Aumenta risco de cavalo-de-pau
Valor
14/04/2008
O Copom do Banco Central começará esta semana a atacar os efeitos trazidos à economia brasileira pela inflação mundial de alimentos. Para alguns analistas, trata-se de pretensão jactanciosa capaz de empurrar a economia brasileira para a recessão. Exagero? Eles lembram que um pouco mais da metade do IPCA de 12 meses acumulado até março - de 4,73% - resultou da alta de 11,22% sofrida pelo item alimentação. Se a inflação da comida tivesse sido zero nos 12 meses terminados em março, o IPCA do período seria ridiculamente baixo, de 2,27%. O BC sabe que a política monetária brasileira não tem o poder de mitigar um choque de demanda na área da alimentação, que, além de global, não dá mostras de ser transitório. Qual a saída? Agir na metade do índice que não é alimentação. Se a alta dos alimentos não for passageira, para o BC conseguir enquadrar o IPCA na meta de 4,5%, terá de reduzir drasticamente o crescimento da economia. A ficha parece estar caindo entre os analistas: se o BC não quiser acomodar o IPCA de 2008 na banda superior do sistema de metas, tolerando uma alta de até 6,5%, terá de dar um cavalo-de-pau na economia. Só assim sufocará a parte não-alimentícia do IPCA.
Como o BC brasileiro se orgulha de ser o banco central mais conservador do mundo, não parece haver possibilidade de aceitar, por força das circunstâncias globais, um IPCA de 6,5%, preservando produto. E não será fácil provocar uma parada na economia de forma a que a deflação na parte não-alimentícia compense a alta dos alimentos. A porção mais ortodoxa dos economistas de instituições financeiras já defende abertamente aperto monetário prolongado. O início, depois de amanhã, não pode ser o tímido 0,25 ponto consensual. Isso pode passar hesitação e tibieza. No mínimo, o Copom deveria aplicar uma alta de 0,50 ponto. Um dos expoentes dessa ala é o economista-chefe SLW Asset, Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho. Escreveu ele em relatório a clientes: "Estou particularmente pessimista com o tamanho do ajuste uma vez que há uma maior dificuldade da taxa de juros influenciar a atividade pelo canal do crédito. Assumindo que há um choque positivo sobre a atividade, dado pelo crédito consignado e a maior concorrência dos bancos, será mais difícil influenciar a dinâmica das concessões. Desta forma, pode ser que os modelos estejam subestimando o tamanho do ajuste necessário a fim de equilibrar a economia. Assumo aqui que a atividade segue robusta, hipótese que parece bem plausível. A taxa Selic deve alcançar 13,25%, mas existe o risco do ajuste necessário ser superior". Pela mediana do Boletim Focus, 100 instituições pesquisadas na primeira semana de abril esperavam Selic de 12,50% no fim do ano.
Para conduzir o IPCA de volta ao centro da meta, há alguma outra opção a não ser o cavalo-de-pau? A segunda via é a velha e sempre utilizada apreciação cambial. Se a crise financeira americana, cujo efeito mais nefasto globalmente é a ampliação da aversão ao risco, não acabar logo, aumentará a competição internacional pelos capitais. E hoje há uma corrida para saber qual país aumenta mais o juro. Ao divulgar o seu Relatório de Inflação referente ao primeiro trimestre do ano, o diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita, disse que não era só o BC brasileiro quem ensaia movimento preventivo de aperto monetário. Depois disso, o mercado passou a colecionar os casos de aperto. Há para todos os gostos, tamanhos e continentes: do Chile e Colômbia na América Latina, passando pela China, Coréia e Austrália, no outro lado do mundo, Hungria, Suécia e Polônia na Europa, África do Sul e na remota Islândia. Ou seja, para amordaçar o IPCA sem sacrificar produto, o BC teria de provocar uma nova feroz apreciação cambial. E, para isto, não basta qualquer alta de juro. Tem-se, de novo, um aperto que, além de capaz de dar uma guinada no crescimento, afetará as exportações e ampliará o déficit em conta corrente.
Diante da perspectiva de o BC desencadear um aperto mais drástico que o imaginado, o resultado e o comunicado pós-reunião reavivam o interesse por esse terceiro Copom do ano. Nos EUA, as atenções estarão concentradas nos balanços do primeiro trimestre que importantes instituições divulgarão esta semana. Para amanhã, está prevista a publicação dos resultados do Merrill Lynch e do Bear Stearns. Na quarta, sai o balanço do JP Morgan.
Luiz Sérgio Guimarães é repórter de finanças
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