segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Estamos em condições técnicas de superar a crise sem “ajuste”

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O Jornal de todos Brasis
Estamos em condições técnicas de superar a crise sem “ajuste”
por J. Carlos de Assis
O economista Luís Oreiro, que na relação pessoal é um cavalheiro, tirou-me do sério com sua crítica de natureza essencialmente ideológica ao documento dos economistas paulistas elaborado sob os auspícios do Instituto Perseu Abramo, do PT. Não retiro uma linha da crítica que fiz à crítica que ele fez ao documento, mas, por não se tratar de um economista vulgar, acredito que merece esclarecimentos técnicos de minha posição que ficaram subjacentes no meu argumento central.
É claro que não concordo com o besteirol disseminado pelos neoliberais quando ancoram no ajuste fiscal a restauração da “confiança” dos investidores numa economia em recessão. Isso é pura ideologia. Pelo que me consta, os neoliberais ainda não inventaram um “confiômetro” para medir esse estado de ânimo que levaria à retomada do investimento e do emprego. Contudo, é preciso reconhecer que uma agenda keynesiana clássica não é compatível com a arquitetura financeira internacional de hoje.
Mas onde os neoliberais vêem na estrutura financeira um dado da realidade, eu a vejo como um problema a ser resolvido. E não é nenhuma mágica. Chama-se controle de capitais. Nos primórdios do FMI, quando o peso de Wall Street ainda não prevalecia na política norte-americana, o Fundo admitia perfeitamente o controle. Depois, na escalada da financeirização, isso passou a ser anátema. Algo que interessa apenas aos muito ricos passou a ser o sistema padrão das relações monetárias e financeiras internacionais.
Recentemente, com o choque inicial da crise financeira de 2008, o FMI voltou a admitir, “em alguns casos”, o controle de capitais. Por quê? Porque do contrário uma economia em recessão, fragilizada em suas contas externas, é simplesmente estrangulada caso se mantenham fluxos livres de capitais financeiros especulativos. Durou pouco. A ortodoxia do Fundo voltou a “recomendar” a liberação da conta de capitais, e seus servos nos países emergentes e em desenvolvimento trataram de obedecê-lo.
Esta, obviamente, não é uma questão teórica. É uma questão de poder. Wall Street manda no Governo norte-americano, e o Governo norte-americano manda no FMI. Nesse contexto, as discussões “teóricas” sobre margens de liberdade das políticas econômicas em países como o Brasil passam a ser uma abstração. Economistas inteligentes como Oreiro são arrastados para posições neoliberais porque tomam o sistema de liberdade de capitais como um fato consumado que limita políticas keynesianas autênticas.
O grande economista que examinou essa questão de um ponto de vista original, e mais pedagógico que Keynes, foi Abba Lerner. Com a teoria de Finanças Funcionais, que não tenho tempo de examinar aqui em mais detalhe, ele mostrou como seria possível inverter as relações fiscal-monetárias convencionais, base da financeirização e da especulação, em relações físicas no domínio econômico a partir da expansão da moeda pelo Governo até o nível do pleno emprego, contrabalançada pelo lançamento, na margem, de títulos da dívida pública.
Nesse sistema, cujo conceito básico foi varrido da teoria econômica convencional pelos financistas, a dívida pública não financia o Governo, mas apenas enxuga o mercado monetário se a taxa de juros tender a zero. Quem financia o Governo são os tributos e a emissão de moeda. E o limite da emissão monetária é o pleno emprego, que impede também a inflação. No âmbito das relações funcionais o papel da moeda é fundamentalmente um meio de troca, acompanhado a evolução da economia e o ciclo econômico.
Finanças Funcionais tem um problema: a moeda emitida pelo Governo pode escapar do mercado interno e migrar para o exterior, gerando uma crise cambial em potencial. A solução? Controle de capitais. É um inconveniente – talvez os pais de nossas donzelas venham a pagar mais pela festa de 15 anos em Miami -, mas as vantagens seriam fantásticas, porque permitiram o crescimento quase contínuo da economia, sujeita apenas a ciclos tecnológicos, de toda forma inevitáveis no capitalismo, mas sem necessariamente desemprego.
Como a arquitetura financeira internacional, dominada por Wall Street, não possibilita a aplicação prática do sistema de Abba Lerner, os asiáticos, sabiamente, depois das crises cambiais dos 90, partiram para uma política mercantilista de acumulação de reservas. Nós também entramos nessa, temos 370 bilhões como ativo. Para que servem essas reservas? Se tiverem um papel funcional, para liberar nossa política econômica de constrangimentos cambiais, sem “ajuste fiscal”. Em uma palavra, nos permite fazer políticas keynesianas fiscais (expansão) e monetárias (juros baixos) para assegurar a retomada do crescimento e do emprego, sem risco de inflação descontrolada.
P.S. Peço desculpas aos não economistas pelo texto técnico, mas é uma necessidade do debate político, que camufla tecnicamente relações de poder. Afinal, os neoliberais dizem que estamos fazendo recomendações econômicas “irresponsáveis”.
J. Carlos de Assis - Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor, entre outros livros de economia política, de “Os Sete Mandamentos do Jornalismo Investigativo”, Ed. Textonovo, SP.

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