terça-feira, 22 de setembro de 2015

A ira dos banqueiros

Comentário do Vlad: 
Lá o FED regula os banqueiros. Aqui os banqueiros regulam o BACEN. Ainda querem aprovar uma lei para incorporar o BACEN à FEBRABAN com a justificativa de que o banco central tem que ser independente. 
Primeiro que lá é uma democracia madura,  onde os políticos e o tecnocratas não podem ser tão cara de paus como os daqui e a direção do FED sabe o que está fazendo. É gente que estudou direito e não leu somente os manuais de economia feitos na gringolândia para vender para os trouxas daqui.

http://noticias.uol.com.br/blogs-e-colunas/coluna/paul-krugman/2015/09/22/a-ira-dos-banqueiros.htm

Paul Krugman


Na semana passada o Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos EUA, decidiu não aumentar as taxas de juros. Foi a decisão certa. Na verdade, sou um dos economistas que se perguntam por que estamos pensando em aumentar as taxas neste momento.

Mas a reação da indústria financeira pode explicar o que está acontecendo. Você vê, o Fed fala muito com os banqueiros - e os banqueiros reagiram à sua decisão com uma ira clara e pura. Para os que tentam entender a economia política da política monetária, foi um momento "Aha!". De repente, grande parte do mistério sobre a discussão faz sentido: basta seguir o dinheiro.

Os princípios básicos da política de juros são bastante simples e remontam a mais de um século, ao economista sueco Knut Wicksell. Ele afirmou que os bancos centrais como o Fed ou o Banco Central Europeu deveriam fixar as taxas em seu nível "natural", definido em termos do que acontece com a inflação. Se as taxas estiverem baixas demais, a inflação vai se acelerar; se elas estiverem demasiado altas, a inflação cairá e talvez se transforme em deflação.

Segundo esse critério, é difícil argumentar que as taxas atuais estão baixas demais. A inflação tem estado baixa há anos. Em particular, a medida preferida de inflação do Fed, que exclui os preços voláteis da alimentação e da energia, caiu consistentemente abaixo de sua própria meta de 2% e não dá sinais de aumentar.

É verdade que as taxas - perto de zero para os juros de curto prazo que o Fed controla mais ou menos diretamente - estão muito baixas pelos padrões históricos. E é interessante perguntar por que a economia parece precisar de taxas tão baixas. Mas todas as evidências dizem que precisa mesmo. Mais uma vez, se você acha que as taxas estão baixas demais, onde está a inflação?
Mas o Fed enfrentou críticas constantes por sua política de juros baixos. Por quê?

A resposta é que a história continua mudando. Em 2010-2011, os críticos do Fed emitiram duras advertências sobre a ameaça da inflação. Você poderia ter esperado alguma mudança de tom quando a inflação não se materializou. Em vez disso, porém, os que costumavam exigir taxas mais altas para evitar a inflação continuam pedindo taxas mais altas, mas por motivos diferentes. A justificativa do dia é "estabilidade financeira", a alegação de que as taxas de juros baixas provocam bolhas e quebras.
Suponho que esta última desculpa para aumentar as taxas possa estar certa. Mas é notável como a tese a favor do aumento de taxas se tornou convulsiva e dúbia. Eu gosto de pensar nisso desta maneira: se os políticos de tendência esquerdista oferecessem explicações racionais para suas políticas que fossem tão dependentes da lógica trêmula e de evidências frágeis, eles seriam duramente criticados por sua irresponsabilidade. Por que alguém leva essa coisa a sério?
 
Bem, quando você vê as explicações sempre mutantes para demandas políticas que nunca mudam, uma boa aposta é que há um motivo encoberto. E a ira dos banqueiros pelas taxas - combinada com a queda nas ações dos bancos que se seguiu à decisão do Fed de não elevar as taxas - oferece uma dica poderosa sobre a natureza desse motivo. São os lucros dos bancos, idiota.

Muitas pessoas se perderam ao tentar descobrir se o dinheiro fácil é bom ou ruim para os ricos em geral. Essa é na verdade uma pergunta complicada. O que está claro, porém, é que as taxas de juros baixas são ruins para os banqueiros.

Pois os bancos fazem seus lucros tomando depósitos e emprestando os fundos por uma taxa de juros mais alta. E esse negócio fica apertado em um ambiente de juros baixos: as taxas que os bancos podem cobrar sobre os empréstimos são empurradas para baixo, mas as taxas sobre os depósitos não podem baixar demais. A margem de juros líquida - a diferença entre a taxa de juros que os bancos recebem sobre os empréstimos e a taxa que eles pagam sobre os depósitos - caiu acentuadamente nos últimos cinco anos.

A reação adequada dos fazedores de políticas a esta observação deveria ser: "E daí?" Não há motivo para acreditar que o que é bom para os banqueiros é bom para a América. Mas os banqueiros são diferentes de você e de mim: eles têm muito mais influência. As autoridades monetárias se reúnem com eles o tempo todo, e em muitos casos esperam entrar em suas fileiras quando saírem pelo outro lado da porta giratória. Também se supõe amplamente que os banqueiros tenham uma perícia especial em política econômica, embora não haja nada registrado para confirmar essa crença. (Mas os banqueiros realmente têm excelentes alfaiates.)

Então não devemos nos surpreender ao ver instituições que atendem aos banqueiros, para não falar em grande parte da imprensa financeira, elaborando justificativas para um aumento de taxas que não faz sentido em termos da economia básica. E a discussão dos últimos meses, em que o Fed parecia estranhamente ávido para aumentar as taxas, apesar de advertências de pessoas como Larry Summers de que seria um terrível engano, sugere que até as autoridades monetárias dos EUA não são imunes.


Mas o Fed fez a coisa certa na semana passada: nada. E os uivos dos banqueiros não devem ser considerados um motivo para se pensar melhor, mas uma demonstração de que o clamor por taxas de juros mais altas não tem nada a ver com o interesse público.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves


Paul Krugman

Professor de Princeton e colunista do "New York Times" desde 1999, Krugman venceu o prêmio Nobel de Economia em 2008.

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