QUA, 03/06/2015 - 09:47
ATUALIZADO EM 03/06/2015 - 10:38
Por Gunter Zibell
Nos últimos meses vimos a taxa básica de juros subir de 10,90 pp. (outubro) para os 13,15 pp. atuais.
Com o aprofundamento da recessão (vários indicadores antecedentes de produção e arrecadação apresentando quedas ainda maiores que 2% aa.) e com os anúncios de ajuste fiscal pautando o noticiário, é natural que isso chame a atenção.
Será que é para tanto? Sem pretensão de aprofundar o debate, que é tarefa da Academia e Consultorias especializadas, deixo minhas impressões sobre os argumentos mais comuns que vejo serem apresentados.
Se a inflação é de oferta, política monetária restritiva não a baixará. Faz sentido, se observarmos que os principais componentes para o aumento recente de inflação são alimentos (prejudicados por seca) e combustíveis (com o fim do represamento de preços de gasolina e energia) e também bens de consumo não-duráveis (afetados pela desvalorização cambial.)
Então, em um ambiente assim, pensar em uma elevação de taxa de juros para conter a demanda, em plena recessão, seria contraproducente.
O que a autoridade econômica pode fazer – e aparentemente o está fazendo – é manter um certo paralelismo entre inflação resultante e taxa nominal de juros corrente, para evitar eventual fuga de capitais (que levaria a ainda maior – e inflacionária – desvalorização cambial) e deslocamento da poupança para ativos reais. Um pouco como cachorro correndo atrás do rabo.
O aumento de juros prejudica o ajuste fiscal. Nem sempre, pode haver um sofisma aí se não olharmos para a taxa real de juros.
Se a dívida pública é em torno de 3 trilhões e a taxa anual aumentou 2,25 pp não quer dizer que a conta de juros anulou o esforço fiscal. Quer dizer apenas que a conta “nominal” de juros aumentou.
Em qualquer economia existe a senhoriagem, que se aproxima a um imposto inflacionário. A perda de valor real da dívida com a inflação não pode ser contabilizada (mecanismos como a ORTN permitiriam isso), mas existe um valor econômico que pode ser estimado.
Quando o governo paga algo como R$ 400 bi de juros anuais não está transferindo esse poder aquisitivo aos poupadores, pois arrecada (na maioria das aplicações) 15% de IRRF e ainda há uma inflação de 8% ou mais como contrapartida.
Exemplificando com números de out.2014 e mai./2015:
10/2014: Selic = 10,90; * 0,85 = 9,27; inflação de 6,5% a.a.; juros reais correntes em torno de 2,6% (que são próximos ao spread de risco que o Brasil paga.)
05/2015: Selic = 13,15; * 0,85 = 11,18; inflação de 8,2% a.a.; juros reais correntes de 2,8%
Não houve, portanto, nenhum aumento expressivo de juros reais anuais na gestão Levy e os juros não estão anulando o esforço fiscal. Observe-se que isso só pode ser calculado a posteriori, mas a maioria das aplicações no Brasil é pós-fixada, então se a inflação começar a baixar a taxa anual de juros também poderá fazê-lo. Na prática as taxas reais de juros verificadas oscilam relativamente pouco (ficam entre 1% e 4% a.a. para quase qualquer período acumulado de 12 meses desde a saída da recessão de 2009) e também acompanham movimentos internacionais (quando, p.ex., os EUA pagavam taxas positivas, as do Brasil eram ainda maiores que atualmente.)
O que não quer dizer que não se possa criticar o patamar apresentado de juros reais e que não se possa ter política monetária menos contracionista.
Juros reais elevados são coisa do “liberalismo”. Não necessariamente. Tanto que as mais importantes economias “liberais” (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido e Suíça) estão há anos convivendo com taxas reais de juros negativas. E grandes economias intervencionistas (China, Rússia, Brasil) pagam taxas nominais acima da inflação. E tampouco há uma corrida de investidores das economias centrais para as economias em desenvolvimento, talvez ao contrário. Então não vamos politizar, portanto, o que não é politizável.
Nenhum governo é masoquista por si, qualquer governo racional preferiria usar impostos arrecadados para obras e benesses sociais, não para pagar juros. Eventualmente, quando se percebe inflação de demanda (aumento de consumo acima da produtividade) autoridades monetárias temporariamente elevam juros para conter esse movimento, mas essa intenção não é uma “perversidade”. E certamente não é o caso em nenhuma grande economia mundial atual. Monetarismo é ferramenta, portanto, não destino.
Porque o Brasil é uma das grandes economias que mais paga juros reais nas últimas duas décadas é algo que decorre de várias decisões, talvez equivocadas ou talvez necessárias, sobre as quais posso apenas especular, pois não tenho o conhecimento suficiente para aprofundamento. Entendo que algumas motivações sejam a importância política que combater inflação adquiriu no Brasil, a dependência de ancoragem cambial e da manutenção de fluxo externo positivo de capitais, a ausência de um verdadeiro mercado privado de poupança e empréstimo, uma vez que o Bacen praticamente absorve toda a poupança privada (quase não há mais debêntures ou letras de câmbio) definindo um mínimo que o capital é remunerado e sem risco.
Juros são elevados para favorecer bancos. Em termos, pois bancos e financeiras lucram muito mais com a intermediação de empréstimos, que aumentam quando juros são baixos e a economia aquecida. Note-se a elevada lucratividade dos bancos norte-americanos e japoneses, em países onde as taxas reais de juros pagas por seus bancos centrais são frequentemente negativas. Há o caso particular de bancos de investimento que aplicam seu próprio patrimônio, mas mesmo estes lucram muito mais com alavancagem que emprestando a governos.
Quem é favorecido por elevação de juros são os fundos de pensão e os pequenos poupadores, cada parte detentora de mais ou menos metade da dívida pública brasileira. Não são fundos de pensão (e/ou de investimento) que forçam governos a pagar juros reais elevados, eles apenas aproveitam as oportunidades para remunerar melhor seu portfólio (e que pertence em grande parte a trabalhadores, não milionários...), pois, caso contrário, se dirigiriam a investimentos imobiliários ou ações. No Brasil ou em outros países.
Juros elevados são “pauta da direita” (e como direita entende-se detentores de capital.) Isso para mim é uma distorção de discurso, pois os mercados de capitais equilibram a oferta e demanda para dois grupos ambos igualmente capitalistas: os que poupam e os que tomam emprestado para investir. Tanto que a cada elevação de SELIC quem mais solta nota criticando são as federações de indústrias. As taxas de juros pouco afetam concentração de renda e de patrimônio e isso se dá marginalmente (através de apropriação no mercado de crédito ao consumidor, elevação do patamar de aluguéis e incorporação pela economia produtiva de juros nos preços.)
Noticiário é parcial. Em geral é, não necessariamente por alguma ‘conspiração’, mas por um vício de analistas apenas apresentarem os argumentos de um lado (o uso do cachimbo entorta a boca...) O mesmo se nota muito mais, inclusive, em relação à política cambial; quem é a favor de desvalorização só apresenta os argumentos para isso, nunca para o contrário. E vice-versa. Mas se grande mídia é parcial pró-mercado, o que se chama de blogosfera alternativa também é e em geral com menor proficiência na argumentação sobre Economia. Há vieses políticos em quase tudo e cabe ao leitor dar os devidos descontos.
Ajuste fiscal é um corte excessivo, superávit primário de 1,2% é um esforço grande.Em termos, pois fala-se em “cortes” muito para marketing mas o que importa não é se 70 bi são muito ou pouco em relação a uma LDO (Orçamento) apresentada (e quase todo ano superestimada), mas se os gastos públicos como proporção de PIB se mantêm.
Nos anos de 2010 a 2013 os três níveis de governo arrecadaram em torno de 36% do PIB e gastaram/investiram 34%, gerando algo como 2% (em geral um pouco mais) de superávit primário. O déficit de 0,6% em 2014 é ponto fora de curva e por isso visto como eleitoreiro (sem o mesmo o PIB já teria caído em 2014 e prejudicado a reeleição) e não há como repeti-lo indefinidamente, mas superávit de 1,2% ainda é uma política menos restritiva que a habitual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário