domingo, 13 de setembro de 2015

Armadilha da renda média

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O Jornal de todos Brasis
O mérito da descrição da “armadilha da renda média” cabe ao economista William Arthur Lewis (1915-1991). Esse conceito compreende as dificuldades que um país apresenta para transitar de níveis baixos de desenvolvimento para o patamar do alto desenvolvimento socioeconômico. Vejamos então alguns pontos dessa relevante discussão.
A partir de um ponto de inflexão, sugeriu Lewis (1954), o excesso de mão de obra no setor de subsistência é absorvido pelo setor moderno da economia e a acumulação de capital começa a impactar no crescimento dos salários. Em síntese, esse seria o “ponto de inflexão de Lewis” [1]. Tal questão também vem sendo discutida para o crescimento chinês.
Muitos países não conseguem superar esse ponto de inflexão e acabam presos à armadilha da renda média. Nesse sentido, o Brasil tem sido um caso bem discutido ao longo dos anos. A sua arrancada desenvolvimentista, entre 1930 e 1980, pelas vias da substituição de importações, foi capaz de gerar elevadas taxas de crescimento econômico e incorporar trabalhadores a setores urbanos modernos. O Brasil deixou de ser “uma grande fazenda” para se tornar um país urbano.
Entretanto, a crise da dívida externa na década de 1980, o fim da guerra fria e a ascensão do Consenso de Washington (1989) trouxeram uma nova perspectiva para o Brasil. Ao longo dos últimos trinta anos, a desindustrialização e a regressão da complexidade econômica da pauta exportadora fragilizaram a inserção externa do Brasil. A queda dos preços internacionais das commodities desde 2014, por exemplo, já mostrou efeitos no câmbio e na inflação doméstica.
Ao longo de um ciclo econômico é muito comum que uma fase de boom seja acompanhada pelo aumento das taxas de juros e a retração seguida pela redução das taxas de juros. Entre nós, no entanto, as taxas de juros sobem inclusive no ciclo de retração da economia. A queda dos preços internacionais das commodities desde 2014 impactou adversamente na América Latina e há, portanto, pressão inflacionária na região por conta do repasse das desvalorizações cambiais das moedas nacionais. O aperto monetário brasileiro busca combater a inflação de câmbio e de tarifas públicas?
Outra questão relevante não resolvida entre nós diz respeito às desigualdades sociais. Vejamos apenas um exemplo de regressividade na tributação brasileira:
“O leão do imposto de renda mia feito gato com os ricos, como atestam dados recém-divulgados pela própria Receita Federal. Os maiores milionários a prestar contas ao fisco, um grupo de 71.440 brasileiros, ganharam em 2013 quase 200 bilhões de reais sem pagar nada de imposto de renda de pessoa física (IRPF). Foram recursos recebidos por eles, sobretudo como lucros e dividendos das empresas das quais são donos ou sócios, tipo de rendimento isento de cobrança de IRPF no Brasil.
Caso a bolada fosse taxada com a alíquota máxima de IRPF aplicada ao contracheque de qualquer assalariado, de 27,5%, o País arrecadaria 50 bilhões de reais por ano, metade do fracassado ajuste fiscal arquitetado para 2015 pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Detalhe: os 27,5% são a menor alíquota máxima entre todos os 116 países que tiveram seus sistemas tributários pesquisados por uma consultoria, a KPMG” [2].
Uma passagem do clássico texto de Lewis (1954) merece ser destacada: “A população em geral não nos interessa [para fins de poupança], e sim os 10% que possuem as rendas mais elevadas, que, nos países com excedente de mão de obra, detêm até 40% da renda nacional (e próximo de 30% nos países mais desenvolvidos). Os 90% restantes da população não conseguem nunca poupar uma fração significativa de suas rendas”. Essa passagem converge com os problemas detectados por Keynes (1936) na preferência pela liquidez dos mais endinheirados.
Para Keynes, existe “na ideia dos proprietários de riqueza uma ordem de preferência bem definida, na qual eles exprimem em qualquer tempo o que pensam a respeito da liquidez, e não precisamos de mais nada para a nossa análise do comportamento do sistema econômico” (1936, capítulo 17). Em um país de históricas desigualdades, até que ponto a preferência pela liquidez de uma minoria se encaixa no quadro maior traçado por Keynes?
Nosso processo de desenvolvimento foi marcado por grande concentração de benefícios e socialização de prejuízos, dos tempos do complexo cafeeiro à substituição de importações. O câmbio esteve no centro dos problemas vividos. O câmbio é capaz de afetar a taxa de poupança em nosso país. O seu uso para combater a inflação desde 1994, a atração de poupança externa e o ciclo recente do boom das commodities acentuaram a sobrevalorização cambial do real e afetaram a taxa de poupança doméstica pelo canal da formação bruta de capital fixo (FBCF). Esse fato está bem visível agora entre nós, quando a queda do investimento é acompanhada pela redução da poupança.
Onde está um projeto consistente de desenvolvimento? O que fazer agora? 
Rodrigo Medeiros é professo do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)

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