QUA, 09/09/2015 - 18:53
Dilma pede desculpa pelo que não fez e renega o que deveria ter feito
Por J. Carlos de Assis
A esmagadora maioria da população brasileira que nada sabe de economia não deve ter entendido patavinas do pedido de desculpa da Presidenta em relação a erros eventualmente cometidos por seu Governo, entre os quais um excesso nas políticas anticíclicas. A pequena fração dos que sabem o que é política anticíclica não deve ter entendido nada. Dilma pediu perdão por um pecado que não cometeu. E tratou como pecado a única iniciativa econômica que teria de alguma forma salvado seu Governo até aqui, e que pode salvá-lo no futuro.
Comecemos pelas definições básicas: O que é uma política anticíclica? Tecnicamente, é uma política de expansão de gastos públicos deficitários e de moeda e crédito na recessão, e de sua contenção nos períodos de boom. Por quê? Porque na recessão o Estado deve gastar mais do que arrecada para estimular a demanda, o investimento privado e sobretudo o emprego. No boom, a manutenção do gasto público num patamar elevado e crescente provavelmente provocaria um superaquecimento da economia e inflação de preços.
O Governo petista promoveu uma política anticíclica em 2009 e 2010, sob protesto silencioso dos neoliberais e ortodoxos. Silencioso porque, embora contrariando a doutrina neoliberal, essa política tinha o respaldo das maiores economias do mundo reunidas no G-20. Nas reuniões desse Grupo em Washington, Londres e Pittsburg em 2008 e 2009, a recomendação unânime foi a de que se adotassem políticas de expansão fiscal e monetária a fim de contrabalançar os terríveis efeitos financeiros e econômicos da crise de 2008.
O Governo Lula seguiu fielmente o consenso do G-20. Em 2009 e 2010 o Tesouro liberou para o BNDES 180 bilhões de reais com os quais o banco sustentou o financiamento dos setores privado e público, garantindo a retomada da economia num ritmo célere. Em 2010, tivemos um crescimento quase chinês: 7,5%. Só os neoliberais ficaram nervosos com isso porque não suportavam a ideia de uma economia dando certo fora de suas cartilhas ideológicas, que garantiam que nosso potencial de crescimento estava abaixo de 4%.
Em meados de 2010 houve uma quarta reunião do G-20 em Toronto, no Canadá. Alemanha de Merkel, França de Sarcozy e Grã-Bretanha de Cameron tomaram o controle da situação e impuseram ao resto da Europa e a grande parte do mundo, exceto os Estados Unidos, o que chamaram de “políticas de saída” – isto é, saída do estágio de expansão fiscal-monetária. Os Estados Unidos, diga-se de passagem, ficaram contra essa retração. E deram o exemplo: a expansão fiscal americana em 2009 atingiu 1,4 trilhão de dólares e, em 2010, 1,3 trilhão (9 a 8% do PIB).
Não por acaso a economia norte-americana foi a primeira a recuperar-se, entre os ricos, e as economias do sul da Europa foram as primeiras a afundarem porque estavam sob o garrote da moeda e do BCE únicos, que não lhes permitiam políticas expansivas. A Alemanha sabia o que estava fazendo em seu exclusivo interesse: sendo uma economia exportadora, e favorecida pela desvalorização do euro desde a renúncia ao marco, tinha e continua tendo a imensa vantagem de uma expansão monetária “natural” decorrente de seus imensos superávits comerciais. Aí, então, deve-se perguntar: por que seguimos a Alemanha e não os Estados Unidos?
A resposta é simples: os neoliberais assumiram o comando no coração mesmo do Governo Lula e, depois, no Governo Dilma. Portanto, a Presidenta não precisa de desculpar-se de ter feito políticas anticíclicas, porque não fez. Agora, olhando para a frente, ela poderá reanimar a nação não tanto com discursos ambivalentes mas com uma virada decisiva em favor de uma política anticíclica para valer. Se quiser um modelo, posso dar imediatamente: assuma o Projeto Requião, que é um caminho para a recuperação da Petrobrás, da cadeia produtiva do petróleo e da economia como um todo. Igualzinho o que os progressistas norte-americanos recomendariam caso também eles não nos impusessem opções ideológicas.
J. Carlos de Assis - Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor do recém-lançado “Os Sete Mandamentos do Jornalismo Investigativo”, ed. Textonovo.
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