Resumo do artigo Monetário-ecologismo: sonhático e financista de Paulo Kliass*
Trajetória de Marina: da ecologia às finanças
Apesar
de trazer em seu DNA uma origem marcada por algumas tendências
autenticamente ecológicas e ambientalistas, o movimento conhecido como
“marineiro” foi ampliando seu espectro político-ideológico e se
converteu efetivamente em um programa de governo, tal como apresentado à
sociedade brasileira nas eleições de 2010. Tendo abandonado o PT em
2009, Marina Silva concorreu à Presidência da República pelo Partido
Verde e obteve quase 20 milhões de votos - o que correspondeu a mais de
19% do total. Assim, converteu-se em patrimônio eleitoral que não pode
ser negligenciado por nenhuma força política no País.
No
entanto, uma das marcas da ampliação do espaço político-eleitoral da
candidata tem sido a convergência conservadora de seus princípios
programáticos. Muito tem sido comentado a respeito dessa característica,
principalmente em função de suas conhecidas raízes religiosas e uma
eventual retomada de um certo fundamentalismo a nortear sua ação nos
dias de hoje. No caso específico da política econômica, esse viés é mais
do que evidente. A antiga militante sindicalista e das causas populares
e ecológicas foi se aproximando politicamente de importantes ramos da
grande burguesia e de representantes do empresariado financista. Esse
fenômeno, diga-se de passagem, não é característica específica do
capitalismo tupiniquim. Em vários países do mundo desenvolvido, e mesmo
em sua escala globalizada, setores do capital começam a se apropriar das
bandeiras da causa ambientalista. Na verdade, trata-se de uma
inteligente estratégia de conversão de sua atuação para áreas
estratégicas, em que sejam identificadas e mapeadas as novas
oportunidades de negócios. Assim, trata-se de trabalho de pesquisa de
potencial de investimentos para os novos ciclos de reprodução e
acumulação do sistema. A justificação teórica mais elaborada e refinada
vem na seqüência.
Esse tipo de movimento - sempre pensando no
longo prazo - é que faz com que empresas, hoje vistas como inimigas do
ser humano e do meio ambiente, ensaiem uma mudança de postura e de
imagem. A Vale patrocina empreendimentos que se apresentam como marcados
pela sustentabilidade (sic) pelo mundo afora. Aquela multinacional do
refrigerante do rato morto começa a investir em áreas essenciais no
futuro, como a água – um “bem” que será cada vez mais escasso no
planeta. Já a mais famosa rede dos lanches rápidos, que vende
hambúrgueres onde o que menos se encontra é a carne, passa a fazer um
marketing de alimentação saudável e preocupação com o meio ambiente.
Ironia dos novos tempos ou tragédia de desastres futuros previamente
anunciados?
Propostas econômicas: conservadorismo e ortodoxia
Ora,
a aproximação da Rede com esses setores do mundo das finanças não se dá
sem compromissos. O movimento que gravita em torno de Marina passa a
contar com economistas de peso dentre seus quadros ou então na condição
de consultores especiais. São profissionais muito bem formados e
competentes em suas áreas de atuação. O único detalhe é que estão todos
orientados pela lógica da propriedade privada, são mercadistas em sua
formulação e professam o liberalismo como paradigma basilar de suas
propostas de política econômica. Simples assim: a simbiose entre
ecologia e finanças.
Em 2010, a coisa já foi começando por
esse caminho. Apesar de pouco debatido durante a campanha, o programa de
política econômica de “Marina 43” não escondia em nada os traços dos
economistas mais “prá-frentex” dentre os conservadores atuando em nossas
terras. Os dois pontos centrais do item “Economia para uma sociedade sustentável”
consistem nas propostas de dar continuidade ao programa de essência
neoliberal, lançado pela gestão de FHC e continuado por Lula/Dilma. Em
primeiro lugar, a orientação para manter a estrutura de sustentação da
política macroeconômica, uma vez que as
“metas de
inflação, responsabilidade fiscal e câmbio flutuante, administrando as
políticas fiscal, monetária e cambial para garantir o equilíbrio interno
e externo, são requisitos de um desenvolvimento sustentável”.(GN)
O
único detalhe é que faltou explicar ao leitor de que maneira o tripé da
política econômica - que apenas reduz, restringe e constrange - pode
ser considerado como pré-condição para qualquer perspectiva
desenvolvimentista.
Em seguida, o documento se encaminha
pelas trilhas da redução dos gastos públicos, em função da dimensão do
grau de endividamento público do país. Ao identificarem corretamente que
há uma enorme lacuna na capacidade de investimento do Estado
brasileiro, os autores sugerem que o equilíbrio seja buscado por meio da
redução das despesas correntes, ou seja, em saúde, educação,
previdência social, pessoal e similares. Portanto, nenhuma linha a
respeito do peso das despesas com a carga financeira e com o pagamento
de juros da dívida. O texto é duro na proposição: crescer os gastos a um
ritmo de somente 50% do crescimento da economia. Nem Malan ou Palocci
ousaram tanto assim, enquanto estiveram à frente do Ministério da
Fazenda. Vejamos aqui:
“Por isso, é fundamental conter o crescimento dos gastos públicos correntes à metade do crescimento do PIB.”
Passadas
as eleições, Marina rompe politicamente com o PV e vai construir sua
própria via, a Rede. Sua forma de intervenção continua carregada de
charme e setores do financismo começam a depositar suas fichas também
nessa alternativa.
Nomes importantes do empresariado mantêm seu
apoio, como Guilherme Leal (vice na chapa em 2010) da Natura e Roberto
Klabin, do grupo da conhecida família. E a ponte com o mundo das
finanças se consolida com o apoio de Maria Alice Setúbal, uma das
herdeiras do Banco Itaú. A flexibilização para a “realpolitik” vai mesmo
até o ponto da aceitação de doações de recursos por parte de
empreiteiras.
As novas companhias: boas intenções, empresas e bancos
Com
essa estrutura e a carência evidente de uma base de formulação de
economia política em seus quadros, a Rede passa a reproduzir as falas e
as visões dos economistas formados na ortodoxia e no monetarismo
liberal. São eles que passam a dar a linha para as intervenções de
Marina no debate econômico. Os antigos apoiadores do projeto tucano de
poder processam uma mudança de rota em pleno vôo e se convertem ao
projeto marineiro. E nesse caso, pouco importará que o programa oficial
do agrupamento que busca seu registro no TSE ainda guarde algumas
tinturas de um ambientalismo autêntico. Vejamos aqui o que ainda pode
ser encontrado no Manifesto da Rede:
“mudanças
no modelo econômico para a construção de um projeto de desenvolvimento
socialmente includente e ambientalmente sustentável”, incluindo
“valorização do nosso patrimônio socioambiental, viabilizando a
transição para uma economia sustentável”; “taxas de juros em patamares
que induzam os investimentos produtivos nos setores vitais para o
desenvolvimento sustentável do País”; “diversificação da matriz
energética em busca de uma matriz limpa e segura”; “democratização do
acesso à terra e uma política agropecuária que recupere a função
estratégica do setor para a segurança alimentar, melhoria da qualidade
de vida da população e preservação dos nossos biomas”.
Ocorre
que essas belas intenções programáticas acima descritas não resistem ao
menor encontro de Marina com representantes da nata do PIB e do
financismo. Tanto que o discurso da candidata passa se afinar
precisamente às orientações sugeridas por figuras como André Lara
Resende e Armínio Fraga. São antigos integrantes do primeiro escalão do
governo FHC na esfera econômica e que, atualmente, se dedicam a cuidar
com muito zelo e carinho dos interesses de seus próprios bancos e do
patrimônio de seus clientes.
Projeto da Rede: “ressignificado” pelo financismo?
Com
isso, o sonho ambientalista se converte pouco a pouco em uma espécie de
“monetário-ecologismo”, ao passo que a utopia de preservação da
natureza começa a ganhar a coloração de um projeto
“sonhático-financista”. Ora, é mais do que evidente a existência de
profundas contradições intrínsecas entre o mundo empresarial tupiniquim e
qualquer tipo de preocupação relacionada com o tema da
sustentabilidade. Seja pelo enfoque ambiental, econômico ou social.
Nossa tradição é ainda marcada pelo espírito herdado do
neo-colonialismo: espoliação radical dos recursos e apropriação do
máximo de renda/riqueza no curto prazo. Quando essa abordagem se
encontra com os interesses do financismo, aí então é que ninguém segura a
onda devastadora.
Esse é o contexto em que se explica a
performance de Marina em reunião fechada, realizada há poucos dias com
representantes do mundo dos negócios. Ela teria criticado o governo pela
frouxidão na condução da economia. Assim, reforçou a necessidade de
retomar a essência ortodoxa da política econômica vigente desde os
tempos de FHC e que recebeu a continuidade sob Lula e Dilma. Foi
explícita em clamar pela vigência inflexível do famigerado tripé da
política econômica.
Em termos concretos, isso significa os
seguintes pontos: i) maior rigor na obtenção do superávit primário,
ainda que isso signifique menos recursos do orçamento para gastos nas
áreas sociais; ii) maior liberdade na política cambial, apesar de que a
valorização de nossa moeda traga consiga a desindustrialização e o
desemprego; iii) controle severo da meta de inflação no seu centro, não
importando que isso implique uma política de juros oficiais
estratosféricos.
Ao que tudo indica, Marina já fez sua opção.
Entre o sonho ambientalista e o pesadelo financista, busca arriscar um
equilíbrio impossível de harmonizar. As primeiras perdas virão à medida
que o desenho das alianças comece a ganhar seus verdadeiros contornos.
As expectativas da galera altermundista, dos ecologistas autênticos e
dos marineiros de primeira hora com certeza serão profundamente
desapontadas. Afinal, tudo parece indicar que a combinação inicial era
de outra natureza.
(*) Doutor em economia pela Universidade de Paris 10 (Nanterre) e
integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão
Governamental, do governo federal.
http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/Monetario-ecologismo-sonhatico-e-financista/29218
Nenhum comentário:
Postar um comentário