quinta-feira, 12 de março de 2009

Decisão é insuficiente para retomada econômica

Fernando Travaglini, de São Paulo
Valor Econômico 12/03/2009


Valor: Como você avalia a decisão do BC?

André Modenesi: Surpreendente. Ainda mais surpreendente por ser uma decisão unânime. Eu achava que ele cortariam um ponto até pela sinalização que estava sendo feita. Na última ata eles enfatizaram que boa parte do ajuste estava sendo feito naquele corte de um ponto e recentemente o Mário Torós [diretor de política monetária] divulgou estudo comparando a inflação no Brasil com o resto do mundo. O que explica esse corte é a deterioração muito rápida das expectativas empresariais. Os últimos dados econômicos mostram que a situação piorou muito. Por um lado é boa notícia, mas por outro lado preocupa um pouco, porque o BC fazer essa guinada mostra que a situação pode ser mais preocupante do que eu pensava.

Valor: O que muda em termos de inflação e do nível de atividade?

Modenesi: Do ponto de vista das expectativas de inflação não muda muito. Elas estão muito bem comportadas e com esse cenário de crise é difícil haver um movimento de alta. Mas eu não sei até que ponto isso pode reverter a desaceleração. Há uma deterioração muito forte das expectativas dos empresários. A Fiesp prevê crescimento zero do PIB, ou até negativo para esse ano. É claro que a decisão alivia. É um alento que o BC está dando. E mostrou que de fato ele está tendo alguma preocupação com o nível de atividade, mas não resolve o problema.

Valor: Por que?

Modenesi: Porque, em geral, a política monetária é mais eficaz para segurar o nível de atividade do que para estimular. Analogia que eu faço é com uma corda: a política monetária serve para segurar, mas não serve para empurrar. Se a economia está num processo de crescimento acelerado e o BC gera uma contração monetária, é muito provável que isso gere desaceleração do nível de atividade, mas o contrário não acontece. Nesse sentido, não espero uma recuperação surpreendente do nível de atividade em função desse corte maior. Até porque a taxa real continua razoavelmente alta [fechou ontem em 5,3%]. É difícil imaginar que o empresário vai desengavetar um plano de investimento simplesmente porque a Selic caiu um ponto e meio. É isso que quero dizer com a analogia da corda. A política monetária está deixando de ser entrave, mas não quer dizer que ela vai estimular a economia.

Valor: O que precisaria ser feito?

Modenesi: Para estimular a atividade, o governo tem um papel central. O governo tem um papel muito forte no sentido de coordenar uma retomada das expectativas. Acho que o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) é importante. Está tendo uma queda de demanda agregada e nessa situação o governo pode tentar compensar essa queda por meio da manutenção dos gastos, principalmente com o programa de investimentos do PAC.

Valor: Há alguma alternativa para a política monetária atual?

Modenesi: Eu interpreto, do estudo do Torós [comparando a persistência inflacionário do Brasil com outros países], que essa persistência mostra que o regime de metas de inflação é pouco adequado ao Brasil. Aqui o problema é que o desaquecimento da economia não reduz a inflação. A questão é se seria adequado concentrar a estratégia em um único instrumento, o juro, se ele está sendo pouco potente. Fundamentalmente, quando se está usando métodos de combate à inflação, há uma tendência de se negligenciar as pressões de oferta, de custos, e se valoriza a demanda. A ideia é que são necessários instrumentos complementares a política de taxas de juros. O BC não é o único responsável por criar as condições para expansão da oferta ou a redução dos custos. É uma coisa mais difícil de implementar porque não é uma receita de bolo. Tem de olhar setor por setor. Mas essa é uma oportunidade de se tentar pelo menos iniciar essa discussão, de que fatores de custo ou fatores de oferta não sofrem impacto da política monetária.

Valor: Mas a queda da Selic tem algum lado positivo?

Modenesi: O impacto mais positivo é sobre a redução dos gastos públicos no sentido de viabilizar o programa de investimento do governo. Um corte de 1,5 ponto gera economia em torno de R$ 9 bilhões nos gastos com serviços da dívida. Isso viabiliza a manutenção dos investimentos do governo em face de uma previsível queda da arrecadação, que deve ficar ao redor de R$ 20 bilhões. Isso contribui para manter um nível mínimo da atividade econômica.

Valor: Como essa redução chega ao crédito? Haverá redução dos spreads?

Modenesi: Imagino que, de uma forma geral, os spreads vão continuar alto. Não acho que 1,5 seja suficiente para estimular uma mudança no comportamento dos bancos que poderia gerar queda do spread. Com esse cenário muito deteriorado, os bancos também não vão querer emprestar. Há dois fatores. A queda de juros, por um lado, contribui para uma queda do spread, ainda que marginal, pois os títulos públicos ficam menos atrativos e isso, na margem, estaria estimulando as operações de crédito. Mas por outro lado, dado esse quadro muito sombrio, os empréstimos estão mais arriscados. O banco está mais receoso de emprestar para o empresário que possivelmente não vai ter demanda para produção fruto daquele investimento. Apesar da queda da Selic, é possível que o spread não caia. Pode até ser que ele aumente.

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