular-se sobretudo dos interesses do mercado. Atualmente, a política monetária é prisioneira desses interesses. Tanto é que não se pode confundir medidas de estímulo à ampliação da liquidez do sistema bancário com uma política de expansão do crédito. De acordo com Gomes de Almeida, nenhum centavo dos R$ 94 bilhões liberados do compulsório bancário chegou ao crédito. Esses recursos apenas aumentaram o empoçamento. "Se o BC não baixar logo o juro e o governo não fizer uma política fiscal mais ativa, o que atualmente mostra-se como uma desaceleração econômica pode se transformar em uma recessão", diz o professor de economia da Unicamp.
O BC parece estar numa sinuca de bico. Se larga o câmbio às forças do mercado, favorece às exportações ao melhorar a competitividade do câmbio num momento em que os países emergentes parecem dispostos a promover depreciações cambiais para facilitar a venda em mercados cada vez mais arredios. Esta pode ser a explicação para a atuação hesitante do BC no câmbio, na opinião do consultor Miguel Daoud, da Global Financial Advisor. Uma redução da Selic teria o poder de amplificar a desvalorização do real. Mas esta não pode sair do controle a ponto de estragar completamente o esforço desenvolvido desde 2002 de desinflação da economia brasileira. É por isso que o estrategista da Pentágono Asset, Marcelo Ribeiro, considera necessária a adoção de algum tipo de controle de capitais externos. "O governo deveria começar a cogitar a implementação de controles de capitais, nos moldes feitos pela Malásia em 1998, para impedir que a depreciação do real dificulte a queda da Selic na velocidade que tem de ser realizada para impedir que o Brasil entre em recessão", diz Ribeiro.
Para a economista-chefe do Banco Fibra, Maristella Ansanelli, diante do cenário de enfraquecimento mais rápido e mais agudo da atividade econômica, os índices de inflação têm ficado bem comportados, a despeito da forte depreciação do real nos últimos meses. Na sua visão, parece cedo para acreditar que os índices de inflação passarão incólumes ao movimento da moeda, mas certamente os impactos deste movimento sobre a inflação serão menores do que em episódios anteriores. "Neste contexto, estimo uma trajetória relativamente benigna para a inflação em 2009, com o IPCA convergindo para o patamar de 5%", diz a economista.
Luiz Sérgio Guimarães é repórter de Finanças
Nenhum comentário:
Postar um comentário