TER, 16/06/2015 - 14:02
ATUALIZADO EM 16/06/2015 - 14:05
"A credibilidade fiscal já foi perdida, independente de qual venha a ser a decisão do TCU", interpreta o economista José Roberto Afonso
Jornal GGN - As pedaladas fiscais voltaram a ser tema de preocupação para o Palácio do Planalto, no aguardo do julgamento do TCU sobre o Balanço Geral da União. Até hoje, o tribunal de contas nunca reprovou as contas do governo. Entretanto, por terem condenado as pedaladas fiscais da gestão Dilma, referentes ao ano passado, os ministros do TCU podem encontrar justificativas suficientes para a reprovação. O clima de suspense chega a levantar boatos de que "pelo menos três" ministros votariam contra as contas da União.
"A credibilidade fiscal já foi perdida, independente de qual venha a ser a decisão do TCU", analisa o economista José Roberto Afonso, pesquisador do IBRE/FGV, ao blog João Villaverde.
"Quem acredita no ajuste fiscal não precisa esconder os subsídios creditícios e, ainda mais agora, que se sabe calcular até a casa decimal. Desconfio que seja outra a razão para deixar que essa conta continue sendo espetada no caixa dos bancos federais, pois ela crescerá exponencialmente quanto mais se corrige TJLP e Selic. Será mais uma contribuição para descapitalizar ainda mais aquelas instituições financeiras que já tinham perdido suas reservas de lucros para fabricar receita primária para o Tesouro. É um filme já conhecido com a administração dos preços dos combustíveis e o desarranjo da Petrobras", entende, sobre os mais de R$ 24,5 bilhões que o Tesouro ainda deve ao BB e ao BNDES.
Leia a coluna completa:
Do Estadão
Por João Villaverde
As atenções, aqui em Brasília, estão voltadas para o Tribunal de Contas da União (TCU). Na quarta-feira, amanhã, o TCU vai julgar o chamado Balanço Geral da União referente ao ano de 2014. Ele foi enviado pelo governo Dilma Rousseff ao TCU para análise. Todos os anos, o TCU analisa as contas do ano anterior apresentadas pelo governo federal. Via de regra, o TCU aprova as contas, fazendo apenas ressalvas pontuais. A decisão do TCU é encaminhada ao Congresso Nacional que…. bem, nada faz. Mas, desta vez, há um fato completamente novo e que gera suspense na capital federal.
As pedaladas fiscais. Como sabe o leitor, as pedaladas fiscais foram os atrasos propositais do Tesouro Nacional em repassar dinheiro público para bancos, públicos e privados, que precisaram usar recursos próprios para fazer os pagamentos de programas públicos. O caso mais flagrante foi com a Caixa, que precisou usar seu próprio cofre para continuar pagando em dia programas como Bolsa Família, seguro-desemprego, abono salarial etc., diante do atraso do Tesouro. Esses atrasos visavam melhorar artificialmente as contas públicas, porque diminuíam as despesas federais. Foi uma pedalada fiscal.
Essas pedaladas foram reveladas no ano passado e, depois, foram investigadas por auditores do TCU. Eles comprovaram esses atrasos em relatório técnico. Diante disso, o Ministério Público de Contas, pelas mãos do procurador Júlio Marcelo de Oliveira, entendeu que esses atrasos constituíram um crime de responsabilidade fiscal. Em julgamento, realizado em abril, os ministros do TCU decidiram, de forma unânime, pela condenação das pedaladas fiscais.
Pois bem.
Agora, o mesmo TCU que condenou as pedaladas fiscais de 2014 terá que dizer se aprova ou reprova as contas federais de 2014. Mais que isso: o Estadão revelou no sábado o relatório técnico feito pelos auditores do TCU sobre o Balanço Geral da União. O relatório aponta que há “distorções” (esta é a palavra dos auditores) da ordem de R$ 281 bilhões no balanço entregue pelo governo Dilma ao tribunal. Somente em pedaladas fiscais as distorções chegaram a R$ 37,1 bilhões. Isso foi omitido pelo governo no balanço, segundo o TCU.
De posse deste relatório que os ministros, amanhã, vão decidir o que fazer com as contas.
Nunca, na história, o tribunal de contas reprovou as contas de um governo. Aliás, em toda a história houve somente um voto pela reprovação entre todos os ministros. Agora, nos corredores do TCU fala-se que haverá “pelo menos” três votos pela reprovação entre os oito ministros que compõem o plenário no julgamento.
O clima é de suspense.
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O TCU também pode decidir pela correção imediata das pedaladas fiscais. Quando assumiu, a nova equipe econômica chefiada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou publicamente que “todas as despesas obrigatórias seriam pagas em dia”. Isso, aparentemente, está sendo cumprido.
Mas as dívidas do Tesouro com o Banco do Brasil e com o BNDES continuam altas e aumentando. No BB, segundo o balanço do próprio banco, o Tesouro tem pendurado R$ 12,7 bilhões por conta do crédito agrícola subsidiado oferecido pelo Banco do Brasil. No BNDES, o Tesouro ainda tem R$ 6,8 bilhões em restos a pagar e outros R$ 5 bilhões que serão gerados em 2015. Ao todo, portanto, há R$ 24,5 bilhões pendurados pelo Tesouro.
Se o TCU decidir que todas as pedaladas devem ser corrigidas, o governo terá que desembolsar essa bagatela. Será ótimo para BB e BNDES, que terão um dinheiro importante em um ano de aperto econômico, mas péssimo para a estratégia da nova equipe econômica, que busca a todo custo cumprir a meta fiscal de 2015. Se for obrigado a pagar tudo, o governo terá que desistir da meta de 2015.
A conta do que é devido pelo governo é ainda maior. A pedido deste blog, o economista Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, levantou todos os restos a pagar inscritos pelo governo para 2015 com subsídios. Dessa conta, Mansueto retirou aquilo que o governo pagou entre 1º de janeiro e 11 de junho (semana passada). Sobram R$ 28,6 bilhões.
“Do saldo inscrito de restos a pagar em 2015, R$ 34,4 bilhões, o governo pagou até 11 de junho somente R$ 5,8 bilhões. Retirando o pouco que foi cancelado, R$ 37 milhões, o governo ainda tem que pagar uma conta de R$ 28,6 bilhões, que é o saldo a ser pago de restos a pagar processados e não-processados. Nesta conta não estão os cerca de R$ 18 bilhões de subsídios com o PSI, do BNDES, que ainda não foram inscritos como restos a pagar por conta da portaria 357, que dá uma janela de dois anos para o Tesouro reconhecer o subsídio como dívida“, disse Mansueto.
Sim, caro leitor, a portaria 357, do Ministério da Fazenda, deu ao devedor (o Tesouro) a liberdade de decidir como pagaria e o momento em que pagaria. É como se você fosse a um bar e depois de consumir o que desejasse você não só não pagar como dizer para o dono como que você levaria dois anos para pagar.
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Para completar, uma entrevista muito especial concedida ao blog pelo economista José Roberto Afonso, pesquisador do IBRE/FGV, e profundo conhecedor das contas públicas. Afonso e Mansueto estão entre os principais analistas de contas públicas do País.
As pedaladas foram comprovadas e condenadas pelo TCU. Qual é a avaliação que o senhor faz de revelações como essas para a política econômica?
José Roberto Afonso: Lamentável. Os gastos e dívidas escondidos no passado cobram um preço muito caro hoje (recessão severa) e ainda vão comprometer o futuro (drástico corte de investimentos). O governo Dilma 1 mudou as regras do jogo para tentar fabricar o seu resultado. Teria custado muito menos assumir que acreditava em déficit fiscal e mais dívida pública.
José Roberto Afonso: Lamentável. Os gastos e dívidas escondidos no passado cobram um preço muito caro hoje (recessão severa) e ainda vão comprometer o futuro (drástico corte de investimentos). O governo Dilma 1 mudou as regras do jogo para tentar fabricar o seu resultado. Teria custado muito menos assumir que acreditava em déficit fiscal e mais dívida pública.
As pedaladas em despesas obrigatórias, aparentemente, foram corrigidas pela nova equipe econômica. No entanto, os atrasos nos pagamentos de subsídios (as equalizações de juros) para o BB e o BNDES continuam. São mais de R$ 24,5 bilhões que ainda estão devidos pelo Tesouro a esses bancos. Isso precisa ser corrigido?
Afonso: Sim. Quem acredita no ajuste fiscal não precisa esconder os subsídios creditícios e, ainda mais agora, que se sabe calcular até a casa decimal. Desconfio que seja outra a razão para deixar que essa conta continue sendo espetada no caixa dos bancos federais, pois ela crescerá exponencialmente quanto mais se corrige TJLP e Selic. Será mais uma contribuição para descapitalizar ainda mais aquelas instituições financeiras que já tinham perdido suas reservas de lucros para fabricar receita primária para o Tesouro. É um filme já conhecido com a administração dos preços dos combustíveis e o desarranjo da Petrobras.
Afonso: Sim. Quem acredita no ajuste fiscal não precisa esconder os subsídios creditícios e, ainda mais agora, que se sabe calcular até a casa decimal. Desconfio que seja outra a razão para deixar que essa conta continue sendo espetada no caixa dos bancos federais, pois ela crescerá exponencialmente quanto mais se corrige TJLP e Selic. Será mais uma contribuição para descapitalizar ainda mais aquelas instituições financeiras que já tinham perdido suas reservas de lucros para fabricar receita primária para o Tesouro. É um filme já conhecido com a administração dos preços dos combustíveis e o desarranjo da Petrobras.
Uma inédita reprovação das contas do governo poderia abalar a credibilidade fiscal?
Afonso: A credibilidade fiscal já foi perdida, independente de qual venha a ser a decisão do TCU. Este só comprova e confirma o que o Estadão, como outros da mídia, e os analistas, já denunciaram e alertaram há tempos. Se tivessem sido ouvidos na época… as medidas atípicas, mais ou menos dias, sempre foram descobertas e mensuradas. O TCU só oficializa. O Brasil ficou transparentemente irresponsável.
Afonso: A credibilidade fiscal já foi perdida, independente de qual venha a ser a decisão do TCU. Este só comprova e confirma o que o Estadão, como outros da mídia, e os analistas, já denunciaram e alertaram há tempos. Se tivessem sido ouvidos na época… as medidas atípicas, mais ou menos dias, sempre foram descobertas e mensuradas. O TCU só oficializa. O Brasil ficou transparentemente irresponsável.
Como fazer para que práticas como essas não se repitam?
Afonso: Com regras fiscais mais severas e responsabilizando quem usou o poder público para mudar regras ao invés de mudar as políticas. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ainda não foi completada 15 anos depois – faltam limite de dívida para o Tesouro Nacional, revisão anual dos limites, conselho de gestão, medir a despesa pelo regime de competência (só isso acabaria com a pedalada). Vale ajudar a LRF no que falhou – como limitar garantias entre governos, concessão de incentivos fiscais, criação de gastos permanentes. Ainda é urgente aprovar uma nova lei geral do Orçamento e da contabilidade pública. O Brasil é um raro país do mundo que passou a crise global e não respondeu com alguma reforma estrutural. Até hoje ainda se acredita que basta a gestão quando muito mudar o nome de quem está a sua frente. Se falhou, tem que reformar.
Afonso: Com regras fiscais mais severas e responsabilizando quem usou o poder público para mudar regras ao invés de mudar as políticas. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ainda não foi completada 15 anos depois – faltam limite de dívida para o Tesouro Nacional, revisão anual dos limites, conselho de gestão, medir a despesa pelo regime de competência (só isso acabaria com a pedalada). Vale ajudar a LRF no que falhou – como limitar garantias entre governos, concessão de incentivos fiscais, criação de gastos permanentes. Ainda é urgente aprovar uma nova lei geral do Orçamento e da contabilidade pública. O Brasil é um raro país do mundo que passou a crise global e não respondeu com alguma reforma estrutural. Até hoje ainda se acredita que basta a gestão quando muito mudar o nome de quem está a sua frente. Se falhou, tem que reformar.
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