quarta-feira, 16 de setembro de 2015

“Última chance”, os fiadores apresentam a conta, por Sergio Saraiva

http://jornalggn.com.br/blog/sergio-saraiva/%E2%80%9Cultima-chance%E2%80%9D-os-fiadores-apresentam-a-conta-por-sergio-saraiva


O Jornal de todos Brasis
Com a sutileza dos que costumam mandar e ser obedecidos, o poder econômico põe a faca no pescoço da presidente Dilma. E determina: volta FHC.
Por Sergio Saraiva
Gravíssima crise, corrosão vertiginosa, forma errática e descoordenada, desmantelamento ético, abuso do direito de errar, esgotamento das reservas de paciência, alarmantes dimensões, irresponsabilidade generalizada, degradação econômica, pesadelos ainda piores, fantasma da inflação descontrolada, benefícios perdulários, circunstâncias dramáticas, radicalidade sem precedentes, medidas drásticas, rombo orçamentário”.
Não lembro me de um dia ter lido um texto jornalístico com tamanha concentração de advérbios e adjuntos adnominais de intensidade. Um tijolo de mais de cinquenta linhas em uma única coluna ao longo da primeira página da Folha de São Paulo de 13 de setembro de 2015. Duvido que algo assim seja recomendado pelos manuais de redação.
Tamanha carga emocional já não seria boa conselheira em uma relação amorosa, quanto mais quando se pretende determinar os caminhos econômicos que uma nação deva seguir.
E, no entanto, é um texto dessa ênfase que constitui o ultimato que o dono do jornal – sim, texto assim é coisa do dono – dá à presidente da República através de seu editorial “Última chance”.
Determina que a presidente reintroduza o fator previdenciário no cálculo das aposentadorias, e imagino que entre os “benefícios perdulários da Previdência” que devam ser cortados também esteja a valorização do salário mínimo. Que corte todos os subsídios e programas sociais, inclusive que deixe de cumprir até com o que a constituição prevê como desembolsos obrigatórios para a saúde e educação públicas. Logo, não se salvam Bolsa Família, Luz Para Todos, Pronatec, FIES e Mais Médicos, entre outros. Que aumente os impostos da população – o imposto de renda descontado na folha de pagamentos e o imposto sobre combustíveis gravando toda atividade econômica. Que desmonte a estrutura administrativa do Estado e comprima os salários do funcionalismo público.
O grau de sofrimento humano contido nessas medidas e mais uma década perdida com a destruição do mercado interno de massa em nada comovem quem as propõem. Já o não cumprimento das determinações custaria o mandato da presidente.
O país não tem escolha e a presidente Dilma Rousseff tampouco: não lhe restará senão abandonar o cargo”.
E que não se conclua que parou por aqui, no Executivo. Ao Legislativo é determinado também que não se atreva a criar empecilhos na implantação de tal programa de governo.
Os parlamentares, deputados e senadores, não devem imaginar que serão preservados caso o país sucumba”.
Para alguém que tem três senadores da oposição como seus funcionários, essa deve ser a parte mais fácil de se obter obediência.
Do Judiciário nenhuma palavra. E, no entanto, é justamente em uma primeira instância judiciária voluntariosa e hiperdimensionada, que muitos creem partidarizada também, que se encontra parte dos problemas pelos quais passa a nossa economia.
Outra ausente é a crise internacional. A depressão econômica mundial levando à queda do valor das commodities agrícolas, agropecuárias e minerais, carro-chefe das nossas exportações e âncora da nossa estabilidade econômica. Parece que a Folha não crê ser necessário combinar com os russos.
Implícito está que tais sacrifícios garantirão o pagamento dos juros – 14,5% ao ano. Cada ponto percentual nessa taxa custa um Bolsa Família. E nem é cogitado um possível aumento dos impostos sobre os ganhos de capital ou a volta da CMPF.
Não, o setor financeiro rentista é o grande ausente da “carta régia”.
Fácil intuir quem é o ghost writer do dono da Folha. São os que apresentaram se como fiadores da normalidade democrática do país e, agora, menos de trinta dias após, mandam a conta, ou o pedido de resgate.
PS1: se tais medidas resultassem em algo mais que lucros garantidos ao rentismo à custa de desemprego e desmonte do setor produtivo, FHC teria feito seu sucessor, em 2002, e Lula ainda estaria na oposição.
PS2: para quem tem alguns vinténs para manter-se atualizado das determinações de Sua Majestade: ”Última Chance”.
PS3: para os que querem apenas ouvir falar de flores: ”Quem pagará a conta da normalidade democrática?”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário