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Jornal GGN - O economista da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda chamou de auto-engano a visão de alguns setores do mercado, e intensamente disseminada pela mídia, de que com a saída de Dilma Rousseff do Planalto o país voltará a crescer, ligando crise política à crise econômica.
Uma crise tem sim influência sobre a outra, mas o quadro que responde pela recessão econômica enfrentada no país é muito mais amplo. Em entrevista ao Brasilianas.org, Lacerda, que também é especialista em macroeconomia e economia política e industrial, explicou que existem vários fatores responsáveis pelo problema.
Um deles é a crise internacional, com a queda do preço das commodities. Outro fator é o jurídico, com a Operação Lava Jato que travou todo o mercado de produção de petróleo e gás e da construção pesada (que se refere às grandes obras de infraestrutura).
"Tudo mundo é a favor ao combate à corrupção, evidente. O problema é que quando você inviabiliza setores fundamentais da economia você trava algo que é fundamental para o crescimento. Lembrando que [petróloe e gás e construção pesada] são cadeias que tem um conjunto de empresas que são fornecedoras, prestadores de serviços, empregos", lembrou.
O professor destacou, ainda, o erro do senso comum de acreditar que a extinsão de empresas, mediante o crime de corrupção, abre espaço para rapidamente outras empresas tomarem seus lugares, sem deixar morrer a cadeia produtiva. "Esse processo não é automático (...), tem todo umknow how, é um negócio de alto risco que envolve tecnologias que você não substitui de uma hora para outra".
Outros dois fatores que alimentam a crise economica no Brasil, elencados pelo professor, são a manutenção de uma taxa de juros alta - enquanto outros países baixam seus juros - e o quarto, mas não menos importante, a crise política.
Lacerda também ressalta que a crise política não é restrita ao Executivo. “Se a gente for ver outros poderes também passam por crise, e evidentemente isso não se resolve com um golpe de mágica”, salientou. Toda essa dinâmica leva o país a sustentar o quadro de recessão. Em 2015 o crescimento caiu 3,8% e os investimentos 14%.
Com tudo isso, o docente não acredita que o programa Uma ponte para o futuro, do PMDB, que inclui um corte substancial em programas sociais, e que deverá ser aplicado na hipótese de um governo provisório de Michel Temer, resolverá rapidamente a crise econômica, pois parte da visão simplista de que são necessários cortes sociais que não cabem no orçamento do Produto Interno Bruto (PIB).
“Muito por trás dessa visão do documento do programa Temer está a ideia da economia doméstica da macroeconomia, quer dizer, de que o Estado não pode gastar mais do que arrecada, o que é um engodo, na verdade”, ponderou.
Para corroborar sua análise, Lacerda lembrou que no G20, grupo dos vinte países mais desenvolvidos do mundo, todos os Estados possuem déficit fiscal.
“O Estado tem déficit porque tem obrigações, especialmente em momentos de crise como o que nós vivemos, que impacta nos gastos”, completou. A título de comparação a dívida pública dos Estados Unidos representa hoje 104% do seu PIB! Já a dívida pública do Brasil responde por 66% do PIB.
No caso do Estado brasileiro, Lacerda pontuou que o país é bastante desigual e carrega déficits significativos não só no campo social, necessitando de uma política de Estado forte. O professor chama atenção para quanto o país paga de juros de suas dívidas, que chega a 9% do PIB. Isso sim deveria estar no centro do debate da política macroeconômica.
Veja à seguir o programa completo e também os principais trechos da participação de Lacerda no Brasilianas.
Luis Nassif - A gente tem essa tentativa do Temer de ter um governo provisório, acompanhada de um conjunto de medidas - do documento Uma ponte para o futuro - que inclui perda de direitos sociais, redução de programas sociais e vem com aquela vestimenta mágica que se aplicar essas medidas, os mercados acreditam e tem um desenvolvimento. Você acredita que o mercado acredita que um governo que entra no meio de um tiroteio desses, com grande parte da base da apoio sob ameaça de indiciamento, vai conseguir ter legitimidade? Se você fosse um investidor financeiro acreditaria?
Antônio Corrêa de Lacerda - Certamente não, porque criou-se uma espécie de auto engano dentro da visão disseminada muito no mercado financeiro, alguns setores da mídia, de que a crise se refere a uma pessoa, que é a presidenta da República, que você tira essa pessoa e de uma forma assim milagrosa tudo se reverte.
Na verdade se a gente for fazer uma análise das causas da crise brasileira nós vamos ter componentes internacionais como a queda das commodities, tem componentes políticos-jurídicos, como por exemplo a Operação Lava Jato que travou todo o mercado de petróleo e gás, a construção pesada. Teve a elevação de juros, uma questão mais econômica. O mundo todo baixando o juros, o Brasil sube e mantém uma taxa de juros muito alta. E, o quarto ponto, a crise política.
A crise política não é restrita a uma pessoa, ela é bem mais ampla, e não é restrito também aos executivos. Se a gente for ver outros poderes também passam por crise, e evidentemente isso não se resolve com um golpe de mágica.
No que se refere, especificamente, ao lado econômico, muito por trás dessa visão do documento do programa Temer está a ideia da economia doméstica da macroeconomia, quer dizer o Estado não pode gastar mais do que arrecada. Que é um engodo, na verdade...
Lacerda - Porque se você pegar no G20, pra pegar os 20 países mais relevantes do mundo, todos os Estados tem déficit fiscal. Por que tem déficit? Porque o Estado tem obrigações, especialmente em momento de crise, como o que nós vivemos, que impacta nos gastos. E, evidentemente, no caso brasileiro o que chama atenção são os gastos com o juros, o maior que nós temos, chegam a 9% do PIB.
Então há uma grande incongruência dentro desse processo. E essa visão de mudar, de ‘vamos diminuir o Estado’, ‘vamos cortar direitos, que os direitos sociais não estão no PIB’, frases muito repetitivas que mostram uma visão muito simplista do processo.
O Brasil é um país desigual, que tem déficits importantes do lado social, do lado mesmo estrutural, e que necessita sim de uma política de Estado competente pra fazer a passagem.
Nassif - Como você vê essa questão da legitimidade de Temer também em termos de, digamos que o Delfin [Neto] diz, que nós estaríamos no fundo do poço? Você acredita nessa possibilidade, ou o fundo do poço pode ser mais fundo?
Lacerda - Nós estamos no segundo ano de recessão, no ano passado a economia caiu 3,8%, sendo que os investimentos caíram 14%. Uma combinação perversa de queda das commodities, efeitos da operação Lava Jato, mais juros altos, crise fiscal, crise política, tudo isso levou a uma situação que a mudança eventual de presidente, não altera [o quadro de crise].
Claro, você pode eventualmente até produzir [dados positivos para a economia] com o impacto a ser gerado em alguns setores expressivos da sociedade. O apoio da mídia etc, pode criar um clima de euforia, principalmente com os mercados. Mas os problemas estarão lá, e cada vez que ficar mais claro que se trata de um golpe, haverá reações muito fortes de todos os setores que se sentirão prejudicados. Por exemplo, o lado social será fortemente afetado.
Muitas dessas propostas [semelhantes a do MPDB] partem desse princípio de que é preciso rever o contrato social, inclusive previsto na Constituição de 88 e que, portanto, deve mudar significativamente o desempenho da própria economia.
Pergunta do internauta Rodrigo Souza Gomes, de Salvador: um governo advindo do impeachment vai recorrer ao populismo cambial para se legitimar, e ter margem para impor medidas impopulares, isso deve prejudicar a retomada de investimentos produtivos?
Lacerda - O populismo cambial que seria o dólar barato, que esteve praticamente em todos os governos pós a democracia, só pra citar o período mais recente da nossa história, consiste em você baratear as nossas importações prejudicando as indústria local, conquistando uma parcela expressiva da classe média, porque torna os produtos importados mais baratos, permite viajar pro exterior, mas é um desastre para o país, porque você acaba com sua indústria, com a participação dos trabalhadores etc.
E porque os governos insistem muitas vezes em usar o populismo cambial? Porque é exatamente um meio fácil de controlar artificialmente a inflação, por isso que, tendo em vista o calendário eleitoral e pensando no governo tampão, que isso poderá ocorrer.
Nassif - Antes dessa segunda etapa de vazamento da Lava Jato, quando começou a acalmar a situação, havia sinais da própria indústria de que tinha uma certa recuperação. Você sentiu alguma coisa antes dessa segunda etapa, de recuperação? Já tinha algumas projeções de queda de inflação, o PIB caindo ainda, mas com efeitos estatísticos...
Lacerda - Dava pra sentir o que mudou de positivo na economia, foi exatamente a política cambial [do real desvalorizado], depois de 10 e 12 anos de um câmbio muito valorizado, ou seja, com um dólar muito barato. Quando corrige [essa distorção que encarece a produção brasileira] tem o desconforto da pressão inflacionária, etc, mas você recria as bases para produção doméstica e mesmo pra exportação. Quando esbarra nisso? Do ponto de vista internacional, a estagnação da economia norte-americana, desaceleração da China. E internamente você mudou o câmbio, mas todos os demais fatores permanecem no câmbio inverso, inclusive o custo do capital, que é basicamente juros... Então o crédito contraído, consumidor retraído em função da própria incerteza, tudo isso não deu espaço para evoluir.
Teremos mais um ano de queda, menor do que o ano passado, [o desempenho econômico brasileiro] deve cair a metade este ano, mas ainda pressionada pelo fator principalmente do custo do capital.
Nassif - No meio empresarial a segurança jurídica é um fator relevante, essa questão de tentativa de criminalização até de operações de financiamento, exportação, do BNDES isso aí não cria um fator de inibição de investimento?
Lacerda - Muito grande. A começar pela Operação Lava Jato. Tudo mundo é a favor ao combate à corrupção, evidente. O problema é que quando você inviabiliza setores fundamentais da economia, como setor de óleo e gás mais construção pesada, você trava algo que é fundamental para o crescimento da economia. Lembrando que é uma cadeia da economia, você tem um conjunto de empresas que são fornecedoras, prestadores de serviços, empregos. Então quando você trava esse segmento, penalizando as empresas, impedindo muitas vezes de operar. Aliás a MP 703, que envolve o acordo de leniência, de dezembro, cabe até uma brecha e você ameniza um pouco o efeito, desde que a empresa se comprometa a determinadas regras de governança e compliance para ela se restabelecer, preservar o capital daquela empresa.
Muita gente se empolga, principalmente o senso comum, muito disseminado também pela mídia, [afirmando:] ‘tem que acabar com essas empresas e entrar novas’. Mas isso não é automático.
Nassif - Fizemos um Brasilianas.org com um especialista em legislação americana. Lá um especialista entra quando tem denúncias de corrupção. É muito rápido, faz o acordo de leniência, pune severamente com multa quem tem que multar, afasta imediatamente o executivo, e preservar a empresa para voltar... Aqui parece que estamos com uma mentalidade meio inquisitorial...
Lacerda - As vezes se tem essa visão em relação às empresas. Dá impressão que a empresa só é bem sucedida se ela transgrediu. Tem todo um know how, é um negócio de alto risco que envolve uma tecnologia que você não substitui de uma hora para outra.
Com relação ao financiamento a exportação, financiamento no exterior, há uma desinformação muito grande, principalmente nas mídias sociais, onde a gente lê ‘na hora que abrir a caixa preta do BNDES!’, como se fosse um órgão político, e a gente sabe que não. Lá existe uma tradição, gente concursada muito competente. Uma diretoria não tem autorização pra autorizar um empréstimo sem ter passado pelas instâncias que averiguou as garantias, averiguou as estabilidades econômicas do projeto...
Então há muita desinformação em função disso, e claro que isso sim gera um ambiente de insegurança. De um lado você tem economicamente, com as taxas de juros praticadas no Brasil, um verdadeiro ensino ao ócio, porque sem fazer nada você aplicar em título público, que tem liquidez, segurança e uma rentabilidade maior do mundo. E do outro lado, uma insegurança muito grande de você empreender. O que vai ocorrer é que nós todos vamos nos tornar o que já nos tornamos: um país de rentista.
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