dom, 03/08/2014 - 06:00 - Atualizado em 03/08/2014 - 11:44
A crise da dívida externa da Argentina pode ser entendida assim.
Após a desastrada gestão do Ministro da Fazenda Domingo Cavallo, o país entrou em moratória. Houve uma penosa negociação com os credores no final da qual 93% deles aceitaram receber novos bônus com desconto de mais de 60%. O restante ficou de fora do acordo e foi brigar na Justiça.
Nos contratos de dívida, a Argentina escolheu a praça de Nova York para dirimir as pendências judiciais.
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Fechado o acordo de reestruturação, fundos “abutres" - um tipo de fundo que adquire títulos de difícil negociação por valor irrisório – comparam papéis de fora do acordo na bacia das almas, e entraram na Justiça exigindo o pagamento integral de sua parte.
O caso foi parar nas mãos do juiz Thomas Griesa, um magistrado de 84 anos (!), provavelmente sem a menor noção sobre o impacto de ações envolvendo dívidas soberanas (de países). O juiz ordenou que a Argentina quitasse integralmente os títulos dos “abutres”. Para garantir a quitação, ordenou o bloqueio do depósito que o país fez para os credores que aderiram ao acordo.
A Argentina apelou para a Suprema Corte, que decidiu não opinar sobre a questão. Assim, a decisão do juiz Griesa tornou-se definitiva.
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Ocorre que, no contrato de renegociação da dívida argentina, há um cláusula que estipula que se a Argentina oferecer condições melhores para os credores que não optaram pela renegociação, terá que oferecer as mesmas condições para todos os demais. E aí, o desembolso saltaria de US$ 1 bilhão para US$ 20 bi.
Na época da renegociação, os credores adquiriram uma espécie de seguro de crédito - o CDS (credit default swap) - largamente utilizado no período pré-crise de 2008. Assim, além de especular com os velhos e novos títulos da Argentina, o mercado passou a especular também com os CDS.
A questão em jogo é a avaliação da Justiça sobre a decisão da Argentina de não pagar os “abutres”. Ela pagaria para não ter default; ou deixaria de pagar correndo o risco de default?
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Inicialmente foi pensada uma forma da Argentina sair desse embrulho. Bancos argentinos adquiriram os títulos dos “abutres”, guardariam em carteira e nada fariam com ele até vencer o prazo do final do ano. Depois, acertariam com governo da Argentina.
Mesmo alguns grandes credores se ofereceram para montar essa operação.
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Enquanto Argentina e credores debatiam-se ante esse dilema, o Comitê de Determinações da Associação Internacional de Swaps e Derivativos decidiu, no final da tarde de sexta-feira, que a Argentina está oficialmente em calote.
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De alguma forma, a questão deverá ser resolvida nos próximos dias.
Mas o caso Argentina deverá provocar mudanças nos contratos envolvendo dívida soberana.
Vigorando a decisão do juiz Griesa, inviabilizaria totalmente reestruturações de dívidas soberanas.
O episódio demonstra o seguinte:
- Nem a quebra da economia mundial, com a crise de 2008, reduziu o poder político, jurídico e financeiro.
- Ainda falta uma segunda rodada de crise para se criar uma nova institucionalidade global para tratar com os grandes fluxos de capital e com a especulação com câmbio e títulos de dívida.
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