TER, 11/08/2015 - 09:48
ATUALIZADO EM 11/08/2015 - 09:50
Jornal GGN - Juan Delgado, médico cubano que veio ao Brasil para trabalhar no programa Mais Médicos e foi hostilizado no desembarque no aeroporto de Fortaleza, tem atuado em cinco aldeias do interior do Maranhão, atendendo de 20 a 30 índios das etnias kaapor e guajá. Em um local que não tinha médicos há dois anos, segundo Delgado, a maioria dos diagnósticos são de gripe, anemia e desnutrição.
Juan Delgado reclama que faltam medicamentos, principalmente analgésicos e antialérgicos, e que é difícil marcar exames. Também afirma que encaminhar os pacientes para um especialista pode levar até seis meses e que há uma dificuldade cultural em lidar com as crenças dos indígenas.
Da Folha
NATÁLIA CANCIAN e MARINA DIAS
Assim que desembarcou em agosto de 2013 no aeroporto de Fortaleza (CE), o médico cubano Juan Delgado, 51, foi recebido com vaias e gritos de "escravo", numa espécie corredor polonês organizado por médicos brasileiros.
O momento –planejado como um protesto contra a vinda de estrangeiros para atuar no Mais Médicos– acabou por torná-lo um símbolo do programa, que agora completa dois anos.
Ao longo desse período, sua imagem foi utilizada em campanhas eleitorais, tanto de lados contrários como favoráveis ao projeto, uma das principais bandeiras sociais do governo Dilma Rousseff.
Longe dos holofotes, Delgado afirma viver outro embate, ainda mais complexo: o de atuar com poucos recursos em uma área carente de cuidados na saúde.
O cubano divide a semana entre visitas a cinco aldeias do interior do Maranhão, onde atende diariamente cerca de 20 a 30 índios das etnias kaapor e guajá.
Para dar conta dessa demanda, dorme em uma rede e pede ajuda para índios que falam português. A maioria dos diagnósticos é de gripe, anemia e desnutrição, doenças que mais afetam a saúde nas aldeias dessa região.
"Eles não tinham médicos há dois anos", conta ele, que, após as férias em Cuba, passou por Brasília na semana passada, a convite do Ministério da Saúde, para evento de dois anos do Mais Médicos –que, segundo o governo, atende 63 milhões de pessoas.
POSTO DE QUALIDADE
Além da comunicação, há outras dificuldades. A principal delas, diz, é "ter um posto de saúde de qualidade".
"Falta tudo. Faltam medicamentos, e é difícil marcar exames", relata Delgado.
Analgésicos e antialérgicos estão entre as principais ausências nas prateleiras.
Em casos urgentes, para conseguir medicamentos, pede ajuda à Secretaria Municipal de Saúde de Zé Doca, cidade mais próxima às aldeias e a 363 km de São Luís.
O encaminhamento dos pacientes é outro gargalo. "Demora até seis meses para conseguir vaga com um especialista", conta o cubano. Em Zé Doca, por exemplo, só há um hospital disponível.
Outra dificuldade, afirma, é cultural, como lidar com as crenças dos índios sobre o tratamento de crianças doentes. "Já falei: 'Tem que tomar medicamento e ficar no hospital'. E eles dizem: 'Não, doutor. Essa criança não presta'."
Apesar das dificuldades, Delgado acha que o cenário tem melhorado. "Os governantes estão abrindo seu pensamento [para a necessidade de investir em saúde]."
BOLSA PARA A FILHA
Formado há 22 anos, ele havia atuado em outras duas missões fora do país de origem antes de vir ao Brasil, como a epidemia de cólera no Haiti. Depois, voltou a Cuba, onde trabalhava em um consultório médico de família –espécie de posto de saúde local.
Deixou no país a filha, de 17 anos, para quem envia os R$ 2.976 que recebe como bolsa. Questionado, evita opinar sobre o valor. "É o que firmamos em acordo com o governo", afirma ele, que se sustenta com uma ajuda de custo de cerca de R$ 2.500 para alimentação e moradia.
Mesmo com os percalços no atendimento, Delgado diz que o aprendizado na saúde indígena tem valido a pena e, por isso, planeja estender seu contrato, previsto inicialmente para acabar no ano que vem. "Vou pedir para ficar."
OUTRO LADO
Em nota, o Ministério da Saúde diz que a aquisição de medicamentos para as aldeias onde atua o médico cubano Juan Delgado é feita pelo distrito sanitário indígena do Maranhão "conforme o perfil epidemiológico da região" e encaminhado ao polo base do município de Zé Doca.
"É importante lembrar que o local é de difícil acesso, sendo necessário o deslocamento em pista de chão batido (em época de chuva, às vezes, é necessário fazer o percurso de barco pelo rio), o que dificulta a logística de distribuição de medicamentos", completa nota da pasta.
Já exames e consultas com especialistas devem ser realizados no serviço do SUS mais próximo, habilitado a realizar o procedimento. As consultas e exames, segundo o ministério, são solicitados pelo polo base e costumam demorar no máximo 15 dias.
Hoje, 340 médicos do programa Mais Médicos atuam em distritos indígenas –são 34 ao todo.
Sobre os planos do profissional cubano de estender seu contrato no país, previsto inicialmente para acabar no ano que vem, a pasta diz que a possibilidade é prevista na lei do Mais Médicos.
"O médico deverá manifestar o desejo de permanecer e será avaliada junto aos gestores do SUS nos municípios a qualidade do seu desempenho", afirma o Ministério da Saúde.
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DOIS ANOS DE MAIS MÉDICOS
4.058
municípios são atendidos pelo programa
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18.240
profissionais já atuaram pelo Mais Médicos
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11.429
dos médicos são cubanos (62,7% do total)
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880
professores poderão ser contratados para atuar nas universidades federais que ampliarem as vagas de graduação em medicina
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11,5 mil
vagas de graduação é a quantidade prevista de aberturas de vagas até 2017
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4 de outubro
é o prazo de cadastro para instituições interessadas em ampliar o número de vagas com bolsa de residência
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