quarta-feira, 16 de abril de 2008

Mais arte do que ciência

Defim Netto Valor 15/04/2008

Os leitores deste jornal devem estar "aturdidos" (como diz o velho tango) com a diversidade de opiniões abalizadas a respeito da política monetária. Talvez uma página no estilo "magister dixit" possa ajudá-los a caminhar nessa selva.

"A economia não é uma ciência, ao menos não no sentido que experimentos repetidos produzem sempre os mesmos resultados. Previsões econômicas são freqüentemente erradas. Nos momentos de mudança no ciclo econômico em particular, dados inadequados, modelos deficientes e choques aleatórios, conspiram repetidamente para produzir resultados insatisfatórios. Ainda mais complicada é a tarefa de atribuir probabilidades aos riscos que rondam as previsões. De fato, essa tarefa é tão difícil que não seria exagero dizer que enfrentamos um mundo fundamentalmente incerto - um mundo no qual as probabilidades não podem ser calculadas - e não apenas um mundo arriscado.


A história econômica é um guia bastante útil neste ponto. A grande inflação dos anos 70 surpreendeu a imensa maioria dos analistas e formuladores de política econômica, assim como o fez o ritmo da desinflação e a subseqüente recuperação econômica depois de efetivamente enfrentados esses problemas. De maneira análoga, praticamente ninguém previu a Grande Depressão dos anos 30 ou as crises que afetaram o Japão e o Sudeste Asiático, respectivamente, no início e no fim dos anos 90. Na verdade, cada declínio foi precedido por um período de crescimento não-inflacionário suficientemente exuberante para levar vários analistas a sugerir a chegada de 'uma nova era'.


Surpresas similares podem ser notadas no nível micro. Por volta da época do colapso da LTCM em 1998, essa instituição enfrentou choques de preços em diversos mercados, que foram quase dez vezes maiores do que podiam ser razoavelmente esperados historicamente. Conseqüentemente, as premissas por ela utilizadas - de que estava adequadamente diversificada, amplamente líquida e bem capitalizada - mostraram-se desastrosamente equivocadas.


Obviamente, alguns irão dizer que a nossa compreensão do processo econômico melhorou graças a essas experiências. Entretanto, tal proposição não é tão fácil de ser provada. Considere, por exemplo, a forma típica com que os economistas de bancos centrais prevêem a inflação futura a partir de modelos econométricos de interação entre preços e salários.

Bancos centrais e mercados não são infalíveis

Para fazer isso de modo acurado, pelo menos cinco questões precisam ser respondidas corretamente: 1) Qual é a melhor forma de medir o excesso de capacidade da economia doméstica? ; 2) Qual é a taxa de crescimento da produtividade? ; 3) As influências externas limitam-se aos preços dos produtos importados? ; 4) Os salários são reajustados a partir das expectativas de preços futuros ou a partir da evolução dos preços passados? ; e 5) Se as expectativas forem importantes, elas são influenciadas pela credibilidade do banco central ou por outras coisas, tal como a inflação corrente ou a inflação percebida? As respostas a cada uma dessas questões são, atualmente, bastante controversas, e quando consideramos outras variáveis econômicas, o grau de dissenso em relação a várias outras questões - fundamentalmente tão importantes quanto as anteriores - é, também, grande.

De fato, à luz de expressivas mudanças estruturais (e das que estão em curso) não é difícil argumentar que a nossa compreensão dos processos econômicos pode ser hoje ainda inferior à que foi no passado. No lado real da economia, a combinação do progresso tecnológico com a globalização revolucionou a produção. No lado financeiro, novos participantes, novos instrumentos e novas atitudes se mostraram igualmente revolucionárias. Por fim, no lado monetário, bancos centrais cada vez mais independentes mudaram bastante, tanto em termos de suas ações quanto no que se refere à comunicação com o público. Em meio a toda essa mudança, poderia alguém seriamente argumentar que se trata de 'business as usual'?

Há, ainda, uma incerteza especial na área de política monetária. Apesar do comprometimento dos bancos centrais com a busca da estabilidade de preços nunca ter sido tão forte, o papel desempenhado pela moeda e pelo crédito tem sido cada vez mais discutido, devido à incerteza de sua relação com o processo inflacionário. Para alguns bancos centrais e, na verdade, muitos acadêmicos de ponta, nem a moeda nem o crédito são tidos como tendo qualquer importância efetiva na condução da política monetária. Para outros, entretanto, o crescimento acelerado de tais agregados pode predizer a inflação ou ser um sinal de um ciclo de expansão e retração impulsionado pelo lado financeiro, com suas próprias e indesejáveis características.


Nessa perspectiva, nem os bancos centrais, nem os mercados são potencialmente infalíveis em seus julgamentos, e isso tem implicações importantes. A implicação para os mercados é que eles precisam continuar a pensar de modo independente. Simplesmente olhar no retrovisor das convicções dos bancos centrais pode ser uma estratégia perigosa. A implicação para os formuladores de política é que eles devem continuar trabalhando para aprimorar a robustez do sistema em face dos inevitáveis, mas inesperados, choques."


O texto no estilo "magister dixit" não é obviamente de autoria do colunista. Foi traduzido do "77th Annual Report" (24/06/2007, pg. 139/140) do banco dos bancos centrais, o Bank for International Settlements (BIS).

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

Nenhum comentário:

Postar um comentário