quarta-feira, 4 de março de 2015

Os riscos reais no setor elétrico

http://jornalggn.com.br/noticia/os-riscos-reais-no-setor-eletrico
Especialista aponta os fatores conjunturais e estruturais que colocam sistema em estado de alerta 
 
Jornal GGN - O aumento da conta de luz para o consumidor, o baixo crescimento econômico e a diversificação das fontes que produzem energia no país tornam o cenário de hoje um pouco melhor do que o de 2001, quando o país foi obrigado a realizar uma forte campanha de racionamento para evitar uma maior frequência dos apagões elétricos que ocorreram naquela ano, é o que defende o professor do Departamento de Energia da Unesp e especialista em distribuição e comercialização de energia elétrica, Guilhermo Filippo.
 
Recentemente, o Operador Nacional do Sistema (ONS) solicitou às companhias que atendem 11 estados e o Distrito Federal que desligassem a energia por cerca de uma hora, no período da tarde. O evento foi o suficiente para lançar preocupação quanto ao atendimento da demanda ao longo do ano. O risco de apagão não é descartado pelo professor Filippo, que aponta como principal motivo a pior seca já enfrentada nas regiões Sudeste e Nordeste, nos últimos 80 e 60 anos, respectivamente. O baixo volume de águas nos reservatórios das usinas, nessas duas regiões, é que tem prejudicado a produção elétrica. Em São Paulo, as usinas de Ilha Solteira e Paraibuna, por exemplo, não estão sendo mais ligadas por total falta de água. 
 
O segundo motivo que põe em risco, hoje, a ampliação da oferta de energia no país são os resquícios do impacto da Medida Provisória 579, transformada na Lei nº 12.783/2013, para adiantar a renovação dos contratos de concessão de companhias de energia elétrica. A MP também reduziu, na época, a cobrança de energia elétrica em cerca de 20%. “Quando você reduz a tarifa faz uma sinalização errada para o consumidor de que ele pode gastar mais. Por isso o governo tinha que ter feito isso prevendo o aumento da demanda mais à frente”, explicou o especialista. 
 
Outro problema decorrente da MP foi a recusa de três grandes distribuidoras de renovar a concessão: Cemig (MG), Cesp (SP) e Copel (PR). Juntas, elas somavam 40% dos contratos de geração por vencer. As companhias repassaram os equipamentos para a União que, na visão de Filippo, não fez leilões a tempo para determinar os novos responsáveis que dariam andamento a cobertura dos serviços. 
 
O terceiro motivo que põe em risco o atendimento à demanda são os atrasos das obras de novas usinas, por diferentes motivos. “Todos esses fatores levaram o sistema a trabalhar hoje no limite. Agora, para atravessar o ano de 2015, dependemos, mais do que nunca, da chuva para recompor os reservatórios e não ficar em uma situação difícil”, completa Filippo. 
 
Os dados do Operador Nacional do Sistema, de segunda-feira, dia 2 de março, mostravam que os reservatórios de hidrelétricas que atendem as regiões Sudeste e Centro-Oeste estavam com 20,81% de sua capacidade. Na região Nordeste as hidrelétricas trabalhavam com 18,58% da capacidade, já no Norte, com 39,81%. A região Sul é a única em situação um pouco mais confortável, com 51,78% da capacidade dos reservatórios ocupados. O período mais intenso de chuvas termina em março e só retornará no final do ano. Hoje a maior parte da energia elétrica, antes produzida pelas hidrelétricas, está sendo compensada pelo uso de termelétricas, usinas movidas, principalmente, à gás natural e carvão. 
 
Fontes mais limpas e renováveis, como eólica, solar e biomassa também ajudam no fornecimento de energia, mas ainda não o suficiente para cobrir a importância das hidrelétricas. O professor Filippo defende, assim como boa parte dos especialistas, o uso de energia solar e eólica para equilibrar o sistema e não para garantir energia em momentos de pico de consumo, pois elas não podem ser armazenadas. 
 
Apesar do cenário e de acreditar nos riscos do setor elétrico, o especialista é cauteloso em afirmar se ao longo de 2015 enfrentaremos mais casos de apagões. “Primeiro temos que passar as águas de março, para ter certeza de como ficarão os reservatórios das hidrelétricas; em segundo lugar estamos às portas de um aumento tarifário que chegará à 70% em São Paulo e Rio de Janeiro e que forçará a redução do consumo; em terceiro lugar a previsão para este ano é de baixo crescimento econômico, especialmente na indústria. Esses três fatores vão exigir menos oferta do sistema elétrico este ano”, pondera. 
 
O papel das fontes intermitentes  
 
Segundo Filippo, o recém lançado Energy Outlook 2035, relatório da Britsh Petroleum, prevê um crescimento de 270% de geração elétrica a partir de fontes renováveis no Brasil nos próximos 25 anos. O professor avalia de forma positiva a política de incentivo à energia eólica no país. Apesar de ter contribuído, em dezembro passado, com apenas 3,0% da geração de energia elétrica, o potencial eólico em terras brasileiras (onshore) é de 175  gigawatts, o equivalente ao potencial instalado de produção elétrica de todas as fontes hoje produzidas no país. 
 
Estima-se que até o final de 2015 o Brasil ultrapassará a Alemanha em relação à capacidade instalada para a produção de energia eólica, saltando dos atuais 4,5 gigawatts para 6 gigawatts. Segundo dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), o investimento nessa energia começou em 2010, e hoje abastece a 4 milhões de residências, o equivalente a uma cidade do tamanho de São Paulo. O professor Filippo ressalta que o aproveitamento dessa fonte poderá ser ainda maior, pois não se contabilizou o potencial de produção eólica nos oito mil quilômetros da costa marítima brasileira. 
 
Durante o sexto leilão de energia de reserva, promovido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em novembro passado, a energia e eólica foi negociada a R$ 142 o megawatt-hora, valor mais competitivo do que o ofertado por grandes hidrelétricas e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH). Na ocasião, a energia solar também conseguiu atingir competitividade semelhante às hidrelétricas, vendida a R$ 215 o megawatt-hora. 
 
Em relação a energia solar, ou geração fotovoltaica, Filippo defende o incentivo a microgeração, em telhados de residências e comércios. “Hoje temos apenas 300 instalações fotovoltaicas no Brasil em um universo de 75 milhões de unidades consumidoras. O sistema de projeção da Abradee [Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica] supõe que, em 2030, tenhamos 450 mil unidades [residenciais ou comerciais] com instalações fotovoltaicas. E acredito que, se tivermos políticas mais robustas, isso poderá aumentar. O problema hoje são os custos tecnológicos elevados”, conclui.  
 
O professor, que também é especialista em distribuição elétrica urbana, abordará o tema da microgeração no 56º Fórum de Debates Brasilianas.org. O evento, a respeito da exploração das fontes renováveis, sob a perspectiva das novas tecnologias, ocorrerá no dia 10 de março, em São Paulo. Você pode acessar a programação aqui.  
 
Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em 2014, a participação das fontes renováveis na Matriz Elétrica Brasileira foi de 41,0%. A biomassa contribuiu em 16,1%; a hidráulica com 12,5%; lenha e carvão vegetal com 8,3%; e as demais fontes renováveis, incluindo solar, eólica e lixívia (resíduos agrícolas e da indústria do papel/celulose) com 4,2%. As fontes não renováveis que contribuíram com a produção de eletricidade foram petróleo e derivados (39,3%), gás natural (12,8%), carvão mineral (5,6%) e urânio (1,3%). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário