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TER, 09/06/2015 - 08:37
Do Valor
por Yoshiaki Nakano
Ninguém discorda que o ajuste fiscal é necessário e urgente. Basta lembrar que o déficit nominal do setor público alcançou, nos últimos doze meses encerrados em abril 7,47% do PIB, o que coloca a trajetória da dívida pública num patamar insustentável e o déficit em transações correntes tem sido de mais de 4% do PIB, o que também é insustentável numa economia em estagnação. Estes dois fatos, somados à semi-estagnação da economia, redundaram numa grave crise de confiança e deterioração muito grande das expectativas de longo prazo.
A análise empírica dos diversos episódios de ajuste fiscal nos trazem algumas lições. Nos episódios de sucesso - casos em que se reduz o déficit público de forma irreversível e nos anos subsequentes ao ajuste a dívida pública entra numa trajetória descendente - observa-se que o ajuste se dá numa magnitude considerável (pelo menos 3% do PIB) com cortes de despesas correntes. Casos nos quais o ajuste repousa em aumento de impostos, em geral, redundam em fracasso. Nos anos subsequentes ao ajuste, o comportamento do déficit se reverte.
Nos casos de economia caminhando para uma recessão, como é o nosso caso, se o ajuste fiscal for precedido de desvalorização cambial, para dar um choque positivo na economia e, durante o ajuste, a política monetária for ativa, em muitos dos episódios, ao invés de recessão, podemos ter é uma imediata recuperação do crescimento. Se o ajuste fiscal for feito com forte corte nas despesas correntes, as expectativas se revertem, a confiança é recomposta e pressões inflacionárias podem ficar contidas. E, com política monetária de juros baixos, tanto o consumo como o investimento reagem rapidamente.
No atual episódio brasileiro de ajuste fiscal, este foi precedido por uma desvalorização cambial de mais de 20%, o que já começou a se refletir na balança comercial, principalmente nas importações, e tudo leva a crer que deverá amenizar o impacto negativo dos cortes na despesas e aumento nos impostos.
O problema está na elevação da taxa de juros pelo Banco Central, exatamente quando a economia brasileira está em plena recessão e a taxa de inflação mensal vem desacelerando. Em qualquer país do mundo, os bancos centrais, que seguem políticas aceitas e ortodoxas, quando a economia está em recessão (hiato do produto aumentando), taxa de desemprego aumentando e a remuneração média dos trabalhadores em queda, reduzem a taxa de juros. Num contexto como o atual, em que o governo decide contrair significativamente os seus gastos, é racional articular as políticas monetária e fiscal para minimizar os custos para a sociedade.
Além do mais, a aceleração da inflação dos últimos doze meses até abril deveu-se à correção dos preços relativos de energia, combustíveis e da taxa de câmbio. Se não fossem estas três correções necessárias a taxa de inflação estaria, certamente, abaixo dos 5%. A rigor, o que o Banco Central está procurando fazer é represar todos os demais preços da economia para corrigir os três mencionados acima. Tarefa que vem sendo feita pelo aumento de desemprego e redução do salário médio da economia.
Então, qual é a razão do Banco Central? Tudo indica que o BC quer recompor a sua credibilidade perdida nos últimos anos e fazer com que as expectativas de inflação do mercado, para 2016, caiam dos atuais 5,5% para 4,5%, o centro da meta.
Mas a simples elevação da taxa de juros recomporá a credibilidade do Banco Central? Provavelmente não. Pois a elevação de cada ponto percentual na taxa de juros Selic deverá elevar os custos dívida pública em, pelo menos, R$ 30 bilhões ou mais do 0,5% do PIB. Isto significa que as recentes elevações na taxa de juros aumentam os gastos futuros do governo com juros muito mais do que o ajuste fiscal previsto de 1,2% do PIB. Ainda aprofundam a recessão e reduzem a arrecadação, tornando inócuo o ajuste fiscal. Se lembrarmos que o déficit nominal alcançou 7,47% do PIB nos últimos doze meses até abril, e que dificilmente sofrerá queda significativa no ano, consequentemente a dívida pública continuará aumentando!
Desta forma, não há razão para o mercado rever as suas expectativas inflacionárias para baixo. O quadro é ainda de grandes incertezas. O governo está muito enfraquecido, dividido e sem credibilidade. O Congresso fortaleceu-se, mas tem votado medidas de ajuste, ao mesmo tempo em que muda o fator previdenciário e aumenta os salários do Judiciário. Com esta combinação infeliz e contraditória de política fiscal e monetária, o que acontecerá em 2016 é uma incógnita, podemos apostar que a economia brasileira não vai crescer! A própria continuidade do ajuste fiscal poderá ficar comprometida com desemprego cada vez maior.
Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP) e escreve mensalmente às terças-feiras.
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