SEG, 18/04/2016 - 18:43
ATUALIZADO EM 18/04/2016 - 20:56
Quadro de curto prazo.
Neste momento, nos círculos próximos à presidente, incumbidos da avaliação de cenário, o quadro de curto prazo que se vê é o seguinte:
1. Baixa perspectiva de reverter o impeachment no Senado.
A esta altura, provavelmente o presidente do Senado Renan Calheiros já está em negociações com Michel Temer. É pequena a probabilidade de reverter a votação no Senado.
2. Baixa perspectiva de reverter no STF (Supremo Tribunal Federal).
Após a demonstração de músculos de Eduardo Cunha na Câmara, é baixa a probabilidade de o Supremo tomar qualquer medida que reverta a decisão do impeachment. Não agirá se não for provocado. E, se provocado, a cautela se sobreporá a qualquer outra visão.
3. Voz das ruas.
Há uma possibilidade pequena de reversão do impeachment dependendo exclusivamente da voz das ruas. Por vozes da rua se entenda, também, os manifestos e a indignação pelo não cumprimento dos dispositivos constitucionais no processo de impeachment.
4. Lava Jato
Por outro lado, Lava Jato e a Procuradoria Geral da República já gastaram toda sua munição para inviabilizar o mandato de Dilma. Seu objetivo agora é inviabilizar a candidatura de Lula 2018. Provavelmente não mexerão na caixa de marimbondo do Congresso, ainda mais com Cunha armado com quase 2/3 da Câmara e com o recurso do vazamento diário de factoides já esgarçado pelo excesso de uso.
Hoje vazaram mais documentos da Andrade Gutierrez contra Lula e nada encontraram contra Aécio Neves - que o mundo sabe ser o parceiro preferencial da empresa.
Apesar do pessimismo palaciano, não minimize o problema da falta de legitimidade do processo de impeachment. O processo é tão clamorosamente ilegal, com tanta repercussão internacional, que não se deve eliminar a possibilidade de uma intervenção do STF.
O desempenho de Dilma Rousseff na entrevista coletiva de ontem – com um discurso sereno, firme e histórico – mostrou uma dimensão pública até agora imprevista da presidente, se apresentando como a defensora impávida da democracia. Um grande momento!
Uma saída alternativa seria o PT e Dilma encamparem a ideia das eleições gerais. É uma bandeira que tenderá a conquistar aliados dos dois lados, na mídia e nos grupos do PSDB contrários a José Serra.
Mesmo assim, para para passar exigirá a aprovação no Senado e na Câmara. E não consta que Cunha e seus aliados abrirão mão facilmente do poder conquistado.
O cenário mais provável, por enquanto, será a tentativa de Michel Temer-Eduardo Cunha de assumir e tentar consolidar seu poder, em um quadro de amplo descrédito político, com manifestações de rua, ceticismo em relação à sua capacidade de montar um programa econômico minimamente consistente. E, na outra ponta, o crescimento da bandeira das diretas já.
A tentativa Temer
O peixe vendido para Michel Temer, visando estimulá-lo em sua aventura golpista, foi de que sua mera posse daria um choque de credibilidade na economia, com os seguintes desdobramentos:
· Com a posse, imediatamente haverá uma valorização dos ativos (ações e outros ativos internos) e uma depreciação do dólar.
· Haveria um rápido trabalho de tentar convencer os investidores externos a voltar a investir. O choque de credibilidade consistiria em neutralizar o sistema de partilha da Lei do Petróleo e abrir espaço para um amplo programa de privatização e de flexibilização dos direitos sociais.
· Por sua vez, essa guinada liberal levaria os grandes grupos a conseguir a adesão da mídia até 2018 quando, então, Temer se candidataria à reeleição.
Faltou combinar com os russos.
O próprio comportamento do mercado no chamado D+1 é uma comprovação da fragilidade da solução Temer. Nem o dólar caiu, nem a Bolsa subiu.
A primeira dificuldade é a própria falta de legitimidade de Temer, uma unanimidade negativa maior do que Dilma, fato que certamente pesará na hora de definir as prioridades das políticas públicas e tentar aprovar as pautas impopulares no Congresso.
Para contornar a falta de legitimidade, terá que proceder a uma ampla distribuição de cargos, benesses e medidas provisórias em um quadro de crise econômica e de exacerbação moralista contra o presidencialismo de coalizão.
Será curioso analisar a maneira como os brilhantes deputados, que votam em nome da sua cidade, dos seus pais, filhos, netos e avós, de Deus e dos contadores endossarão medidas impopulares. Aprovar medidas impopulares de Temer e Cunha ensejará tanto patrulhamento quanto votar contra o impeachment. Principalmente quando cair a ficha que a substituição de governo não mudou a realidade econômica.
Aliás, para quem defende o voto distrital, pode conferir – no BBB da votação da Câmara – o registro mais puro de um congresso dividido em deputados com visão estreita de seus respectivos distritos.
Se optar por demagogia – como reduzir drasticamente o número de ministérios – emperrará ainda mais a máquina pública.
Mesmo com as ferramentas da Presidência, terá enorme dificuldade em administrar as alianças.
Tome-se o caso de Aloysio Nunes – que viajou correndo para os Estados Unidos para se encontrar com lobistas e grupos internacionais. Um dos cacifes perante Temer será a capacidade de convencer o capital internacional. Esse convencimento é fundamental para que o golpe seja aceito internacionalmente e para que se crie um ambiente favorável aos novos investimentos.
A ida de Aloysio é uma maneira de seu mentor, José Serra, ganhar cacife nas negociações com Temer, visando ocupar um papel central no seu Ministério. Dependendo do espaço aberto a Serra, Temer colocará em risco a aliança com o PSDB.
Ora, para investimentos de longo prazo, o capital exige segurança jurídica. Como poderá oferecer segurança jurídica um governo que assumiu o poder dentro de um golpe, impopular, com uma base de apoio fragmentada e sequiosa e acossado pela Justiça?
Outro nó será com a mídia. Ela entra no governo Temer como uma das coparticipes do golpe. Qual será seu comportamento? No imaginário do Olimpo da comunicação de massa – que tem peso na formação de opinião do cidadão médio – há um enorme contingente de celebridades e semideuses que se colocou contra o golpe.
A aposta no impeachment foi enorme risco de imagem para os grupos de mídia. A condescendência com Temer poderá ser o tiro fatal contra sua credibilidade. Por outro lado, como abrir mão dos acenos das verbas publicitárias?
Um preâmbulo sobre a geopolítica mundial
Em casos recentes de disputa política em vários padrões, nota-se a repetição de um mesmo padrão de operações jurídico-policiais:
1. Contra os acusados, o levantamento de indícios em investigações internacionais, frutos da cooperação internacional entre Ministérios Públicos e judiciário.
2. O uso exaustivo da mídia para operações nas quais o álibi jurídico serve para promover assassinatos políticos. O espetáculo recorre desde a conduções coercitivas até a prisões temporárias. O MP não logra levantar provas contra os acusados, mas, no decorrer das investigações, provoca-se o maior dano possível à sua imagem.
3. Ampla seletividade na escolha de alvos, preservando os aliados.
Brasil
A Lava Jato assesta a mira no ex-presidente Lula, move uma perseguição implacável, conduz coercitivamente, ameaça de prisão, vaza depoimentos e grampos. Até agora, não levantou uma prova sólida sequer contra ele, mas a reiteração da campanha derrubou seis índices de popularidade.
Na outra ponta, o adversário Aécio Neves aparece em várias delações e levantam-se provas sólidas de existência de contas em paraísos fiscais. Contra ele, nada acontece.
Portugal
Marcação cerrada sobre o ex-primeiro ministro português José Sócrates. Meses e meses de investigações, com cobertura midiática diária. Invasão de residência, decretação de prisão preventiva por 9 meses (!), busca de ativos que comprovariam a corrupção.
Depois de dois anos de investigação, nem o Ministério Público nem a Autoridade Tributária lograram apresentar publicamente nenhum dos “fortes indícios” que apregoavam dispor para condenar Sócrates. (http://migre.me/tybc5). No momento, o procurador incumbido do caso solicitou mais prazo de investigação. Mas há certo consenso de que o máximo que se conseguirá será a condenação política de Sócrates.
Na outra ponta, no chamado escândalo dos submarinos – de suborno praticado por empresas alemãs com autoridades portuguesas – houve condenação na Alemanha, mas o caso foi abafado em Portugal, apesar de envolver o ex-primeiro-ministro João Manuel Durão Barroso (http://migre.me/tybuA) (http://migre.me/tybvX) (http://migre.me/tybxE).
Do jornalista português Fernando Reis:
ˆO poder judicial persegue politicamente a esquerda, como aconteceu com o Sócrates, sem factos nem provas e poupa a direita como aconteceu no chamado caso dos submarinos, em que houve condenações por corrupção na Alemanha e em Portugal saíram impunes o ex-ministro da Defesa Paulo Portas e o ex-primeiro Ministro Durão Barroso. E mesmo que não venha a haver acusação, o julgamento de Sócrates já foi feito na praça pública, através de sistemáticas e cirúrgicas fugas de informação do ministério público para a comunicação social, principalmente para o jornal Correio da Manhã, que aqui faz o papel da Globoˆ.
Argentina
Em relação a Cristina Kirchner, o Ministério Público argentino baseou-se em informações sobre contas offshore para acusa-la de lavagem de dinheiro e de manipulação com dólares. Mesmo jogo feérico, de intimação para depoimentos ao juiz e a mobilização da população para apoia-la (http://migre.me/tybGw).
No centro do processo, obviamente a disputa política entre ela e o novo presidente argentino Maurício Macri – cujo nome apareceu em contas do Panama Papers.
As declarações de Cristina sobre a diferença de tratamento com Macri, cabem como uma luva na diferença do MPF, no tratamento dispensado a Lula e Aécio:
“Imaginem o que aconteceria se houvessem encontrado contasoffshore em meu nome, no nome de minhas irmãs, minha mãe, meu pai? Isso demonstra claramente que os argumentos [contra ela] têm um só objetivo: acabar com os direitos adquiridos durante os 12 anos de meu Governo”. “Vamos pular, quem não pula tem conta no Panamá”, as pessoas cantavam.
Momento de meditação
Em um dos momentos épicos da Lava Jato, o procurador evangelizador Deltan Dallagnol visitou o movimento Cristãos contra a Corrupção teve uma visão:
“Neemias quando viu a cidade sem muros identificou o problema. A primeira reação de Neemias foi ter compaixão, Neemias chorou. Em seguida, Neemias jejuou e orou. A igreja já fez isso? Então, o que Neemias fez em seguida? Neemias agiu. Neemias vai ao rei e assume uma posição sacrificial, correndo risco de vida e diz ao rei que quer reconstruir os muros de sua cidade. Se nós queremos mudar o sistema, nós precisamos continuar orando, assumir uma posição clara, propor e apoiar medidas e projetos que contribuam nesse sentido” (http://migre.me/tydnV).
E os pastores presentes à capela do Seminário ficaram de pé para orar por Deltan e pelo fim da corrupção no Brasil.
Qual a diferença entre o procurador e os deputados que invocaram o nome de Deus na votação do impeachment? Apenas o fato de que Deltan tem um mestrado em Harvard. E a comprovação de que nem as luzes de Harvard são capazes de penetrar na ignorância crassa, tumular, plantada em algum momento da história brasileira pela Inquisição e pela superstição religiosa, e que atravessa séculos de camadas arqueológicas para se consolidar nas profundezas do imaginário nacional.
Quando, no final do jogo, o principal acusado torna-se o todo-poderoso do país, ameaçando tirar do cargo uma presidente honesta, nem Deus para conseguir explicar para o pastor as consequências de seus atos.
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