sexta-feira, 11 de setembro de 2015

A crítica aos cabeças de planilha, por Dani Rodrik

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Praticamente desde o Plano Real, tornei-me crítico das tentativas do mercado de entender a economia através das planilhas. Cunhei a expressão “cabeças de planilha” para designar esse tipo de analista. Não apenas isso.
Toda minha análise econômica submetia teorias e propostas à prova dos fundamentos.
Isto é, analisar os efeitos das tais propostas sobre os fundamentos mais simples da economia, os que estão efetivamente na base do mercado, do comportamento dos agentes econômicos.
Fazia isso buscando as correlações entre os agentes. Se a teoria ou proposta passasse por esse teste de lógica, então tinha pé ou cabeça.
O artigo de Dani Rodrik – “Economia x Economistas” -, da Kennedy School of Government, de Harvard, expõe com clareza esses princípios e as críticas ao que eles chamam de “mathiness”.
Diz ele que não existe uma teoria única para os problemas da economia. Cada situação exige valer-se pragmaticamente dos instrumentos necessários, independentemente da teoria. E chega-se a esses instrumentos pela arte, pela intuição, não por fórmulas fechadas. A questão não é definir qual o modelo certo, mas qual o modelo que se aplica melhor a determinadas circunstâncias.
Daí a importância do conhecimento empírico, da capacidade de ver e entender os fenômenos do mercado.
Hoje, nos EUA, grandes economistas não poupam críticas a colegas que exageraram os benefícios do mercado.


Do Valor
por Dani Rodrik

Desde o fim do século XIX, quando as ciências econômicas, cada vez mais afeitas à matemática e estatística, assumiram pretensões científicas, seus praticantes vêm sendo acusados de vários pecados. As acusações ­ entre as quais a arrogância, o esquecimento de objetivos sociais além da renda, a atenção excessiva às técnicas formais e o erro de não prever acontecimentos econômicos importantes, como crises financeiras ­ normalmente provêm de gente de fora do mundo econômico ou da ala heterodoxa. Ultimamente, no entanto, parece que até figuras líderes no campo econômico mostram­-se insatisfeitas. 

Paul Krugman, prêmio Nobel e colunista de jornal, habituou­-se a criticar severamente a nova geração de modelos macroeconômicos por negligenciarem velhas verdades keynesianas. Paul Romer, um dos criadores da nova teoria do crescimento, acusou alguns nomes de destaque, incluindo o prêmio Nobel Robert Lucas, do que apelidou de "mathiness" ­ o uso da matemática para confundir em vez de esclarecer. 
Richard Thaler, notável economista comportamental da Universidade de Chicago, deu uma grande bronca na profissão como um todo, acusando­-a de ignorar o comportamento do mundo real em favor de modelos nos quais as pessoas são vistas como otimizadoras racionais. O professor de finanças Luigi Zingales, também da Universidade de Chicago, acusou seus colegas especialistas em finanças de terem levado a sociedade ao mau caminho ao exagerar os benefícios trazidos pelo mercado financeiro.

Esse tipo de exame crítico pelos grandes nomes da disciplina é saudável e bem-vindo -­ em especial em um campo que com frequência carece de muita autorreflexão. Eu também direcionei muitas vezes minha mira contra vacas sagradas da disciplina -­ o livre mercado e o livre comércio.
Há, contudo, uma conotação desconcertante nesta nova rodada de críticas que precisa ser explicitada -­ e rejeitada. A economia não é o tipo de ciência na qual alguma vez poderá existir um único modelo genuíno que funcione melhor em todos os contextos. A questão não se trata de "chegar a um consenso sobre qual modelo é certo", como argumentou Romer, mas descobrir qual modelo se aplica melhor em determinada situação. Fazer isso sempre continuará a ser uma arte, não uma ciência, em especial quando a escolha precisa ser feita em tempo real.
O mundo social difere do mundo físico porque é feito pelo homem e, portanto, quase infinitamente maleável. Portanto, diferentemente das ciências naturais, o avanço científico das econômicas não se dá pela substituição de velhos modelos por melhores, mas pela expansão de sua biblioteca de modelos, com cada um esclarecendo uma contingência social diferente.
Por exemplo, agora temos muitos modelos de mercados nos quais há concorrência imperfeita ou informações assimétricas. Esses modelos não tornaram seus predecessores, baseados na concorrência perfeita, obsoletos ou irrelevantes. Simplesmente fizeram com que ficássemos mais conscientes de que circunstâncias diferentes pedem modelos diferentes.
Da mesma forma, modelos comportamentais que enfatizam tomadas de decisão heurísticas nos permitem analisar melhor cenários em que tais considerações são importantes. Não invalidam os modelos de escolha racional, que continuam como a ferramenta a ser escolhida em outras situações.
Um modelo de crescimento que se aplique aos países avançados pode ser um mau guia para os países em desenvolvimento. Algumas vezes, modelos que enfatizam expectativas são melhores para analisar os níveis de inflação e desemprego; em outras, modelos com elementos keynesianos vão funcionar melhor.
Jorge Luis Borges, o escritor argentino, certa vez escreveu uma história, de um único parágrafo, que talvez seja o melhor guia para os métodos científicos. Ele descreveu uma terra distante em que a cartografia -­ a ciência de fazer mapas -­ havia sido levada a extremos ridículos. O mapa de uma província era tão detalhado que tinha o tamanho de toda uma cidade. O mapa de um império ocupava toda uma província.
Com o tempo, os cartógrafos ficaram ainda mais ambiciosos: desenharam um mapa que era uma réplica exata, ponto por ponto, de todo o império. As gerações subsequentes, como nota ironicamente Borges, não puderam encontrar algum uso prático para um mapa tão incômodo de manusear. O mapa, então, foi largado no deserto a deteriorar-­se, juntamente com a ciência da geografia que ele representava.
O que Borges quis dizer é algo que ainda escapa a muitos cientistas sociais de hoje: o entendimento exige simplificação. A melhor forma de responder à complexidade da vida social não é criar modelos cada vez mais elaborados, mas aprender como diferentes mecanismos causais funcionam, um de cada vez, e, então, descobrir quais são mais relevantes em determinado cenário.
Usamos um mapa quando dirigimos de casa para o trabalho, outro quando viajamos entre cidades. Há ainda diversos tipos de mapas que são necessários se estivermos de bicicleta, a pé ou usando transporte público.
Navegar por modelos econômicos ­- selecionar qual funciona melhor -­ é consideravelmente mais difícil do que escolher o mapa adequado. Os profissionais usam vários modelos empíricos, formais e informais, com diferentes graus de habilidade. Em meu livro por sair "Economic Rules" (regras econômicas, em inglês), critico os cursos de economia por não prepararem apropriadamente os estudantes para os diagnósticos empíricos que a disciplina exige.
Os críticos internos da profissão, contudo, erram ao dizer que a disciplina saiu­-se mal porque os economistas ainda não chegaram a consenso sobre os modelos "corretos" (que são os seus preferidos, naturalmente). Deixem-­nos reverenciar a economia em toda sua diversidade ­ racional e comportamental, keynesiana e clássica, primeiro melhor e segundo melhor, ortodoxia e heterodoxia ­ e devotar nossa energia a nos tornar mais sábios ao escolher quando e qual modelo aplicar.
Dani Rodrik é professor de economia política internacional na John F. Kennedy School of Government, em Harvard. Copyright: Project Syndicate, 2015.

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