sex, 11/09/2015 - 17:52
Praticamente desde o Plano Real,
tornei-me crítico das tentativas do mercado de entender a economia
através das planilhas. Cunhei a expressão “cabeças de planilha” para
designar esse tipo de analista. Não apenas isso.
Toda minha análise econômica submetia teorias e propostas à prova dos fundamentos.
Isto é, analisar os efeitos das tais
propostas sobre os fundamentos mais simples da economia, os que estão
efetivamente na base do mercado, do comportamento dos agentes
econômicos.
Fazia isso buscando as correlações entre
os agentes. Se a teoria ou proposta passasse por esse teste de lógica,
então tinha pé ou cabeça.
O artigo de Dani Rodrik – “Economia x
Economistas” -, da Kennedy School of Government, de Harvard, expõe com
clareza esses princípios e as críticas ao que eles chamam de
“mathiness”.
Diz ele que não existe uma teoria única
para os problemas da economia. Cada situação exige valer-se
pragmaticamente dos instrumentos necessários, independentemente da
teoria. E chega-se a esses instrumentos pela arte, pela intuição, não
por fórmulas fechadas. A questão não é definir qual o modelo certo, mas
qual o modelo que se aplica melhor a determinadas circunstâncias.
Daí a importância do conhecimento empírico, da capacidade de ver e entender os fenômenos do mercado.
Hoje, nos EUA, grandes economistas não poupam críticas a colegas que exageraram os benefícios do mercado.
Do Valor
por Dani Rodrik
Desde o fim do século XIX, quando as
ciências econômicas, cada vez mais afeitas à matemática e estatística,
assumiram pretensões científicas, seus praticantes vêm sendo acusados de
vários pecados. As acusações entre as quais a arrogância, o
esquecimento de objetivos sociais além da renda, a atenção excessiva às
técnicas formais e o erro de não prever acontecimentos econômicos
importantes, como crises financeiras normalmente provêm de gente de
fora do mundo econômico ou da ala heterodoxa. Ultimamente, no entanto,
parece que até figuras líderes no campo econômico mostram-se
insatisfeitas.
Paul Krugman, prêmio Nobel e colunista
de jornal, habituou-se a criticar severamente a nova geração de modelos
macroeconômicos por negligenciarem velhas verdades keynesianas. Paul
Romer, um dos criadores da nova teoria do crescimento, acusou alguns
nomes de destaque, incluindo o prêmio Nobel Robert Lucas, do que
apelidou de "mathiness" o uso da matemática para confundir em vez de
esclarecer.
Richard Thaler, notável economista
comportamental da Universidade de Chicago, deu uma grande bronca na
profissão como um todo, acusando-a de ignorar o comportamento do mundo
real em favor de modelos nos quais as pessoas são vistas como
otimizadoras racionais. O professor de finanças Luigi Zingales, também
da Universidade de Chicago, acusou seus colegas especialistas em
finanças de terem levado a sociedade ao mau caminho ao exagerar os
benefícios trazidos pelo mercado financeiro.
Esse tipo de exame crítico pelos grandes nomes da disciplina é saudável e bem-vindo - em especial em um campo que com frequência carece de muita autorreflexão. Eu também direcionei muitas vezes minha mira contra vacas sagradas da disciplina - o livre mercado e o livre comércio.
Há, contudo, uma conotação
desconcertante nesta nova rodada de críticas que precisa ser explicitada
- e rejeitada. A economia não é o tipo de ciência na qual alguma vez
poderá existir um único modelo genuíno que funcione melhor em todos os
contextos. A questão não se trata de "chegar a um consenso sobre qual
modelo é certo", como argumentou Romer, mas descobrir qual modelo se
aplica melhor em determinada situação. Fazer isso sempre continuará a
ser uma arte, não uma ciência, em especial quando a escolha precisa ser
feita em tempo real.
O mundo social difere do mundo físico
porque é feito pelo homem e, portanto, quase infinitamente maleável.
Portanto, diferentemente das ciências naturais, o avanço científico das
econômicas não se dá pela substituição de velhos modelos por melhores,
mas pela expansão de sua biblioteca de modelos, com cada um esclarecendo
uma contingência social diferente.
Por exemplo, agora temos muitos modelos
de mercados nos quais há concorrência imperfeita ou informações
assimétricas. Esses modelos não tornaram seus predecessores, baseados na
concorrência perfeita, obsoletos ou irrelevantes. Simplesmente fizeram
com que ficássemos mais conscientes de que circunstâncias diferentes
pedem modelos diferentes.
Da mesma forma, modelos comportamentais
que enfatizam tomadas de decisão heurísticas nos permitem analisar
melhor cenários em que tais considerações são importantes. Não invalidam
os modelos de escolha racional, que continuam como a ferramenta a ser
escolhida em outras situações.
Um modelo de crescimento que se aplique
aos países avançados pode ser um mau guia para os países em
desenvolvimento. Algumas vezes, modelos que enfatizam expectativas são
melhores para analisar os níveis de inflação e desemprego; em outras,
modelos com elementos keynesianos vão funcionar melhor.
Jorge Luis Borges, o escritor argentino,
certa vez escreveu uma história, de um único parágrafo, que talvez seja
o melhor guia para os métodos científicos. Ele descreveu uma terra
distante em que a cartografia - a ciência de fazer mapas - havia sido
levada a extremos ridículos. O mapa de uma província era tão detalhado
que tinha o tamanho de toda uma cidade. O mapa de um império ocupava
toda uma província.
Com o tempo, os cartógrafos ficaram
ainda mais ambiciosos: desenharam um mapa que era uma réplica exata,
ponto por ponto, de todo o império. As gerações subsequentes, como nota
ironicamente Borges, não puderam encontrar algum uso prático para um
mapa tão incômodo de manusear. O mapa, então, foi largado no deserto a
deteriorar-se, juntamente com a ciência da geografia que ele
representava.
O que Borges quis dizer é algo que ainda
escapa a muitos cientistas sociais de hoje: o entendimento exige
simplificação. A melhor forma de responder à complexidade da vida social
não é criar modelos cada vez mais elaborados, mas aprender como
diferentes mecanismos causais funcionam, um de cada vez, e, então,
descobrir quais são mais relevantes em determinado cenário.
Usamos um mapa quando dirigimos de casa
para o trabalho, outro quando viajamos entre cidades. Há ainda diversos
tipos de mapas que são necessários se estivermos de bicicleta, a pé ou
usando transporte público.
Navegar por modelos econômicos -
selecionar qual funciona melhor - é consideravelmente mais difícil do
que escolher o mapa adequado. Os profissionais usam vários modelos
empíricos, formais e informais, com diferentes graus de habilidade. Em
meu livro por sair "Economic Rules" (regras econômicas, em inglês),
critico os cursos de economia por não prepararem apropriadamente os
estudantes para os diagnósticos empíricos que a disciplina exige.
Os críticos internos da profissão,
contudo, erram ao dizer que a disciplina saiu-se mal porque os
economistas ainda não chegaram a consenso sobre os modelos "corretos"
(que são os seus preferidos, naturalmente). Deixem-nos reverenciar a
economia em toda sua diversidade racional e comportamental, keynesiana
e clássica, primeiro melhor e segundo melhor, ortodoxia e heterodoxia
e devotar nossa energia a nos tornar mais sábios ao escolher quando e
qual modelo aplicar.
Dani Rodrik é professor de economia
política internacional na John F. Kennedy School of Government, em
Harvard. Copyright: Project Syndicate, 2015.
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