SEX, 23/10/2015 - 17:37
Por Helena Chagas
No Fato Online
É bem possível que o relator do Orçamento de 2016, deputado Ricardo Barros (PP/PR), não consiga levar até o fim sua proposta de cortar R$ 10 bilhões do Bolsa Família, quase 35% de sua dotação para o ano que vem. Mas o simples fato de tê-la apresentado já foi uma espécie de provocação, destinada a expor a fragilidade e a falta de controle do Planalto no Legislativo. Politicamente, não haveria símbolo maior do fracasso do projeto petista do que o corte nas verbas de seu principal programa social.
Em seus 12 anos de existência, o Bolsa Família tirou 36 milhões de pessoas da extrema pobreza. Passou da condição de “bolsa-esmola”, como era chamado pejorativamente pela oposição em seus primeiros tempos, à de programa premiado e reconhecido internacionalmente como uma das melhores experiências de distribuição de renda do mundo.
Hoje, beneficia 14 milhões de famílias, o que equivale a mais de 50 milhões de pessoas. A última etapa, incluída no Brasil Carinhoso, beneficiou com complementação de renda as famílias com crianças até sete anos. Depois, foram incluídas as que têm adolescentes na escola e, ao final, todas as que têm renda per capita abaixo do limite.
É um programa que mudou o cenário da pobreza no país, sobretudo nas regiões mais necessitadas, como o Nordeste, onde a renda distribuída ajuda a economia a girar. Se for mantido, vai continuar mudando a vida das próximas gerações das famílias beneficiárias, pois exige como contrapartida a frequência escolar.
O Bolsa Família rendeu votos ao PT? Muitos, mas muitos mesmo, a ponto de reeleger Luiz Inácio Lula da Silva, eleger e reeleger Dilma Rousseff, sem falar nos governadores, prefeitos, parlamentares. Pode até ser uma simplificação atribuir tudo isso a um só programa. Mas o fato é que ele é hoje, simbolicamente, o coração da política social inclusiva do governos do PT, o que eles souberam fazer de melhor, o que vai ficar nos livros de história depois que eles passarem – o que não deve demorar muito.
Esse reconhecimento tem sido tão claro que até a oposição deixou de lado as críticas de clientelismo, populismo e outros “ismos” para assimilar o Bolsa Família – a ponto de prometer não só manter o programa se ganhasse as eleições, mas inclusive transformando sua obrigatoriedade em lei, como fez, por exemplo, o tucano Aécio Neves em 2014.
Os ventos da economia mudaram. O governo procura desesperadamente R$ 50 bilhões para fechar as contas deste ano e ainda pagar as chamadas “pedaladas” de 2015, escapando de mais um parecer do TCU que poderá sustentar um pedido de impeachment da presidente da República.
Em tramitação no Congresso, o Orçamento da União de 2016, então, é um amontoado de incertezas. A começar pela previsão de R$ 34 bilhões de arrecadação com a CPMF, um imposto que não existe e que dificilmente existirá dentro do clima de conflagração política que se instalou. A sociedade tem dificuldades em aceitar mais sacrifícios, os empresários não podem nem ouvir falar em novos impostos.
Só que o dinheiro para fechar as contas tem que vir de algum lugar. Todos concordam que cortar despesas de quem gasta muito é mais justo do que criar impostos e gerar sacrifícios para todos. Na medida em que não consegue cortar na própria carne e age timidamente em relação à redução da estrutura de sua paquidérmica máquina estatal, o governo torna-se vulnerável a iniciativas como a do relator Ricardo Barros.
Esse é o problema de governos fracos que demoram a reconhecer a própria fraqueza: vão entregando os anéis para não perder os dedos, mas um dia descobrem que não apenas estes se foram. Acabam perdendo o coração.
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