Por Laura Carvalho 
Já é quase consenso entre analistas econômicos que apesar dos cortes substanciais no orçamento, o governo federal não conseguirá cumprir em 2015 a meta de 1,2% do PIB de superávit primário, que havia sido anunciada no fim do ano passado pelo ministro Joaquim Levy. Com as sucessivas quedas nas projeções para a taxa de crescimento desse ano, que hoje giram em torno de menos 1,3%, o não cumprimento da meta fiscal está longe de ser uma surpresa.
Afinal, a queda na arrecadação tributária que inevitavelmente acompanha qualquer desaceleração da economia transformou o ajuste prometido em uma tarefa, no mínimo, quixotesca. Dada a falta de perspectiva de melhora no setor externo e o fato de que o próprio ajuste em curso, e em particular os cortes anunciados nos investimentos públicos, terá efeito recessivo adicional sobre a economia brasileira, não parece exagero afirmar que o governo tampouco cumprirá a meta de 2% do PIB anunciada para 2016 e 2017.
Ao invés da pressão por cortes ainda mais épicos de gastos, que só serviriam para adiar uma eventual retomada do crescimento e da arrecadação e, assim, a estabilidade da dívida, o que essas constatações deveriam trazer à tona é a urgência de uma revisão mais profunda do nosso regime fiscal. Assim como para os regimes de metas de inflação, a literatura econômica indica que uma boa regra fiscal deve ser transparente, crível e manter algum grau de flexibilidade para a acomodação de flutuações inesperadas na economia. É fácil argumentar que a adoção de uma meta rígida de superávit primário – mais uma de nossas jabuticabas – fere esses três requisitos.
Primeiro, a perseguição de uma meta de superávit que não considera que as receitas e os gastos do governo variam com o próprio nível de atividade econômica, e também o afetam, é como praticar tiro ao alvo com um alvo móvel. A consequência é que o grau de dificuldade da empreitada acaba estimulando o uso de receitas não-recorrentes e de manobras fiscais para a entrega do resultado prometido. Dada a nossa experiência recente, está claro que esses procedimentos não contribuem para a transparência da regra, e muito menos para a sua credibilidade.
Por outro lado, a alternativa acaba sendo a revisão permanente do orçamento federal em resposta às mudanças no panorama econômico, tal qual realizado no contingenciamento anunciado recentemente. O problema é que além de prejudicar a capacidade de planejamento dos ministérios, essas revisões tampouco eliminam a possibilidade de frustrações ao final do processo.
Finalmente, o uso de uma meta rígida e “cheia”, que não exclui do resultado primário as variações na receita e no gasto que são decorrentes de flutuações no próprio crescimento econômico, leva à ação pró-cíclica do governo, que passa a usar a sua maior capacidade de gastar e investir nos momentos de expansão da arrecadação, mas é obrigado a contrair suas despesas justamente quando a economia mais precisaria de estímulos, como agora.
Levando em conta não só os defeitos estruturais inerentes ao nosso regime fiscal, mas também a inviabilidade do cumprimento da meta anunciada para os próximos anos, é urgente que as metas fiscais atuais sejam objeto de uma discussão ampla pelo governo e a sociedade. A comparação internacional com outros regimes fiscais e a experiência brasileira com o regime de metas de inflação parecem sugerir alguns caminhos promissores.
Em primeiro lugar, não faz nenhum sentido que nós não utilizemos, como é feito pela União Europeia, o Reino Unido, e até por países latino-americanos como Chile e Colômbia, o resultado fiscal estrutural, ao invés da meta “cheia”. O cálculo do resultado estrutural basicamente expurga as variações nos gastos e nas receitas que são fruto do ciclo econômico, mantendo apenas a parte discricionária do orçamento como meta. É sabido que o Banco Central do Brasil já utiliza estimativas de resultado estrutural em seus modelos, e poderia então divulgá-los, juntamente com os parâmetros e métodos utilizados, preservando a transparência da regra.
Em segundo lugar, para garantir algum grau de flexibilidade sem, contudo, prejudicar a credibilidade da política, a regra fiscal deveria incluir bandas em torno do centro da meta de superávit estrutural. Assim, o piso e o teto da meta seriam definidos de modo a garantir a sustentabilidade da dívida pública no médio prazo, mas trariam alguma margem para erros de previsão e para a ação anticíclica pelo governo. E por que não, assim como no nosso regime de metas de inflação, o não cumprimento da meta deveria exigir um processo formal de prestação de contas pela equipe econômica ao Congresso e à sociedade, o que também adicionaria credibilidade à política pelo custo de reputação de seus executores.
Por fim, além de uma mudança mais profunda da regra, a melhor forma de garantir que seja crível o compromisso anunciado pelo governo de levar a economia brasileira de volta a uma trajetória de crescimento econômico com sustentabilidade da dívida pública é a revisão imediata das metas fiscais atuais para patamares considerados factíveis – como por exemplo, 0,5%, 1% e 1,5% em 2015, 2016 e 2017, respectivamente. Afinal, por que o anúncio de um aumento mais gradual do superávit primário dotaria o governo de menor credibilidade do que uma promessa de ajuste rápido que os analistas já entendem que não será viável?
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